Só este ano, entre 1º de janeiro e a última sexta-feira, 6 de outubro, os brasileiros pagaram pouco mais de R$ 1,625 trilhão em impostos, conforme levantamento feito em tempo real pelo site “Impostometro.com.br”, que é mantido pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) e outras entidades.
Só no Piauí, a arrecadação de impostos já passava de R$ 7,2 bilhões, considerado o período de 1º de janeiro até a última sexta-feira. E em Teresina, o montante acumulado superava R$ 370 milhões.
O professor Eduardo Oliveira, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que a grande distorção presente no Brasil está justamente no fato de que a maior incidência de tributos ocorre de forma indireta, na perspectiva de renda, impactando diretamente o consumo. Ou seja, há uma cobrança maior de impostos indiretos (que não levam em conta o quanto a pessoa ganha, mas apenas o quanto ela consome) e uma menor cobrança de impostos diretos (que incidem diretamente sobre a renda da pessoa, isto é, quanto maior a renda, maior o tributo).
“Aquele que tem uma elevada renda, como o apresentador e empresário Luciano Huck, por exemplo, paga o mesmo tributo de consumo que um trabalhador que ganha apenas um salário mínimo”, destaca Eduardo Oliveira, que é professor de Economia Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Um relatório produzido pela ONG Oxfam Brasil é taxativo ao afirmar que o sistema tributário do país reforça as desigualdades socioeconômicas. “O efeito da tributação no Brasil é, no geral, de aumentar a concentração da renda ou, no mínimo, não a alterar. Trata-se de uma situação já resolvida na maioria dos países desenvolvidos (onde a tributação, de fato, distribui renda), e que compõe barreira estrutural na redução de desigualdades no Brasil. Apesar de nossa carga tributária bruta girar em 33% do PIB – nível similar ao dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – ela é mal distribuída, de modo que os mais pobres e a classe média pagam muito mais impostos proporcionalmente que pessoas com rendas muito altas”, diz um trecho do relatório.
O professor Eduardo Oliveira, mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPI (Foto: Elias Fontinele / O DIA)
Divulgado no final de setembro, o estudo, denominado “A Distância que nos Une”, mostra que as grandes empresas e os mais ricos continuam sendo beneficiados pelo sistema tributário nacional, em detrimento dos mais pobres e da classe média.
Entre todos os países membros e parceiros da OCDE, apenas o Brasil e a Estônia insistem em manter políticas de isenção de impostos sobre dividendos e lucros das empresas.
Desde 1996, os donos ou acionistas de empresas no Brasil não pagam qualquer imposto sobre os dividendos recebidos na distribuição de lucros dos seus negócios – isso corresponde a cerca de R$ 60 bilhões que deixam de ser arrecadados pelo país anualmente, quase metade do que foi investido em 2016 na educação básica pública por meio do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Brasil é 10º em desigualdade
Para elucidar melhor a questão, o economista Eduardo Oliveira cita o índice de Gini, que é usado para medir o grau de concentração de renda nos países. Quanto menor o índice, menor a concentração de renda e, portanto, menor a desigualdade social.
Segundo o professor, sempre que se calcula este índice sem considerar os impostos indiretos, que são os mais injustos, a concentração de renda cai. Mas quando esses impostos são considerados no cálculo, o índice dispara. “O tributo indireto é um elemento perverso na questão da desigualdade social, porque ele acaba diminuindo o poder de compra dos mais pobres”, destaca o economista Eduardo Oliveira.
Não é à toa, portanto, que o Brasil figura no top 10 em desigualdade no mundo, com um índice de Gini em 0,515. À frente estão apenas outros três países da América Latina e seis da África.
Ainda de acordo com o relatório da ONG Oxfam Brasil, somente os seis brasileiros mais ricos detêm o mesmo montante de dinheiro que a metade mais pobre da população do país – cerca de 100 milhões de pessoas.
Imposto para a classe média
A sobrecarga de impostos não prejudica apenas os mais pobres. Afinal, produtos mais caros, como veículos, smartphones, notebooks, smart TVs e outros equipamentos eletrônicos também possuem uma elevada carga tributária.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os impostos representam entre cerca de 30% e pouco mais de 50% do valor de um veículo. Ou seja, dependendo do modelo, o consumidor acaba pagando o valor de dois veículos e levando apenas um para casa.
Nesta conta, o mais pesado dos tributos é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Em seguida aparecem o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Programa de Integração Social), o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), dentre outros impostos que pesam menos no bolso do consumidor na hora de comprar um veículo, mas que também contribuem para fazer com que o Brasil esteja no topo da pirâmide de países com os maiores impostos sobre carros do mundo.
Isso sem falar nos impostos e outros valores pagos aos Departamentos Estaduais de Trânsito para a manutenção dos veículos – a taxa de licenciamento, o seguro DPVAT e o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores).
O empresário brasileiro Luis Cláudio Fernandes Miranda ganhou fama nas redes sociais ao postar vídeos em que compara os preços de produtos vendidos no Brasil e nos Estados Unidos.
Com milhões de visualizações, seus vídeos são marcados por duras críticas aos políticos brasileiros, a quem acusa de roubar a população através da imposição de impostos exorbitantes, em troca de serviços públicos de péssima qualidade.
Em um dos seus vídeos mais recentes, Luis Miranda vai a uma loja da Lamborghini e, em tom de galhofa, compara os valores pagos no Brasil e nos Estados Unidos por um mesmo modelo da marca de carros de luxo italiana.
Lá nos EUA, um dos veículos expostos por Luis Miranda é vendido por US$ 240 mil, o que corresponde a cerca de R$ 750 mil na cotação média dos últimos dias. No Brasil, porém, o mesmo modelo Lamborghini custa nada menos que R$ 1,7 milhão, ou seja, o brasileiro paga cerca de R$ 1 milhão a mais que um norte-americano para ter o mesmo veículo de alto padrão.
A comparação torna-se ainda mais esdrúxula quando Luis Miranda fala sobre os impostos pagos nos EUA para manter um carro desse valor. Se no Brasil o IPVA de um Lamborghini chega a R$ 50 mil por ano - mesmo valor cobrado, em média, pelo seguro -, nos Estados Unidos o imposto sobre a propriedade do veículo fica em apenas US$ 67 anuais, e o seguro sai por apenas US$ 250 por mês – dados apresentados pelo próprio Luis Miranda em seu vídeo.
153 dias de trabalho para pagar tributos
De acordo com o site “Impostometro.com.br”, do IBPT, no ano de 2017 o brasileiro vai precisar trabalhar nada menos que 153 dias do ano apenas para pagar seus impostos. Ou seja, de 1º de janeiro até 2 de junho último, tudo o que o brasileiro conquistou às custas do seu suor foi destinado para o Governo.
A estimativa é que, em média, 41,80% de todo o rendimento ganho por um trabalhador durante o ano seja reservado para os cofres públicos. E esse fardo só aumenta a cada ano.
Segundo o instituto, nas décadas passadas o impacto dos tributos sobre o bolso das famílias era bem menor, embora já fosse expressivo. Na década de 70 os brasileiros trabalhavam, em média, dois meses e 16 dias apenas para pagar impostos. Na década de 80, dois meses e 17 dias. E na década de 90, três meses e 12 dias.
No ranking dos países que possuem as cargas tributárias mais onerosas, o Brasil ocupa a oitava posição. Em primeiro na lista está a Dinamarca, seguida por França, Suécia, Itália, Finlândia, Áustria e Noruega.
Ocorre que, diferente do que acontece no Brasil, em todos os países supracitados os recursos obtidos pelos Governos por meio da cobrança de impostos retornam de forma satisfatória para a população, através de investimentos na saúde, na educação, no transporte público, na segurança, dentre outras áreas essenciais do serviço público.
Para o economista Eduardo Oliveira, o problema do Brasil não é exatamente o peso dos impostos, como muitos imaginam. "A Noruega, por exemplo, que é um país de primeiro-mundo, tem uma carga tributária muito maior que a do Brasil. Aqui, ela representa aproximadamente 33% do PIB, enquanto que em muitos países desenvolvidos essa carga passa dos 40%. Na Noruega corresponde a quase metade do PIB. No entanto, lá é o melhor lugar para se morar, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano [IDH]”, analisa.
O professor opina que o Brasil precisa, de fato, atualizar seu sistema tributário, que foi normatizado há mais de cinco décadas.
No entanto, o economista acredita que dificilmente os atuais parlamentares vão aprovar mudanças no sentido de aumentar a proporção de impostos cobrados dos mais ricos e reduzir a tributação sobre os mais pobres, tendo em vista que a maior parte dos senadores e deputados federais integram, justamente, as classes que estão no topo da pirâmide social. “Historicamente, aqui no Brasil, taxar grandes fortunas é um pecado. Mas não é novidade isso ser um pecado. Basta olhar para o nosso Congresso, onde boa parte dos parlamentares é formada por latifundiários, representantes do agronegócio, da indústria, das grandes empreiteiras, etc. Já os representantes dos trabalhadores são pouquíssimos [...] Então, não há interesse nenhum, desses que estão aí no Congresso, em aprovar, por exemplo, um imposto de renda progressivo, porque isso, para eles, seria como dar um tiro no pé”, lamenta o economista.
Leia também: Impostos sobre alimentos penalizam os mais pobres
Eduardo afirma que a vulnerabilidade dos mais pobres fica ainda mais patente nos momentos de crise, como o que o país vem enfrentando desde 2014. “O preço da crise incide nos pobres, na população carente. O Governo tenta reequilibrar as contas cortando gastos sociais, gastos com a educação, com a saúde. Mas o pagamento dos juros para o sistema financeiro eles não cortam, fica intacto. E isso responde por quase 50% do orçamento”, critica o professor mestre em Desenvolvimento Econômico.
"Falácia dos empresários"
Eduardo Oliveira considera que as críticas feitas por grandes empresários sobre o chamado “custo Brasil” não passam de falácias. “O sistema tributário brasileiro não impacta em nada o empresário. Impacta, sim, o trabalhador e o consumidor de baixa renda. Essa histórica de que o custo Brasil é alto, os encargos trabalhistas são altos, a mão-de-obra custa caro, tudo isso é falácia. Para se ter uma ideia, o trabalhador industrial chinês ganha cerca de 80% a mais que o trabalhador industrial brasileiro. E olha que a China é conhecida por ter um dos salários mais baixos do mundo”, destaca Eduardo Oliveira.
Seguindo na comparação, um trabalhador de uma fábrica da Volkswagen no Brasil ganha apenas 20% do que ganha um trabalhador da mesma montadora numa unidade situada na Europa, o que, segundo o economista, desmonta todas as alegações apresentadas pela classe empresarial em relação ao custo dos trabalhadores. “Nós somos um Estado rico, com uma população extremamente pobre, que não tem serviços públicos de qualidade, e pra piorar a situação, nossos trabalhadores têm uma renda baixíssima, conforme indica a PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios]", conclui o especialista.