“A gente acha que depois
do transplante vai ficar acomodado, que não pode fazer
nada, mas, com um ano de
transplantada, eu decidi fazer
algum esporte. Eu sempre joguei vôlei, então comecei a
treinar e minhas habilidades
voltaram. Com um fígado novo,
a energia triplicou e vi que minhas taxas, condicionamento físico e emocional estavam
cada vez melhores”. Esse relato
é da turismóloga aposentada
Gabriela Silva Noronha, de 43
anos.
Há quatro anos, ela precisou
passar por um transplante de fí-
gado, mudando completamente seu modo de pensar e viver.
Depois da cirurgia, ela decidiu
que era hora de mudar sua vida
e de outros transplantados do
Piauí através do esporte, o que
melhorou consideravelmente
sua autoestima.
“Eu procurei na internet
grupos de pessoas transplantadas, mas não encontrei e vi
que há poucos pacientes que
fazem alguma atividade. As
pessoas sempre se assustam
quando eu digo que faço funcional e vôlei, achando que é
perigoso, mas não há risco nenhum”, cita.
(Foto: Arquivo Pessoal)
Além disso, Gabriela vem
se preparando para participar
das Olimpíadas Sul-Americana dos Transplantados, que
acontece na Argentina, em
novembro deste ano. Ela está
treinando firme para competir
no Atletismo com outras três
transplantadas, sendo duas
atletas de São Paulo e uma do
Rio Grande do Sul.
Mobilização
Gabriela conta que, no Piauí,
não há um grupo mobilizado,
sendo ela a única atleta que irá
participar da competição. E
para disseminar a importância
do esporte, ela tem organizado
um evento que visa reunir o
maior número de transplantados do Estado, com o intuito de
divulgar a necessidade da prática de atividade física como forma de melhorar a saúde.
“Na Semana do Doador de
Órgão, vamos realizar um torneio de vôlei para tentar atrair
pessoas transplantadas a praticar esporte. Hoje, eu sou a única piauiense que faço parte da
Associação Brasileira de Transplantados e represento a Associação no Nordeste, e a ideia é
disseminar o esporte para os
transplantados, como uma
ótima alternativa de saúde e, principalmente, para
a doação de órgãos”, lembra, acrescentando que o 1º
Torneiro de Vôlei e Gamão,
nas modalidades masculino
e feminino, acontece dos
dias 22 a 24 de setembro.
A Associação Brasileira de
Transplantados realiza reuniões online, como forma de
integrar os 42 membros. A organização foi criada em São Paulo,
por quatro transplantados brasileiros que foram os primeiros
a competir. “Infelizmente, isso
ainda é novo no Brasil e ainda não tem muito apoio. Essas
olimpíadas são realizadas pelo
Comitê Olímpico Mundial, envolvendo pessoas de todas as
idades e praticamente todas as
modalidades. Então, estamos
treinando para essas competições, como forma de incentivar
que os transplantados não deixem de praticar esporte, divulgar as ações voltadas paras essas
pessoas e também como forma
de socializar”, pontua Gabriela
Noronha.
"A primeira vez que eu corri, foi muita emoção e comecei a chorar"
A história de Patrícia Fonseca
começou assim que ela nasceu
e foi descoberto um problema
no coração. Durante 30 anos, ela
conviveu com uma insuficiência
cardíaca, chegou a ser operada
aos 14 anos e, devido à hipertensão pulmonar, não pode fazer o
transplante de coração.
Após transplante de coração aos 30 anos, Patrícia é triatleta (Foto: Divulgação)
Mesmo com todas as dificuldades, sem poder ter tido uma
infância cheia de brincadeiras,
como correr ou nadar, ou ainda
realizar atividades que exigissem
muito esforço físico, Patrícia nunca desistiu de lutar e buscar seus
sonhos e objetivos. No dia do
seu aniversário de 30 anos, ela
recebeu o melhor presente de sua
vida: um coração novo. A partir
daí, sua história passou a ser reescrita com outros olhos e significado. Agora, ela podia ser: normal.
Fazer as coisas que todos podiam fazer. Esse era o desejo de
Patrícia Fonseca, que, até então,
nunca tinha corrido ou feito qualquer atividade física. "Eu sempre
quis fazer exercício físico, mas
não podia. Assistia às aulas de
educação física da escola da arquibancada. Eu fiquei dois meses
internada na UTI esperando um
coração, porque precisava dos
aparelhos para bombear o meu.
Eu queria poder fazer tudo que
queria e meu desejo de ser atleta
passa pelo desejo de poder realizar tudo que eu não pude a vida
toda", conta.
Um ano após o transplante, Patrícia participou de sua primeira
corrida de 5 km e lembra a emoção que foi ao dar seus primeiros
passos: "A primeira vez que eu
corri, era muita emoção e comecei a chorar". Desde então, ela
não parou. Hoje, é triatleta, faz
natação, corrida e bicicleta e foi a
primeira transplantada brasileira
de coração a participar das Olimpíadas dos Transplantados.
"Em junho, na Espanha, onde
eu competi triatlo, haviam 2.200
atletas transplantados do mundo
todo, pessoas que lutaram por
suas vidas e a energia era maravilhosa. Estávamos celebrando não
somente o ouro, mas a vida, porque estar vivo é muito maior. Eu
nunca conheci a saúde que tenho
hoje, porque a vida toda eu não
pude pegar peso, fazer exercício
físico. Precisei andar de cadeira
de rodas em alguns momentos, fiquei um ano de cama, sem estudar e trabalhar por causa da cardiopatia. O transplante veio me
mostrar uma qualidade de vida
que eu desconhecia, por isso é
uma experiência muito forte ser
transplantada", enfatiza Patrícia
Fonseca.
Inspiração e informação
Segundo Patrícia Fonseca, a
competição de transplantados
é uma excelente forma de celebrar a vida e a saúde; e pontua
que, infelizmente, essa prática
ainda é muito pouco divulgada
no Brasil. "Essas pessoas podem ter uma qualidade melhor
de vida através da prática de
exercícios e podem participar
desses eventos tão enriquecedores e que encontramos
pessoas que passaram pelos
mesmos problemas que nós e
venceram", disse.
O benefício que uma pessoa
transplantada tem ao praticar
atividade física vai além da
melhor qualidade de vida. Ela
passa também por uma melhor
manutenção do corpo e do órgão transplantado. Patrícia cita
que, hoje, a resposta que seu
coração tem é praticamente a
mesma de um coração normal,
"porque ele se adaptou muito
bem através dessa demanda do
exercício, contribuindo também para a maior longevidade
desse órgão transplantado",
explica.
A falta de informação sobre
a importância do exercício fí-
sico para o transplantado, bem
como elas devem ser praticadas
e incorporadas à sua rotina,
ainda é um dos principais fatores que desmotiva a prática de
exercício. E para que essa informação chegue a mais pessoas
do Brasil todo, Patrícia Fonseca
criou uma campanha chamada
soudoador.org, onde são compartilhados e divulgados depoimentos, ações e orientações
para quem está na ila de espera
ou já foi transplantado.
O objetivo é conscientizar a
população de um modo geral,
"tanto sobre a beleza e importância de ser doador de órgão,
de avisar os familiares que é um
doador, mas também trocar experiências entre os transplantados", finaliza Patrícia.
Doação
de órgãos
cresce em
2017
De janeiro a julho de 2017,
foram realizados no Piauí 116
transplantes, sendo 95 de córnea; quatro de rim (intervivo)
e 17 de rim (cadáver), através
da Central de Transplantes do
Estado. Porém, a ila de espera
ainda é grande, com mais de
458 pacientes aguardando um
transplante, sendo 385 somente para córnea e 73 para rim.
No ano passado, foram realizados 132 transplantes de rim
e córnea, número próximo ao
obtido até o primeiro semestre
deste ano.
A enfermeira da Central de
Transplantes do Piauí, Claudete Rocha Baba, destaca que,
apesar da quantidade de doações de órgãos ter aumentado
nos últimos dois anos, as de
cirurgias ainda estão abaixo do
necessário e isso se deve principalmente à falta de conscientização por parte das famílias
de quem vêm a óbito.
"A pessoa precisa comunicar
a família que tem interesse em
ser doadora de órgão, porque,
no momento de autorizar,
quem decide são os familiares.
Por isso, é importante que haja
uma maior conscientização da
população sobre esse assunto,
porque apesar de ser um momento difícil, há outras vidas
aguardando por um órgão e
chance de viver", fala.
Claudete explica que, em
muitos casos, há uma demora
no transplante devido à dificuldade em encontrar um
doador compatível. A seleção
desse paciente é feita através
do cadastro nacional, onde
o próprio sistema gera os pacientes mais compatíveis com
os órgãos do doador.
"Assim que é selecionado,
o paciente é contatado, faz a
hemodiálise e já é encaminhado para a sala de cirurgia. Em
casos de pacientes que residem em outros municípios, a
demora só ocorre enquanto
ele se desloca para a Capital",
conclui.
Por: Isabela Lopes