O escritor paulistano Jeronymo Monteiro costuma ser chamado de pai da ficção científica brasileira. Mas encontrar um livro desse desbravador à venda é possível só em sebos, e o leitor deve ter sorte.
Resgates de obras mais antigas desse gênero no país acontecem, em geral, por meio de coletâneas, mais baratas de serem produzidas. A coleção Ziguezague, lançada no final do ano passado pela editora Plutão Livros, inaugura agora um trabalho de recuperação mais profundo dos fundadores da ficção científica nacional ao trazer obras integrais numa coleção de ebooks.
A série estreou com quatro publicações, e o destaque dessa primeira leva é "Três Meses no Século 81", livro publicado por Jeronymo Monteiro em 1947.
Para contar uma história de viagem no tempo, ele não só buscou inspiração em H. G. Wells, como também usou o escritor britânico em sua narrativa, como um personagem.
A história se inicia em 1947, quando o jornalista Campos vai fazer uma entrevista com Wells. Durante a conversa, o repórter resolve contar para o escritor sua ideia de como realizar uma viagem no tempo –usando as energias do espírito com o auxílio de médiuns.
Mesmo sendo alvo de zombaria da parte de Wells, Campos reúne interessados e leva o seu experimento adiante.
Monteiro escrevia textos do gênero desde antes da década de 1960, marco inicial do período chamado de primeira onda da ficção científica nacional, segundo pesquisadores desse assunto. Mas, ainda assim, o escritor é incluído nessa fase, que contava também com os autores da chamada geração GRD.
O grupo ganhou esse nome por estar ao redor do editor Gumercindo Rocha Dorea, responsável pelos primeiros lançamentos do gênero no Brasil.
De dentro desse grupo, a Ziguezague trouxe uma nova edição de "Eles Herdarão a Terra", de 1960, coletânea de contos de Dinah Silveira de Queiroz, segunda mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1980. O livro narra encontros de brasileiros com inteligências extraterrestres.
"Estamos numa época em que a solidão humana ganhou uma perspectiva capaz de produzir verdadeiras alucinações", diz a escritora no prefácio da obra, sobre a chegada de avanços tecnológicos nos transportes e nas comunicações.
"Isto me faz pensar que a ficção científica está para nós como a legenda das aventuras, dos fantasmas, dos monstros e demônios, enfim, como o rebentar da fábula, no tempo dos descobrimentos, para a humanidade que ia assistir à eclosão da Renascença", ela escreve.
A partir dos anos 1980, começam a ser lançadas as obras dos autores da segunda onda. Desse período, a Ziguezague publicou "Patrulha para o Desconhecido", de Roberto de Sousa Causo, e "O Ovo do Tempo", de Finisia Fideli.
Na visão de Roberto Fideli, editor da Plutão e filho de Sousa Causo e Finisia Fideli, a literatura brasileira tem dificuldade para manter sua memória viva. "Muita gente não sabe que o país tem tradição na ficção científica desde o século 19, mesmo que esses textos não fossem classificados com esse termo", diz.
De acordo com ele, existe uma noção de que as obras do gênero que surgem agora estão inventando a roda. "Falta contextualização", afirma. "A ficção científica brasileira tem suas próprias características, não conseguiu escapar de seu contexto."
Até o próximo mês de junho, a Ziguezague deve lançar pelo menos um novo título por mês. Entre as obras, estarão textos inéditos de escritores contemporâneos.
Os livros escritos a partir dos anos 2000 são classificados pelos teóricos como obras da terceira onda. Dessa forma, a coleção pretende dar amostras dos três principais períodos da ficção científica brasileira.
Coleção Ziguezague
Vários autores. Ed. Plutão Livros. R$ 5,90 (cada um, ebook)