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O verbo “existir” não cabe em um substantivo A busca pela legitimidade e pela garantia do direito de ser em meio à violência e o preconceito.

Maria Clara Estrêla e Nathalia Amaral

https://dia.portalodia.com/noticias/piaui/o-verbo-existir-nao-cabe-em-um-substantivo-395493.html

“O preconceito me tirou muito. Me tirou de mim mesma até os 36 anos, me tirou meu pai, minha profissão e minha renda”. O relato da chef de cozinha Ana Vieira é um retrato de como o preconceito e a violência contra a população LGBTQIAP+ pode fazer com que viver esteja atrelado ao sofrimento. Viver não deveria doer. Contudo, em uma sociedade que insiste em marginalizar e violentar pessoas pela sua orientação sexual ou identidade de gênero, o fato de existir representa, paradoxalmente, um risco à própria vida.

Por isso, para as pessoas LGBTQIAP+, o processo de descoberta da sexualidade e do gênero é, muitas vezes, dolorido. Para Ana Vieira, essa descoberta se iniciou ainda na infância, aos seis anos de idade, mas o preconceito, até dela mesma, fez com que a chef de cozinha suprimisse a sua sexualidade por mais de três décadas.

“Eu tinha um tipo de apego excessivo às minhas amiguinhas. As pessoas notavam, alguns pais de amiguinhas meio que evitavam a amizade delas comigo. Então, aprendi que era errado gostar de meninas daquele jeito tão empolgado. E suprimi isso. Na adolescência, após beijar uma mulher pela primeira vez, me vi com um furacão de desejo por mulheres, mas como não queria me aceitar como lésbica ou qualquer coisa que me tirasse da zona de conforto que eu achava que tinha, passei a ficar com homens, mesmo que isso me causasse sofrimento”, relata.

A chefe de cozinha Ana Vieira relata as dificuldades que enfrentou no processo de descoberta e aceitação - Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

No ímpeto de tentar sufocar a sua sexualidade de todas as formas, Ana casou-se com um homem. Contudo, após oito anos de relacionamento, a chef de cozinha confessou ao marido a sua atração por mulheres e os dois se divorciaram. A angústia da separação, no entanto, não foi comparada ao afastamento do pai, quando este soube da sua sexualidade.

“Separei confessando ao meu marido que sentia atração por mulheres e ele contou pro meu pai, que era muçulmano. Meu pai parou de falar comigo e morreu um ano depois. Imagina o meu sentimento de culpa, de estar sendo castigada. Eu tinha acabado de conhecer meu pai, depois de uma vida buscando por ele. O perdi mais duas vezes, uma pro preconceito e depois pra morte. A partir dali, não houve mais volta para nossa relação. Acabou”, lembra emocionada.

Seis anos após o divórcio, Ana Vieira se permitiu apaixonar-se por uma mulher e as duas iniciaram um namoro. No entanto, com o relacionamento, o casal passou a ser vítima de ataques homofóbicos e, para evitar serem alvos de violência, as duas evitavam andar de mãos dadas nas ruas ou demonstrar afeto em público. Apesar disso, Ana Vieira, que na época era massoterapeuta, tomou coragem e decidiu usar as redes sociais para compartilhar sua orientação sexual com seus clientes. Foi então que ela teve outro baque. O fato de se assumir como uma mulher lésbica fez com que Ana perdesse mais de 60% da sua clientela.

“Eu morava em uma cidade muito conservadora na época. Perdi dois terços dos meus clientes. Os maridos proibiam as esposas de serem atendidas por mim. Estava empolgada por ter me descoberto, estava descobrindo o que era o amor e o prazer pela primeira vez e não tinha a menor noção do peso que seria me assumir. Eu ganhava mais de R$ 6 mil por mês, morava em uma casa de frente para o mar e, de repente, passei a ganhar um salário mínimo. Me vi morando de favor e sendo enxotada ou despejada toda vez que descobriam a minha sexualidade”, rememora.

Aos 40, a chef precisou se reinventar, descobrir uma nova profissão e tocar a vida. Depois de todas as perdas e do preconceito que sofreu, Ana revela que chegou a cogitar a possibilidade de voltar para o armário, mas decidiu bater de frente com o preconceito. Hoje, ela se arrepende de não ter buscado justiça por todas as violências que sofreu apenas por ser quem é.

“Eu quero ser feliz e quero que outras pessoas como eu sejam também. Só dá pra fazer isso batendo de frente com o preconceito, não cedendo a ele e deixando ele devorar quem eu sou. É triste pensar que qualquer um de nós pode ser morto a qualquer momento por isso, por nos acolhermos e lutarmos por nós”, afirma Ana Vieira.

Para a professora Gheyza Silva, a autoaceitação também foi um processo longo e confuso. A professora conta que, ainda na adolescência, percebeu que sentia atração por mulheres. Para tentar se encaixar no padrão heteronormativo, Gheyza relata que tentou se relacionar com homens, o que lhe gerou um intenso sofrimento.

Após anos de tentativas e se sentindo infeliz, a professora decidiu “sair do armário” e se aceitar como uma mulher lésbica. O que ela não esperava, no entanto, era que a exposição da sua sexualidade poderia desenhar um alvo nas suas costas e lhe fazer ser vítima de violência lesbofóbica.

A professora Gheyza Silva já sofreu agressões verbais por ser lésbica. (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)

“Não achava certo e muito menos normal me sentir dessa forma, demorou anos para aceitar ser a mulher que eu sou. Uma vez eu estava em um bar, conversando com um amigo e ele perguntou se eu não sentia falta do membro masculino. Outras pessoas já disseram que começariam a me tratar como homem, já que eu gosto de mulher. Até hoje, mesmo me assumindo para toda a minha família, meu pai disse para eu esperar ele morrer antes de levar alguém para casa. Isso faz com que eu me sinta incompreendida, incompleta, sozinha e inferior às minhas irmãs, que são heterossexuais e casadas”, revela.

Falta de legislação específica dificulta, mas não impede ações de combate à LGBTfobia

Muito se questiona sobre o fato de a violência contra a população LGBTQIAP+ representar números mínimos em relação ao universo de ocorrências criminais registradas diariamente pelas forças policiais. As autoridades no assunto, no entanto, pontuam que não se trata de minimização de casos, e sim de uma subnotificação devido à ainda deficiente produção de dados referentes a este público específico. Essa falta de dados pode se dar por diversos motivos: o medo da vítima de denunciar a violência, a descrença nas instituições ou até mesmo a falta de aparatos jurídicos específicos para amparar e identificar da forma correta essas vítimas de violência LGBTfóbica.

A própria ausência de uma legislação federal a respeito da violência contra a população LGBTQIAP+ contribui para essa subnotificação dos casos. É o que explica a promotora Myrian Lago, titular da 49ª Promotoria de Justiça do Piauí.

“É uma matéria que há pouco tempo não se falava. As pessoas pensam que, porque não faz parte da vida delas, não tem porque entender como direito. Expressamente não tem nenhuma legislação a nível federal a não ser o decreto do nome social no âmbito da administração pública direta e indireta. Casamento, mudança de nome e gênero, adoção, a própria criminalização da LGBTfobia, tudo isso foi decisão judicial, decisão do Supremo diante da omissão do Poder Legislativo que não regulamenta a matéria. Hoje, a LGBTfobia está assemelhada ao racismo na nossa legislação”, explica a representante do Ministério Público do Piauí.

Apesar disso, o Piauí se apresenta como um dos mais avançados no que diz respeito ao combate à LGBTfobia. Segundo Myrian Lago, o Estado possui cerca de 10 leis específicas sobre a temática, inclusive algumas que foram criadas ainda no começo dos anos 2000. Mesmo assim, a promotora destaca que é importante e necessária a criminalização específica, seja no Código Penal ou em uma legislação à parte, para que a LGBTfobia possa ser desvelada e combatida com um apoio maior do aparato jurídico.

Trata-se de fazer valer o princípio da dignidade humana, previsto na Constituição Brasileira. Muito embora a atuação da Justiça nos casos de violência contra a população LGBTQIAP+ esteja respaldada na defesa deste princípio, o Ministério Público do Piauí considera que ele sozinho não garante muita coisa. Para além da igualdade de direitos, o que as minorias precisam é de equidade.

“A igualdade acaba dando para todo mundo a mesma coisa e nós sabemos que algumas pessoas precisam de mais do que outras para se nivelarem. Daí que vem a equidade. O princípio da dignidade humana traz esse conceito, ele obriga essa atuação dos representantes da lei e não protege a omissão. Ela obriga que você atue e isso respalda todo o trabalho que desenvolvemos”, comenta Myrian Lago.

Para garantir direitos é preciso antes conhecer a realidade

No Piauí, um dos principais agentes da atuação contra a LGBTfobia e pela garantia de direitos da população LGBTQIAP+ é a 49ª Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual. A 49ª é a promotoria de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos. Com 10 anos de existência, ela tem uma atribuição bastante ampla: está dentro do Núcleo de Cidadania e Meio Ambiente, que também abarca as Promotorias de Saúde, Educação, de Defesa da Pessoa com Deficiência, Defesa do Idoso, do Consumidor, entre outras.

No tocante à questão LGBTQIAP+, a 49ª Promotoria do MPPI atua em demandas individuais e coletivas e muitas pautas que antes não entravam na alçada do órgão passaram a integrar o dia a dia de quem faz o Ministério Público. São procedimentos de ofício, formalizações de Termos de Ajuste de Conduta (TAC), recomendações, instauração de Ações Civis Públicas dentre outras ações que são desenvolvidas em conjunto com outros órgãos estaduais.

Saiba mais sobre as atribuições da 49ª Promotoria de Justiça e as pautas sobre a questão LGBTQIAP+

É o caso, por exemplo, do Protocolo Cidadão de Produção de Dados de Violência LGBTQIAP+. Trata-se de um protocolo que padroniza e cria uma metodologia para coleta e tratamento de dados de violência contra a população LGBTQIAP+ no Estado. A ação é coordenada pela Secretaria de Segurança Pública e foi implantada em parceria com o Ministério Público do Piauí após provocação do órgão. A portaria que regulamenta o protocolo é recente e foi publicada em junho deste ano. Um dos principais pontos do documento é a obrigatoriedade do preenchimento dos campos referentes à orientação sexual e identidade de gênero.

Antes mesmo do protocolo ser lançado, o MPPI, por meio do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial (Gacep), fez uma pesquisa interna junto a Secretaria de Segurança para identificar se os agentes policiais sabiam o que o documento significava para que pudesse aprimorar a atuação no momento das abordagens e lavraturas de Boletins de Ocorrência e flagrante.

O protocolo teve participação ampla da sociedade civil em sua criação, incluindo a Coordenação de Enfrentamento à LGBTfobia, da Secretaria Estadual de Assistência Social (SASC), grupos representantes de direitos humanos, e Defensoria Pública. O primeiro relatório deverá ser entregue pela SSP ao Ministério Público ainda este ano para que o órgão possa dimensionar a violência contra LGBT’s no Piauí e ajudar no planejamento de políticas públicas.

O Portalodia.com conversou com o responsável pela coordenação de execução do protocolo, o delegado João Marcelo Brasileiro. Ele comentou que o projeto veio da dificuldade de padronização da coleta de dados da violência LGBTQIAP+ no Piauí e da necessidade de conferir mais segurança às estatísticas fornecidas pelas forças de segurança.

“A ideia do protocolo, primeiro, foi dar segurança metodológica a quem vai inserir esses dados no sistema e a quem vai analisar esses dados. Criamos um mecanismo básico, simples, compreensível e participativo. É um documento que orienta o policial quando ele vai registrar a violência contra a pessoa LGBTQIAP+, como ele deve acolher essa pessoa”, explica o delegado.

Entenda como funciona uma investigação de violência de gênero

O Protocolo de Produção de Dados de Violência LGBTQIAP+ está pautado em quatro premissas: a autodeclaração, os marcadores sociais de gênero, as motivações do crime e a transparência.

“A violência contra a pessoa LGBT depende da autodeclaração. A gente não vai mais buscar dados de violência LGBT fora da polícia. Tudo tem que estar registrado no B.O. Também vamos definir no registro policial o que é uma pessoa homossexual, bissexual, o que significa LGBTQIA+ para o policial ter ciência se o crime foi motivado ou não por homofobia. Tudo isso ficará à disposição da sociedade e dos órgãos competentes em um painel com divulgação trimestral dos dados”, pontua o delegado João Marcelo.

Essa divulgação dos dados consiste em outro projeto chamado Tirando Dados do Armário. A ideia é minimizar a subnotificação de LGBTfobia e dar visibilidade de forma correta e digna a violência contra essa parcela da população. O projeto prevê ainda a realização de oficinas anuais para atualização do corpo policial sobre a temática e discussão do protocolo para seu aprimoramento. Essas ações contarão com parcerias da Defensoria Pública, do Ministério Público Estadual e de movimentos sociais de defesa de direitos LGBTQIAP+.

“Sempre buscamos manter um diálogo com os movimentos sociais porque, por exemplo, nem sempre quem registra o B.O. é a vítima. É alguém da família. E a gente depende do que a família disser. Não é atribuição do policial identificar a identidade de gênero e a orientação sexual. Nós conversamos com os movimentos sociais para ver se eles nos ajudam nessa conscientização da autodeclaração na orientação às famílias”, diz o delegado.

Saiba em que consiste o Protocolo Cidadão de Produção de Dados de Violência LGBT

Um dos parceiros da Segurança na execução do protocolo é o Grupo Matizes. A coordenadora Marinalva Santana explica que quando há um caso de violação de direitos em que a vítima fica viva, o grupo vai até ela conscientizá-la sobre a importância de denunciar. Por outro lado, em casos de homicídio, muitas vezes a própria família nega que a vítima era LGBT.

“Não só com relação a trans. Por exemplo, quando acontece assassinato de gays, a própria família tenta esconder essa condição. Quando um gay é vítima de homicídio e a família vai registrar, fica toda cheia de dedos para não colocar essa condição. Para nós do movimento é complicado porque você mexe na própria suscetibilidade da família, porque se a própria família está no armário, o movimento fica numa situação delicada, porque nós podemos até ser acusados de estar maculando a imagem da pessoa que morreu. Porque, se família se envergonha da condição, para o movimento fica o dilema. Tem uma questão subjetiva que é muito forte, não é fácil”, desabafa Marinalva.

Foto: Assis Fernandes/O Dia

Ela comenta que na maioria dos casos, a família rejeita a vítima e ela sequer faz parte do núcleo familiar. Segundo Marinalva, às vezes a família só se mobiliza se a vítima tiver um bem material que eles tenham interesse em se apropriar. Mas, para fazer justiça sobre o crime, essa disposição não existe. “A gente acompanha muitos casos de pessoas LGBT que morrem de morte natural e que a família já tinha abandonado e só aparece na hora que a pessoa morre e quer impedir que o companheiro ou companheira herde e fique com os bens. A motivação é meramente material. É lamentável. Infelizmente, o preconceito faz isso”, finaliza Marinalva.

Conheça a parceria do Ministério Público com a Secretaria de Segurança na questão da violência contra LGBTs.

Reconhecimento de identidades: o nome social

Crescemos sendo ensinados que nossos nomes nos dizem quem somos e que os substantivos que nos definem carregam uma carga identitária muito forte. Só que nem sempre ser lembrado pelo próprio nome tem a ver com identificação. Para alguns, se torna sinônimo de dor e sofrimento e, muito embora existir não devesse doer, o fato de sermos referidos por uma palavra com a qual não temos qualquer laço afetivo pode significar outro termo: tortura. É que o verbo existir não cabe em substantivo embora haja sempre aqueles que tentam reduzi-los a isso a qualquer custo.

O verbo “viver” é outro que não cabe em formas pré-definidas e escolhidas antes mesmo que venhamos à vida. Viver está mais relacionado à liberdade de poder ser, e menos relacionado a padrões. Sartre já dizia que “o homem tem de poder escolher a vida em qualquer circunstância”. Ninguém deverá julgá-lo. Não importa se forem “Marias” ou “Joãos”. Nem se forem “Carlas” ou “Makellys”. O problema é que há quem se ache no direito de julgar e até condenar a forma como as pessoas vivem a própria vida..

Era 18 de julho de 2014 quando populares localizaram o corpo da travesti Makelly Castro, 24 anos, próximo à sede de uma empresa de callcenter no bairro Distrito Industrial, na zona Sul de Teresina. Makelly foi enforcada até a morte. Seu assassino foi absolvido em julgamento ocorrido três anos após o crime. Em 20 de julho de 2021, o bairro São Joaquim foi palco de cenas de repulsa: uma travesti foi amarrada e agredida a pauladas por populares que filmaram o crime e chegaram a postar as imagens nas redes sociais. No último dia 05 de novembro, uma travesti de nome Carla foi morta a golpes de picareta dentro da própria casa no Residencial Eduardo Costa. O caso é investigado como feminicídio pela Polícia Civil. O suspeito é o companheiro da vítima.

Esses são exemplos trágicos e reais que acontecem quando viver se torna sinônimo de medo. Para ter o direito básico à vida, as pessoas se sentem obrigadas a sufocar a real identidade. Mas, assim como há tentativas de sufocamento de existências, há também um outro lado: aquele que o preconceito não consegue calar. Em 2019, a Defensoria Pública do Piauí lançou o projeto Meu Nome É Orgulho, com o objetivo de fortalecer a relação com outras instituições e movimentos sociais para humanizar o atendimento e assegurar direitos à população LGBTQIAP+.

O projeto prevê que a pessoa transgênero que tenha interesse em promover a mudança do seu nome civil possa solicitar no Cartórios de Registro Civil a alteração de seu gênero, de seu prenome e os agnomes indicativos de descendência (Filho, Neto, Júnior e afins). Sobrenomes não podem ser alterados. Para dar entrada no processo, é preciso ter mais de 18 anos. Crianças e adolescentes só têm direito à mudança de nome civil por meio de ação judicial. A solicitação pode ser feita em qualquer Cartório de Registro Civil e através da Defensoria Pública pelo Núcleo de Direitos Humanos.

Um dos que conseguiram fazer a retificação do próprio nome e assumir uma nova (e real) identidade foi o consultor de seguros Augustus Cavalcante. Ele conta que participou do mutirão de mudança de nome de pessoas trans e que o processo todo não demorou mais que uma semana. Apesar do protocolo ter sido rápido, a assimilação por parte da sociedade é muito mais demorada e difícil.

“A retificação em si não te resguarda a ser respeitado. Então antes e depois disso, as pessoas sempre trocavam meu pronome ou nome de vez em quando e sempre usando a desculpa do ‘ainda não me acostumei’. Quando eu fazia meu curso superior, aconteceu a troca de nomes algumas vezes, mas logo foi resolvido. Uma vez em um treinamento para uma empresa, também aconteceu. Com o passar do tempo, isso foi cessando”, relatou Augustus.

Para dar entrada na retificação do nome civil, é preciso comparecer aos cartórios ou procurar a Defensoria Pública portando certidão de nascimento atualizada, certidão de casamento atualizada caso tenha, cópia do RG, cópia da identificação civil nacional caso tenha, cópia do passaporte brasileiro, do CPF, do título de eleitor e da carteira de identidade social. É preciso apresentar ainda um comprovante de endereço. Veja aqui o que mais é preciso. A ação é gratuita.

Nome social foi uma das primeiras demandas LGBT atendidas no Piauí

Assim como a Defensoria Pública, o Ministério Público do Piauí também atua na garantia do direito do nome social. Esta foi uma das primeiras demandas em que o órgão agiu no tocante às pautas LGBTQIAP+. Hoje essa demanda está praticamente zerada mas não porque não exista e sim porque o direito vem sendo respeitado. É o que afirma a promotora Myrian Lago.

“Desde 2012, nós atuamos para que o nome social seja respeitado em todo o âmbito da administração pública direta e indireta. Até a nível federal fizemos, em conjunto com o MPF, ações para que o uso do nome social [fosse respeitado] no Programa Minha Casa Minha Vida, lá nos idos de 2014. As pessoas que tinham optado por nome social tiveram o registro do imóvel com o nome social. É uma demanda importante porque diz muito respeito à individualidade e precisava ser preservada”, diz a representante do MPPI.

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o nome social já era regulamentado por portaria do Ministério da Saúde. Entretanto, na Educação, por exemplo, e no sistema prisional, a questão não tinha uma regulamentação. Coube ao Ministério Público fazer essa atuação aqui no Piauí. “Tivemos atuação em relação à criação do ambulatório trans, no Programa Estadual de Saúde da População LGBT”, elenca a promotora Myrian.

Quando o MP começou a versar sobre a questão, no sistema prisional a discussão sobre nome social também ainda era recente. Até que o Conselho Nacional de Política Penitenciária e o Ministério da Justiça emitiram resolução conjunta para que fosse respeitado não só o nome social, mas a própria identidade de gênero das pessoas que ingressam no sistema prisional.

“No Piauí não tem nenhuma unidade prisional que tenha área específica para a pessoa trans, mas fica franqueado, por exemplo, no caso de travestis e mulheres trans que elas escolham se vão para a Penitenciária Feminina ou se vão para outro sistema. A entrada é dada respeitando suas características: não corta o cabelo, permite que use roupa feminina. Então ficou acordado que cada um faria essa escolha e em qualquer lugar, suas características seriam respeitadas”, finaliza a promotora.

Canais de denúncia

A 49ª Promotoria de Justiça fica no 1º andar do prédio do Ministério Público do Piauí, localizado na Avenida Lindolfo Monteiro, 911. Quem presenciar algum caso de violação de direitos humanos, seja ele LGBTQIAP+ ou atrelado a outras áreas, pode procurar presencialmente a promotoria ou a ouvidoria do MPPI, que fica no mesmo prédio. O horário de funcionamento é das 8h às 15h, de segunda a sexta-feira.

Denúncias também podem ser feitas através do telefone (86)98114-5518, que funciona tanto para ligações e Whatsapp e é o número funcional da 49ª Promotoria. O e-mail 49promotoriadejustiç[email protected] também está disponível para recebimento de denúncias. Mais informações sobre como contatar o Ministério Público em caso de necessidade podem ser encontradas na página da Ouvidoria do órgão. Acesse aqui.