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'Mulher ainda é vista como uma extensão do território do homem', diz delegada

Um levantamento feito pelo Instituto Datafolha mostrou que um em cada três brasileiros consideram que, em casos de crime de estupro, a culpa é da mulher. Pelo menos 33,3% da população do país acredita que a vítima é a culpada pela violência sofrida. 42% dos homens afirmam que mulheres que não se dão ao respeito são estupradas. No público feminino, esse índice é de 32%.

O levantamento apontou ainda que 65% dos brasileiros temem sofrer algum tipo de violência sexual. 85% das mulheres dizem ter medo de ser vítima deste tipo de crime. O Nordeste, segundo a pesquisa, apresenta uma taxa altíssima de mulheres que temem ser estupradas: 90%. Infelizmente o Piauí tem contribuído para alimentar este número preocupante.

Anteriormente esta semana, o portal O DIA noticiou que uma mulher é vítima de violência sexual a cada 12 horas no Estado. O levantamento, feito pelo SAMVIS (Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Sexual), mostra que 408 mulheres já foram atendidas após sofrerem algum tipo agressão somente de janeiro a julho deste ano.

A delegada Eugênia Villa (Foto: Elias Fontinele / O DIA)

Para a delegada Eugênia Villa, subsecretária de Segurança do Estado, os dados da pesquisa revelam nitidamente a violência simbólica da qual a mulher é vítima, e reforça a ideia de que a mulher ainda é vista na sociedade como uma extensão do território do homem. “É a dominação simbólica. Ser mulher por si só já personifica esse viés, demonstra essa falsa ideia de que o masculino tem poder sobre o feminino”, explica a delegada.

Já para a delegada Anamelka Albuquerque, coordenadora do Núcleo de Feminicídio do Piauí, é mais comum do que se imagina culpar a mulher pelas agressões sofridas. Segundo a delegada, esse tipo de comportamento se observa tanto no agressor, quanto nas próprias testemunhas, que, muitas vezes, relatam o ocorrido tentando encontrar formas de justificar o que, segundo Anamelka, é injustificável.

A delegada Anamelka Albuquerque (Foto: Elias Fontinele / O DIA)

“Eu falo não só dos depoimentos colhidos formalmente. Isso é muito comum, principalmente, nas entrevistas que fazemos com os envolvidos antes mesmo de colher o relato final. Esses dados são preocupantes e infelizmente refletem aquilo que já está arraigado na nossa sociedade, no inconsciente das pessoas. Tentar justificar a violência doméstica é algo que já vem automaticamente quando se fala do assunto. É crime e não se justifica”, diz a delegada.

O Datafolha fez ainda um levantamento tendo por base a idade dos entrevistados. Os brasileiros com 60 anos ou mais são os que aparecem no topo, com os que mais tendem a culpar as vítimas por crimes de violência sexual. Eles representam 44% dos entrevistados e afirmam que mulheres que usam roupas curtas não podem reclamar posteriormente em caso de estupro. 23% dos entrevistados entre 16 e 24 anos reiteram esta afirmação.

Leis e punição

A pesquisa Datafolha mostrou ainda que para a maior parte da população brasileira, a Legislação brasileira protege estupradores. A atuação das polícias Civil e Militar também foi alvo de questionamento no estudo. Perguntou-se aos entrevistados se eles acreditam no trabalho das forças de segurança na investigação dos crimes. 42% afirmaram confiar na Polícia Civil e 51% afirmaram confiar no trabalho da Polícia Militar.

Ao analisar este último dado, a subsecretária de Segurança do Estado avalia que não vê fragilidade na lei brasileira, mas nas instituições que atuam para a aplicação desta lei. Para Eugênia Villa, deve-se questionar até que ponto o Ministério Público está preparada para agir nesses casos, até que ponto as polícias estão prontas para agir nas investigações. “Você atribuir o problema a uma lei é fácil. Agora o difícil é delinear as práticas rotineiras de cada instituição”, afirma.

Hoje, o estupro é considerado crime hediondo aos olhos da Constituição Brasileira. A delegada Eugênia Villa explica que antes disso, estupro e atentado ao pudor eram tratados como práticas criminais separadas, o que acarretava em punições bem mais severas com penas mais extensas aos acusados. Com a unificação dos crimes em um só (o estupro), deixou-se de lado o acúmulo material que resultava em penas maiores, acarretando, assim, uma diminuição da carga da pena.

“Não é que a lei não seja severa. Ela é. Estupro é crime hediondo e tem uma pena dura para os acusados. Mas se antes nós tínhamos o acúmulo material quando incorria de estupro e ato libidinoso tomados como crimes separados, essas penas eram somadas. O estupro hoje é crime contra a dignidade e a liberdade sexual seja de homem ou de mulher. A linguagem política em cima disso mudou, mas a lei continua sendo dura como deve ser. O que se deve observar não é a lei em si, mas a aplicação dela”, explica a delegada.