Em artigo publicado em O DIA, em 11.02.2020, apontava os desafios de médio e longo prazos que os partidos com vocação de governar enfrentam no atual momento histórico, quando devem definir seus programas. Em 18.02.2020, tratei da desafio da empregabilidade, colocado pela revolução da telemática, que vai substituindo cada vez mais o “trabalho vivo” pelo “trabalho morto” (tecnologia), o trabalho operativo pelo trabalho de regulação e controle; um processo que emprega cada vez menos pessoas. Hoje, volto ao tema que foi colocado no primeiro artigo como uma pergunta “Num mundo globalizado, qual o papel dos estados nacionais na regulação da distribuição da riqueza, nas políticas públicas e nos incentivos ao desenvolvimento?” Da resposta a essa pergunta, depende a ideia de Projeto de Nação, que só tem sentido se as Nações tiverem um longo futuro.
Nas organização tribal, o político não ganhou autonomia como esfera pública estatal. Tampouco nas aldeias rurais que foram surgindo da evolução demográfica interna ou da fusão de tribos. A transformação de algumas aldeias em cidades ocasionou o surgimento do Estado, na forma de Impérios, como “dominação externa” sobre um número maior ou menor de aldeias ou cidades menores, numa extensão territorial menos ou mais extensa.
Como toda sociedade produz uma cultura, a organização política sempre precisou de se legitimar através de uma unidade imaginária, de base racial, religiosa ou de tradição que foi se inventando. É a emergência das etnias e o surgimento dos povos, como analisam os antropólogos, que atinge o status de nação quando se formam macro-etnias. E que se tornaram estados-nação desde a experiência primeira de Portugal no século XIII e se tornam um modelo universal a partir da Revolução Francesa de 1789 e da Independência dos Estados Unidos, em 1776. Os estados-nação são a soma de consenso (nação) e coerção (estado). Todos os países da Europa foram evoluindo para esse modelo; os países do continente americano, que se tornaram independes no início do século XIX, se inspiraram nesse modelo; e mesmo as últimas colônias da Ásia e da África que se tornaram independentes no pós segunda guerra de 1939-45 também adotaram o modelo do estado-nação.
Marx e o marxismo nele inspirado, que vêm a economia como base da organização social e o conflito de classe como “motor da história”, sempre tiveram problema em explicar e em reconhecer a força da Nação. Para Marx, a emergência e expansão do capitalismo tornava isso bem claro: a lógica “unidimensional” da acumulação de capital “dissolveria no ar” as tradições nacionais. Daí porque a revolução é um processo mundial e a classe operária é mais internacional que nacional. Operários do mundo todo, uni-vos! – é uma palavra de ordem coerente com uma teoria.
Que o capitalismo, ao potencializar o desenvolvimento tecnológico, tem um poder globalizador não resta dúvida, sobretudo com a combinação de informática e telecomunicação no mundo atual. Mas as nações têm sobrevivido. Quando um tema não é explicado satisfatoriamente no marco da teoria marxista, ele é tratado como “questão”. Foi assim com a “questão judaica”, com o próprio Marx; com a “questão camponesa”, com Engles e Kautsky e com “a questão nacional e colonial” com Lenin.
Mas a questão não é só teórica; ela é histórica, concreta. A cultura conta, a identidade nacional motiva as pessoas e dá sentido à vida das sociedades. Há uma especificidade do cultural e do político (poder) que não podem ser reduzido a superestrutura do econômico. O Imperialismo não é uma simples expressão da expansão econômica; o imperialismo é também uma questão de geopolítica.
A disputa entre União Soviética e países europeus desde 1917 e entre União Soviética e Estados Unidos – a Guerra Fria – depois da segunda guerra mundial, não pode ser explicada apenas como disputa entre Capitalismo Socialismo. A libertação do nazismo de vários países europeus na Segunda Guerra com apoio da União Soviética e que se tornaram socialistas, não apagou a tensão entre União Soviética e estes países, o que resultou em invasões na Hungria e na Tchecoslováquia. Nos anos 1960, houve a cisão entre China e União Soviética. E após o colapso do socialismo autoritário na União Soviética as várias Nações que compunham a União “ressuscitaram”, ou melhor, mostraram que nunca tinham morrido.
Estou falando do mundo socialista, pois seus dirigentes acreditavam na “superação histórica e dialética” das nações. Mas o mesmo aconteceu coma Espanha na ditadura da Franco. A língua basca e a língua catalã sobreviveram. Isso para não falar nas lutas anticoloniais que uniam classes antagônicas como burguesia (nacional) e proletariado.
É bom lembrar que dos 193 países-membros da ONU, mais de 80 não têm 100 anos como países independentes; que o Brasil como uma nova macro-etnia formada pela miscigenação das raças indígena, branca e negra (tese de Darcy Ribeiro) começou sua formação há pouco mais de 500 anos e que há mil anos atrás Portugal não existia com a identidade lusitana, também fusão de vários povos.
Daqui a 100, 500 ou mil anos, que nações existirão como estados-nação? Creio que um bom número delas, talvez como estados-membros de uma Federação Mundial ou Supra Nacional. É uma questão geopolítica e cultural. Mas é também uma questão de políticas públicas como a pergunta do início do artigo coloca.
Ora, a introdução se extensão a a resposta mais direta da pergunta fica pra próxima semana.