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Emicida faz disco reflexivo e diz se arrepender das atitudes de ódio

Há pouco mais de dez anos, o rapper lançava sua primeira mixtape, desbocada e carregando a linguagem agressiva das batalhas de rima

31/10/2019 08:32

 "A calma é revolucionária. E é a primeira coisa que roubam de nós", diz Emicida , sentado na sede de seu selo e produtora, Laboratório Fantasma, em São Paulo. Há pouco mais de dez anos, o rapper lançava sua primeira mixtape, desbocada e carregando a linguagem agressiva das batalhas de rima. Agora um dos MCs mais bem-sucedidos do país, ele quer um minuto para refletir.

"Quando você tem calma, toma as decisões direito. Mas imagine o cara que trampa oito horas por dia –fora as horas extras–, leva outras duas para chegar ao trabalho. Sem grana, com filho e mulher. Quanto tempo sobra?", pergunta. "Esse cara não tem calma e acaba tomando uma atitude desesperada. É sobre se acalmar para poder pensar melhor."

Emicida acaba de lançar seu terceiro disco de inéditas, "AmarElo". Ele segue o caminho iniciado no anterior, "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa", de 2015, com músicas mais melódicas.

A abordagem, diz Emicida, surgiu quando ele foi a Cabo Verde, para seu álbum anterior. "Antes, estava muito odiento. Eu falava de ódio, de guerra, de fome. Lá, vi a vida acontecer, e o quanto eu era viciado, preso em estereótipos –sobre mim mesmo inclusive."

"AmarElo" é um disco solar, em que Emicida fica ainda mais próximo da música brasileira. Traz participações de Zeca Pagodinho, Fernanda Montenegro, Jé Santiago, Pabllo Vittar e MC Tha, entre outros.

Musicalmente, há uma abertura maior ao Auto-Tune. "É de ouvir [o grupo paulistano de trap] Recayd Mob. Eu era conservador quanto a isso, mas fui quebrando", afirma. "Já usei como corretor de voz, agora queria usar como estética."

Outra influência nova é o gospel, mas não a vertente americana, e sim os rituais de candomblé e os evangélicos. A faixa de abertura, "Principia", traz um coral da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e um sermão do pastor Henrique Vieira, tudo somado aos metais, em uma evocação à espiritualidade.

"Fomos procurar coisas religiosas daqui. Aquele violão da igreja de pobre, que o mano toca chorando, abraçado com o crucifixo."

A discussão sobre o racismo, crucial na obra do rapper, volta em faixas como "Ismália". Se no começo da carreira a meta era "enfiar o maior número de palavras" nas músicas, agora o discurso é estratégico.

"Poderia tratar de racismo de maneira a despertar ódio. Já fiz isso", afirma. "Mas não é esse ponto que quero pegar. Quero me relacionar com a frustração, porque ela transcende a cor. Um monte de gente que não é preta, não é de favela, quando vê uma menina de oito anos baleada pensa 'nós perdeu'. Todo mundo perdeu."

"De todas as atitudes que tomei baseadas no ódio me arrependo", diz. "Minha música não é baseada no ódio, mas falo de atitudes da vida em que deixei que o ódio tomasse conta. Gostaria que meus irmãos e irmãs refletissem para tomar decisões melhores."

"AmarElo" traz um Emicida propositivo, que celebra a união, a autoestima e convida ao diálogo. Na faixa-título, ele evoca o otimismo de Belchior com um sample de "Sujeito de Sorte". "Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes", pede na letra.

"Depois de tanto tempo sem lançar um projeto longo, queria dar um abraço", diz Emicida. "Fiz um disco para meus camaradas que estão tristes. Para o meu parceiro que tentou se suicidar. Quero que ele escute o disco e sinta calma."

Fonte: Folhapress
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