Mesmo com alguns retrocessos, como a extinção, em abril deste ano, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT+, que foi criado por medida provisória em 2001, e sem leis em nível federal, o Piauí tem avançado em ações e políticas públicas voltadas para a população LGBT, ainda que de forma lenta.
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Myrian Lago, titular da 49ª Promotoria de Justiça de Teresina e presidente da Rede de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Rede DH-Piauí), enfatiza que os avanços estão acontecendo gradativamente, especialmente dentro do Estado. “No que o Piauí pode legislar, o Estado está bem à frente dos outros, com legislações muito boas, inclusive municipais, como em Teresina e Picos, onde existem coordenações próprias, conselhos municipais ativos e participação de movimentos. No Piauí a última conquista foi a criação do Conselho Estadual de Direitos da População LGBT, de 2017”, acrescenta.
A promotora de Justiça enfatiza que os avanços se devem às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como no caso do casamento de pessoas do mesmo sexo; adoção de crianças por pessoas LGBT e a mudança do nome no registro civil, independente da mudança física, vez que antes essa era uma condicionante.
O Ministério Público do Estado do Piauí (MP-PI) também tem atuado incessantemente em diversas frentes de forma a trazer mais dignidade à pessoa LGBT. “O MP-PI já atuou na regularização da carteirinha do nome social expedido pela Sasc, que não estava acontecendo; na ‘ressurreição’ do Conselho LGBT, que estava parado; e até no Sistema Penitenciário, para que as pessoas trans fossem respeitadas de acordo com sua orientação sexual e identidade de gênero”, pontua.
“Tinham muitos casos de mulheres trans que entravam no sistema prisional, iam para a Casa de Custódia e os agentes cortavam os cabelos e obrigavam-na a usar farda masculina. Nós atuamos junto à Secretaria, então agora a pessoa se identifica por uma autodeclaração, onde ela explica que não fez a mudança de registro, mas se identifica como tal e ela não vai ser obrigada a cortar os cabelos e é colocada separada. Se for no presídio masculino, os agentes colocam a pessoa em uma ala com criminosos de periculosidade menor, de forma a proteger a integridade dessa pessoa. No final, ficou acertado que a Secretaria de Justiça colocaria a pessoa no local que ela dissesse”, explica.
Myrian Lago, titular da 49ª Promotoria de Justiça de Teresina e presidente da Rede de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Rede DH-Piauí). Assis Fernandes
“Eu mudei porque me incomodava, mas isso abre portas para adquirir respeito”
Formada em Arquitetura, Marcela Braz, de 43 anos, é coordenadora de enfrentamento à homofobia da Sasc. Ela foi uma das primeiras mulheres transexuais de Teresina a mudar o nome no registro civil, no ano de 2016, através de um mutirão realizado pela Defensoria Pública, e a solicitar a carteira do nome social, da Sasc. A alteração do prenome na certidão de nascimento trouxe à Marcela mais do que uma sensação de conforto, lhe proporcionou oportunidades e garantiu respeito.
“Eu me considero uma inspiração. Sou graduada em Arquitetura e minha luta é essa. Preciso estar me sentindo confortável com meu novo nome e meu gênero para estar inserida no mercado de trabalho, na sociedade e vivendo com respeito e dignidade. E com nome adequado ao meu gênero isso fica mais fácil, por isso estou sempre aconselhando outras pessoas e sugerindo que façam o mesmo, que busquem seus direitos. Eu mudei porque me incomodava, mas isso abre portas para adquirir respeito, para conscientizar as pessoas para o uso do nome conforme o gênero que a gente vive”, enfatiza.
Marcela Braz comenta ainda que, por ser um procedimento novo e que poucas pessoas conhecem a legislação, a procura pela retificação do nome no registro civil ainda é baixa, além do valor das taxas e certidões ser elevado. E claro, por fatores pessoais, no qual a pessoa, mesmo se reconhecendo por outro nome e gênero, opta por não mudar essas informações nos documentos oficiais.
“Nem todas as transvestis ou transexuais querem fazer a mudança, mesmo no dia a dia adotando um gênero oposto ao do nascimento. Elas podem usar um novo nome, mas não querem mudar na documentação. Quem se sente incomodada com o nome de batismo tem essa possibilidade e, quando a lei foi aprovada, ficou mais fácil, porque as pessoas podem ir ao cartório fazer a solicitação. Infelizmente, as taxas cobradas são caras se levarmos em consideração que as pessoas trans geralmente são de baixa renda”, ressalta.