A morte não cessa o ciclo de violência contra a mulher. A afirmativa vem da análise de pesquisas no campo da violência de gênero que comprovam que, mesmo quando uma mulher é vítima de feminicídio- crime em que a vítima de homicídio é mulher, sendo justamente sua condição de mulher o fator determinante para a ocorrência -, o ciclo de agressão não é finalizado.Após ele, vem uma nova barreira: o julgamento que a mulher ainda recebe mesmo após sua morte. A visão é compartilhada por IlkaTeodoro, advogada e diretora jurídica da Artemis, ONG que atua no enfrentamento a violência de gênero no Brasil. Ela destaca ser necessário para enfrentar a prática: “o feminicídio é o penúltimo estágio no ciclo de violência contra a mulher”.
O processo de superação da desigualdade de poder entre homens e mulheres caminha a passos lentos, fato que se reflete diretamente nos altos índices de assassinatos de mulheres no Brasil, que, hoje, ocupa o 5º lugar no ranking mundial de homicídios femininos. Embora a Lei Maria da Penha atue na proteção à mulher, para a pesquisadora, ainda é necessária uma profunda mudança na educação, de postura e de cultura no tratamento dispensado à mulher na sociedade.
Ilka Teodoro, advogada e diretora jurídica do Artemis/ Foto: Reprodução Internet
“Depois do assassinato de mulheres, temos o julgamento dos assassinos de mulheres,e tem estudos que demonstram que o julgamento dos assassinos de mulheres, muitas vezes, acabam se tornando mais um julgamento moral sobre a conduta da vitima, que a culpabiliza, que efetivamente um julgamento sobre o assassino. Isso escancara o quanto o machismo ainda está presente nas estruturas do judiciário, dos órgãos de acusação, na formação dos advogados e como permeia o tribunal de júri, que é o que representa a sociedade”, alarma Ilka.
Dessa forma, o atentado contra a vítima sobrevivente ou memória da vítima fatal para justificar a prática do crime configura violação à ética profissional e aos direitos humanos das mulheres. A Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, estabelece no seu art. 4º que: Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos.
Neste contexto, segundo Ilka, é necessário o investimento de recursos de forma perene para o estruturamento das redes de proteção à mulher, como o aumento de Delegacias Especializadas, investigadores, bem como Varas Especializadas em violência doméstica e feminicídios consumados e tentados. “O maior desafio é destacar recursos para ampliação e consolidação das redes de atendimento já existentes, mas também saber que o enfrentamento a violência não tem como avançar se a gente não começar a repensar a atitude dos homens, discutir as masculinidades para que de fato avancemos na diminuição dos casos, afinal, quem os pratica são homens”, finaliza.