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Transplantados superam barreiras e se tornam atletas

Diante da pouca informação sobre as capacidades físicas após realizar transplantes de órgãos, piauienses se mobilizam.

28/08/2017 08:00

“A gente acha que depois do transplante vai ficar acomodado, que não pode fazer nada, mas, com um ano de transplantada, eu decidi fazer algum esporte. Eu sempre joguei vôlei, então comecei a treinar e minhas habilidades voltaram. Com um fígado novo, a energia triplicou e vi que minhas taxas, condicionamento físico e emocional estavam cada vez melhores”. Esse relato é da turismóloga aposentada Gabriela Silva Noronha, de 43 anos. 
Há quatro anos, ela precisou passar por um transplante de fí- gado, mudando completamente seu modo de pensar e viver. Depois da cirurgia, ela decidiu que era hora de mudar sua vida e de outros transplantados do Piauí através do esporte, o que melhorou consideravelmente sua autoestima. 
“Eu procurei na internet grupos de pessoas transplantadas, mas não encontrei e vi que há poucos pacientes que fazem alguma atividade. As pessoas sempre se assustam quando eu digo que faço funcional e vôlei, achando que é perigoso, mas não há risco nenhum”, cita. 

(Foto: Arquivo Pessoal)

Além disso, Gabriela vem se preparando para participar das Olimpíadas Sul-Americana dos Transplantados, que acontece na Argentina, em novembro deste ano. Ela está treinando firme para competir no Atletismo com outras três transplantadas, sendo duas atletas de São Paulo e uma do Rio Grande do Sul. 
Mobilização 
Gabriela conta que, no Piauí, não há um grupo mobilizado, sendo ela a única atleta que irá participar da competição. E para disseminar a importância do esporte, ela tem organizado um evento que visa reunir o maior número de transplantados do Estado, com o intuito de divulgar a necessidade da prática de atividade física como forma de melhorar a saúde. 
“Na Semana do Doador de Órgão, vamos realizar um torneio de vôlei para tentar atrair pessoas transplantadas a praticar esporte. Hoje, eu sou a única piauiense que faço parte da Associação Brasileira de Transplantados e represento a Associação no Nordeste, e a ideia é disseminar o esporte para os transplantados, como uma ótima alternativa de saúde e, principalmente, para a doação de órgãos”, lembra, acrescentando que o 1º Torneiro de Vôlei e Gamão, nas modalidades masculino e feminino, acontece dos dias 22 a 24 de setembro. 
A Associação Brasileira de Transplantados realiza reuniões online, como forma de integrar os 42 membros. A organização foi criada em São Paulo, por quatro transplantados brasileiros que foram os primeiros a competir. “Infelizmente, isso ainda é novo no Brasil e ainda não tem muito apoio. Essas olimpíadas são realizadas pelo Comitê Olímpico Mundial, envolvendo pessoas de todas as idades e praticamente todas as modalidades. Então, estamos treinando para essas competições, como forma de incentivar que os transplantados não deixem de praticar esporte, divulgar as ações voltadas paras essas pessoas e também como forma de socializar”, pontua Gabriela Noronha. 
"A primeira vez que eu corri, foi muita emoção e comecei a chorar" 
A história de Patrícia Fonseca começou assim que ela nasceu e foi descoberto um problema no coração. Durante 30 anos, ela conviveu com uma insuficiência cardíaca, chegou a ser operada aos 14 anos e, devido à hipertensão pulmonar, não pode fazer o transplante de coração. 

Após transplante de coração aos 30 anos, Patrícia é triatleta (Foto: Divulgação)

Mesmo com todas as dificuldades, sem poder ter tido uma infância cheia de brincadeiras, como correr ou nadar, ou ainda realizar atividades que exigissem muito esforço físico, Patrícia nunca desistiu de lutar e buscar seus sonhos e objetivos. No dia do seu aniversário de 30 anos, ela recebeu o melhor presente de sua vida: um coração novo. A partir daí, sua história passou a ser reescrita com outros olhos e significado. Agora, ela podia ser: normal. 
Fazer as coisas que todos podiam fazer. Esse era o desejo de Patrícia Fonseca, que, até então, nunca tinha corrido ou feito qualquer atividade física. "Eu sempre quis fazer exercício físico, mas não podia. Assistia às aulas de educação física da escola da arquibancada. Eu fiquei dois meses internada na UTI esperando um coração, porque precisava dos aparelhos para bombear o meu. Eu queria poder fazer tudo que queria e meu desejo de ser atleta passa pelo desejo de poder realizar tudo que eu não pude a vida toda", conta. 
Um ano após o transplante, Patrícia participou de sua primeira corrida de 5 km e lembra a emoção que foi ao dar seus primeiros passos: "A primeira vez que eu corri, era muita emoção e comecei a chorar". Desde então, ela não parou. Hoje, é triatleta, faz natação, corrida e bicicleta e foi a primeira transplantada brasileira de coração a participar das Olimpíadas dos Transplantados. 
"Em junho, na Espanha, onde eu competi triatlo, haviam 2.200 atletas transplantados do mundo todo, pessoas que lutaram por suas vidas e a energia era maravilhosa. Estávamos celebrando não somente o ouro, mas a vida, porque estar vivo é muito maior. Eu nunca conheci a saúde que tenho hoje, porque a vida toda eu não pude pegar peso, fazer exercício físico. Precisei andar de cadeira de rodas em alguns momentos, fiquei um ano de cama, sem estudar e trabalhar por causa da cardiopatia. O transplante veio me mostrar uma qualidade de vida que eu desconhecia, por isso é uma experiência muito forte ser transplantada", enfatiza Patrícia Fonseca. 
Inspiração e informação
Segundo Patrícia Fonseca, a competição de transplantados é uma excelente forma de celebrar a vida e a saúde; e pontua que, infelizmente, essa prática ainda é muito pouco divulgada no Brasil. "Essas pessoas podem ter uma qualidade melhor de vida através da prática de exercícios e podem participar desses eventos tão enriquecedores e que encontramos pessoas que passaram pelos mesmos problemas que nós e venceram", disse. 
O benefício que uma pessoa transplantada tem ao praticar atividade física vai além da melhor qualidade de vida. Ela passa também por uma melhor manutenção do corpo e do órgão transplantado. Patrícia cita que, hoje, a resposta que seu coração tem é praticamente a mesma de um coração normal, "porque ele se adaptou muito bem através dessa demanda do exercício, contribuindo também para a maior longevidade desse órgão transplantado", explica. 
A falta de informação sobre a importância do exercício fí- sico para o transplantado, bem como elas devem ser praticadas e incorporadas à sua rotina, ainda é um dos principais fatores que desmotiva a prática de exercício. E para que essa informação chegue a mais pessoas do Brasil todo, Patrícia Fonseca criou uma campanha chamada soudoador.org, onde são compartilhados e divulgados depoimentos, ações e orientações para quem está na ila de espera ou já foi transplantado. 
O objetivo é conscientizar a população de um modo geral, "tanto sobre a beleza e importância de ser doador de órgão, de avisar os familiares que é um doador, mas também trocar experiências entre os transplantados", finaliza Patrícia. 
Doação de órgãos cresce em 2017 
De janeiro a julho de 2017, foram realizados no Piauí 116 transplantes, sendo 95 de córnea; quatro de rim (intervivo) e 17 de rim (cadáver), através da Central de Transplantes do Estado. Porém, a ila de espera ainda é grande, com mais de 458 pacientes aguardando um transplante, sendo 385 somente para córnea e 73 para rim. No ano passado, foram realizados 132 transplantes de rim e córnea, número próximo ao obtido até o primeiro semestre deste ano. 
A enfermeira da Central de Transplantes do Piauí, Claudete Rocha Baba, destaca que, apesar da quantidade de doações de órgãos ter aumentado nos últimos dois anos, as de cirurgias ainda estão abaixo do necessário e isso se deve principalmente à falta de conscientização por parte das famílias de quem vêm a óbito. 
"A pessoa precisa comunicar a família que tem interesse em ser doadora de órgão, porque, no momento de autorizar, quem decide são os familiares. Por isso, é importante que haja uma maior conscientização da população sobre esse assunto, porque apesar de ser um momento difícil, há outras vidas aguardando por um órgão e chance de viver", fala. 
Claudete explica que, em muitos casos, há uma demora no transplante devido à dificuldade em encontrar um doador compatível. A seleção desse paciente é feita através do cadastro nacional, onde o próprio sistema gera os pacientes mais compatíveis com os órgãos do doador. 
"Assim que é selecionado, o paciente é contatado, faz a hemodiálise e já é encaminhado para a sala de cirurgia. Em casos de pacientes que residem em outros municípios, a demora só ocorre enquanto ele se desloca para a Capital", conclui.
Por: Isabela Lopes
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