A homofobia mata diariamente, mas também fere, oprime e magoa. Entre a piada travestida de brincadeira e as agressões que levaram Dandara à morte, diversas manifestações preconceituosas são expressas de forma mais sutil, porém não menos dolorosa.
Joseane Borges, militante do Grupo Piauiense de Transexuais e Travestis conta que nunca foi agredida fisicamente, mas sofre agressões psicológicas todos os dias. “Se a gente passa na rua, já é motivo para fazerem piada. Nós carregamos um peso maior porque não passamos despercebidas aos olhos dos LGBTfóbicos”, comenta.
"Se a gente passa na rua, já é motivo para fazerem piada", diz Joseane Borges (Foto: Assis Fernandes/O Dia)
Maria Laura dos Reis, secretária executiva do Centro de Referência LGBT da Secretaria Estadual de Cidadania e Assistência Social (Sasc) reforça que existem inúmeras formas de violência latentes, mas que contribuem para gerar conflitos. “A nossa vivência é cercada por violência, que começa na família, se estende à escola, ao mercado trabalho e à rua”, lamenta.
A falta de compreensão quanto às diversas manifestações da sexualidade, frases carregadas de julgamento e de deboche ou o desrespeito expressado através de teorias conservadores são atitudes preconceituosas nem sempre perceptíveis a quem as pratica, mas que causam problemas emocionais e até psicológicos em quem precisa enfrentar dilemas frequentes quando se descobre gay, lésbica, travesti ou transgênero. “As pessoas pensam que é mimimi, mas só quem passa pela LGBTfobia sabe. Quem está de fora não percebe. É isso que as pessoas precisam compreender”, defende Maria Laura.
Foto: Assis Fernandes/O Dia
Segundo o professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPI, Francisco de Oliveira Junior, a morte de Dandara, assassinada a pauladas em Fortaleza, representa um caso extremo de homofobia, mas culturalmente, o preconceito é camuflado. “Existe a violência brutal, mas a simbólica é mais frequente”, observa.
Para Maria Laura, as pessoas trans estão mais expostas à violência extrema por quebrar o paradigma do gênero. “Gays, lésbicas e bissexuais têm como se camuflar no gênero ao qual são pertencentes. Como a gente se sente pertencente a outro gênero no qual não nascemos, isso nos deixa mais vulneráveis”, avalia.
O professor Francisco Junior defende que quanto maior a visibilidade das lutas relativas às homossexualidades, mais as forças conservadoras se sentem incomodadas. “Vivemos um momento em que as bancadas religiosas emitem discursos de ódio, reforçando essa ideia de que o homossexual é um pecador. E isso tem desdobramentos perigosos”, alerta.
Foto: Assis Fernandes/O Dia
Historicamente, as pessoas LGBT tiveram que combater discursos moralistas, médicos, jurídicos e, principalmente, religiosos. “O moralista associa a homossexualidade à sem-vergonhice. Durante muito tempo, a medicina acreditava que fosse uma doença e a justiça considerava um crime. Para os religiosos, até hoje é um pecado. Ou seja, somos formados socialmente pare ter preconceito”, contextualiza Francisco Junior.
Diálogo e informação
Desconstruir algo que foi construído durante séculos, certamente não será tarefa fácil; principalmente porque há muita ignorância quanto ao tema. Por isso, os movimentos sociais que lutam pelas causas homoafetivas têm grande importância e vêm conquistando avanços relevantes através da informação e dos debates que promovem.
Foto: Assis Fernandes/O Dia
Joseane Borges afirma que sua estratégia para combater o preconceito é não revidar as agressões verbais no mesmo nível, mas também não ficar calada diante do que já sofreu. “Eu tento me manter calma para não reforçar o preconceito. Nós vamos desconstruindo ele através de palestras, levando o diálogo para as comunidades, pois é lá onde as travestis e transexuais mais sofrem”, reflete a militante.
Segundo Marinalva Santana, representante do Grupo Matizes, existem diversos níveis de homofobia e cada um deles deve ser tratado de forma diferente. “Podemos denunciar alguns casos, principalmente de agressão física e verbal. Para outros casos mais sutis é adequado realizar uma ação educativa”, defende.
Foto: Assis Fernandes/O Dia
E no dia-a-dia? Como a pessoa LGBT pode se defender de atitudes preconceituosas, que nem sempre são compreendidas como tal pela maioria das pessoas? Para Marinalva Santana, a melhor forma é se munir de informações e fortalecer os laços com pessoas sensíveis à causa LGBT, para criar uma rede de proteção. “Pessoas da família extensa, professores, amigos e também outros homossexuais”, sugere.
Além disso, é impor respeito e manter o tratamento cordial, que credencia a exigir o mesmo em troca. “É importante tentar o diálogo e ter informações bem embasados. A discriminação nem sempre é má-fé, muitas vezes é ignorância e um preconceito que pode ser revertido. Convicções e crenças tradicionais cegam as pessoas e é preciso usar argumentos bem fortes”, afirma Marinalva.
Foto: Assis Fernandes/O Dia
O professor Francisco Junior concorda que o tema deve ser debatido em todos os contextos e, para descortiná-lo, se faz necessário preparar-se conceitualmente. “Há muita desinformação. A homossexualidade é afeto, é uma forma de expressão. O discurso desconstrutor tem que ser inserido nos espaços educacionais, eclesiásticos e familiares”, destaca.
Marinalva completa afirmando que nada é melhor para desconstruir conceitos errados sobre homossexualidade do que conviver com homossexuais. “Na minha família eu tive muitos conflitos. Minha mãe não aceitava as amizades, mas ela foi convivendo e hoje já é diferente”, conta a militante.
Teste: Qual seu nível de homofobia?
“Ninguém é 100% despojado de preconceito”, acredita o professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPI, Francisco de Oliveira Junior. É possível que até mesmo as pessoas LGBT internalizem e reproduzam algum tipo de discriminação.
Para identificar os diferentes níveis de homofobia, o Portal O DIA elaborou um teste. O internauta deverá responder, de forma honesta, a letra A ou B. O resultado está no final do questionário.
1. O que você acha de ver duas mulheres dando um beijo selinho em público?
a) Normal, assim como é para os héteros
b) Acho que deveriam se reservar pra fazer isso em casa (ou acho sexy)
2. O que você acha de ver dois homens dando um beijo selinho em público?
a) Normal, assim como é para os héteros
b) Acho que deveriam se reservar pra fazer isso em casa (ou acho muito feio)
3. Qual sua opinião sobre adoção de crianças por casais homoafetivos?
a) Importante para as crianças órfãs, que terão uma família
b) A criança poderá sofrer muito preconceito e isso é ruim para ela
4. O que você sentiria se um homossexual demonstrasse interesse por você?
a) Não vejo problema algum, mesmo que eu também não tenha interesse
b) Não me sentiria à vontade e poderia responder de forma ríspida
5. Você já disse, em algum momento, a frase “Não tenho preconceito, mas...”
a) Não
b) Sim
6. O que você acha das travestis ou pessoas trans?
a) Cada um deve se vestir e agir da forma como se sentir melhor
b) Para ser homossexual, não precisa se vestir como mulher ou como homem, sem ser
Resultado
Se você respondeu somente a letra a, faz parte de um grupo muito restrito de pessoas que não têm preconceito com LGBT. É possível que você seja militante da causa, leia ou converse muito sobre o assunto ou seja uma pessoa bastante sensível à questão.
Se a resposta foi predominantemente a letra A, mas respondeu pelo menos uma vez a letra B, você não é homofóbico (a), embora possa ter ideias ou atitudes preconceituosas em alguns momentos. Você pode até ser, assumidamente, gay, lésbica, bissexual ou transgênero e mesmo assim reproduzir pensamentos homofóbicos em menor escala. Mesmo assim, seu caso não é grave, é possível que com maior conhecimento a respeito das causas LGBT, você consiga se libertar de alguns conceitos.
Se você respondeu a maioria letra B, certamente é homofóbico (a), embora possa não reconhecer. Provavelmente ignore informações relevantes a respeito de orientações sexuais diferentes da sua. Poderá ainda ser influenciado (a) por concepções religiosas. Talvez não seja favorável a agressões aos homossexuais, mas é possível que constranja ou magoe pessoas LGBT que convivem com você.