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Ciclistas são vítimas de assédio em Teresina

O ciclismo conquistou os teresinenses, mudou a rotina de muitas pessoas e se tornou uma “válvula de escape” em meio à pandemia do novo coronavírus. O esporte, que vem ganhando muitos adeptos, promove mais do que qualidade de vida e bem-estar, traz sensação de liberdade e revigoramento a quem o pratica. Mas, nos últimos dias, as mulheres praticantes do esporte têm sentido essa liberdade ser limitada e se resumindo à sensação de impotência e insegurança.

Há pouco mais de uma semana, no dia 1º de abril, uma ciclista foi assediada enquanto realizava seu treino. O ato foi cometido por um homem que estava em uma motocicleta e que desferiu na atleta um tapa em suas nádegas. A situação constrangedora aconteceu com a jornalista Mayara Martins, às 7h da manhã, dentro do Campus Ministro Petrônio Portella, na Universidade Federal do Piauí (Ufpi). “Eu estava pedalando sozinha, seguindo a quantidade de quilometragem prevista para o dia e, quando passei na rotatória da Residência Universitária, um homem em uma motocicleta deu um tapa muito forte na minha bunda e me chamou de gostosa. No primeiro momento, eu não tive reação, soltei um grito e logo em seguida fiquei com vergonha, olhei para os lados para ver se alguém viu, e depois veio o medo e a revolta. Foi tudo tão rápido que não consegui identificar a placa da moto”, conta a jornalista.

Foto: Arquivo/PESSOAL

Assustada, Mayara relata que retornou para o ponto de apoio dos ciclistas e relatou o que havia acontecido, como forma de evitar que outras colegas passassem pela mesma situação. Ela também alerta que as ciclistas fiquem mais atentas e andem em grupos. No dia seguinte ao ocorrido, a jornalista se dirigiu à Divisão de Vigilância da Ufpi para relatar a situação e solicitar as imagens do circuito interno da Universidade. Contudo, foi informada de que as câmeras não estavam funcionando.

Outra vítima

Outra vítima de assédio foi Wilk Janes Silva Lobo. O caso dela ocorreu uma semana após o da jornalista Mayara Martins. Na última quinta-feira (8), a cabeleireira conta que tinha ido treinar com seu esposo, na Ufpi, e que ele seguia mais à frente, enquanto ela realizava o treinamento dentro do seu ritmo. Ela explica que, em geral, os homens têm um ritmo de treino mais rápido do que o das mulheres e, por isso, ela estava sozinha no momento.

 Ela havia acabado de passar da rotatória da Residência Universitária, em frente ao Centro de Tecnologia (CT), quando um homem em uma motocicleta lhe desferiu um tapa em suas nádegas.

 “Eu estava subindo de forma lenta e ele deu um tapa tão forte na minha bunda que eu quase caio da bicicleta. Eu o xinguei e, quando a ficha começou a cair, veio o choro na garganta, com aquela sensação de impotência. Perto de mim não tinha ninguém passando, então ele já sabia como fazer para não ser pego. Fazemos o mesmo percurso sempre, justamente para não ficarmos sozinhas e porque têm viaturas, mas o indivíduo já está esperto, observando que quando as viaturas passam, há um intervalo de tempo, e é a hora que ele age”, relata.

Abalada com a situação, Wilk Janes decidiu encerrar o treino e retornar ao ponto de apoio. No meio do caminho, alertou o que havia ocorrido a outras ciclistas que passavam pelo local, inclusive Mayara Martins. O que ela não esperava é que, poucos minutos depois, o mesmo homem retornaria e cometeria o ato novamente.

“Enquanto eu retornava ao ponto de apoio, não imaginava que ele seria capaz de voltar e fazer de novo. Ele passou por mim novamente e bateu na minha bunda, mas dessa vez eu estava na descida e pedalei mais forte para acompanhá-lo e consegui visualizar a placa. Com a ajuda de amigos que são da Segurança, conseguimos rastrear e identificar algumas motos que poderiam ser deste indivíduo, até chegarmos a uma moto que era compatível com a que eu vi”, explica a cabeleireira.

“ser tocada, assediada, você se sente suja”

Vítimas pedem que possíveis novos casos sejam [ levados à Polícia para ajudar a identificar agressor

Mayara Martins conta que, ao usar suas redes sociais para relatar o que havia sofrido, outros casos vieram à tona e mais mulheres se manifestaram, afirmando terem passado por algo similar. Nos relatos, as mulheres contam que foram vítimas de uma situação semelhante em horários parecidos e no mesmo local.

Foto: Arquivo/PESSOAL

 “Ficamos muito tristes porque eu não fui um caso isolado, não fui a primeira e, pela forma como está sendo, não serei a única. Algumas meninas, por vergonha ou descrédito das instituições, não registraram boletim de ocorrência e não quiseram expor o caso como forma de alerta. Por isso, eu fiz o meu relato, para que não aconteça com outras pessoas. É revoltante, porque só queremos treinar em paz, e ser vítima desse tipo de comportamento é muito desestimulante”, desabafa Mayara.

Este é o mesmo sentimento de Wilk Janes. Mais do que passar por essa situação constrangedora e de insegurança, fica também a revolta e a sensação de desrespeito com a mulher. E ela alerta para que outras vítimas busquem a polícia e registrem boletim de ocorrência.

“Ser batida, tocada, assediada, você se sente suja, agredida moralmente, se questiona. É revoltante! Eu vou pedalar com meu marido, vou com as amigas para não ficar só, um local que tem segurança, mas mesmo assim está acontecendo. Com base nas informações que temos, espero que a polícia identifique o indivíduo que está atacando as mulheres. Por enquanto, ele está dando tapas na bunda e está se sentindo seguro para continuar fazendo. Será que chegará o dia em que ele vai partir para cima de uma mulher e fazer algo pior? Não podemos nos calar!”, reforça a ciclista, enfatizando que registrou boletim de ocorrência eletrônico e presencial.

Importunação sexual é crime

A importunação sexual, de acordo com a Lei 13.718, de setembro de 2018, caracteriza-se como um delito de ato libidinoso contra alguém e sem a sua anuência, cujo objetivo é satisfazer o próprio desejo ou de terceiro. De acordo com a delegada Bruna Verena, diretora do Departamento Estadual de Proteção à Mulher da Polícia Civil, o crime de importunação sexual é punido com prisão, sendo que sua pena varia de um a cinco anos de reclusão, segundo o Art. 215-A, do Código Penal.

“Esse crime é caracterizado quando alguém importuna sexualmente o outro, ou seja, sem o consentimento ele pratica atos que chegam ao inconveniente. Por exemplo, dentro de um ônibus, quando um homem passa a mão no corpo de uma mulher. Vale lembrar que este crime pode ser praticado de homem contra mulher, como de mulher contra homem, ou ainda com pessoas do mesmo sexo”, disse.

 A delegada reforça que, havendo este crime, as mulheres devem procurar as Delegacias da Mulher e, sendo homens, a delegacia do seu bairro, para fazer a denúncia. Ela pontuou ainda que a Polícia Civil está realizando boletins de ocorrência de maneira virtual, através da Delegacia Eletrônica, pelo endereço eletrônico [a href="http://www.pc.pi.gov.br"]www.pc.pi.gov.br.

“Orientamos que as mulheres que tenham sido vítimas deste crime de importunação sexual que compareçam à delegacia, ou façam a denúncia por meio virtual, para que possamos chegar na autoria dessa pessoa que está cometendo o crime, fazer o procedimento e encaminhar à Justiça”, completou Bruna Verena.

Esporte contra depressão

Mesmo diante dos acontecimentos, Wilk Janes não pensa em parar de se exercitar. Segundo a cabeleireira, o esporte foi fundamental para que ela superasse a ansiedade e a depressão, em 2020. Graças à corrida, e agora ao ciclismo, ela se sente uma nova pessoa.

“Foi comprovado que a atividade física está ajudando na imunidade contra o coronavírus e também para o psicológico. Mente sã, corpo são. Ano passado entrei em depressão e, para sair, eu decidi fazer uma maratona. Acordava às 2h da madrugada para correr, pois não podia aglomerar, e meu esposo ia comigo, me seguindo no carro com o farol ligado. Eu tomava antidepressivo, calmante e remédio para dormir, e fui buscar no esporte essa minha melhora. Foi isso que me fez sair do meu quadro de ansiedade, quase entrando em depressão profunda, foi minha vitória de 2020, conseguir o equilíbrio mental junto com o esporte. Por isso, que eu não deixo”, confessou.