�€œMas
o justo viverá da fé�€. Quando Martinho Lutero leu esta passagem
bíblica, escrita em Romanos 1:17, seus olhos foram abertos e algo
extraordinário aconteceu. O homem que buscava servir a Deus movido
muito mais por medo e tradição passou a conhecer um Deus que ama o
pecador e que o justifica quando este aceita o sacrifício de Cristo
pela humanidade. Ter acesso à verdade das Escrituras não serviu
para �€œaquietar�€ o espírito de Lutero, como seus líderes
esperavam, mas para despertá-lo a iniciar uma grande reforma, que
nem mesmo ele imaginava viver.
Dia 31 de outubro de 1517 foi o marco desta reforma, pois foi o dia em que Martinho Lutero pregou as 95 teses à porta da Igreja de Wittenberg. A intenção de Lutero era divulgar a todos a experiência que ele havia vivenciado ao conhecer a Bíblia, o que ele não imaginava era que Roma não ficaria nada satisfeita com esta atitude. Por não ter negado o que vinha pregando, Lutero foi excomungado.
Hoje, a Reforma Protestante completa 496 anos e ainda merece ser lembrada e comemorada. Para falar um pouco desta importante data, o Boas e Novas entrevistou o Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho, Pastor da Igreja Batista R. Moriá em Fortaleza, Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas, Graduado e Mestre em Direito (UFC), Doutor em Sociologia (UFC), Graduado em Teologia (UMESP), Doutor em Teologia (Faculdade Etnia), Doutor em Ministério (FTML), Pós-Graduado em Teologia Histórica e Dogmática (FAERPI).
Confira a entrevista:
Boas e Novas: A Reforma Protestante aconteceu há quase 500 anos. Qual o significado desta data, 31 de outubro de 1517, e qual a relevância dela para o presente?
Glauco Barreira: A Reforma Protestante significou a libertação da superstição e do paganismo mascarado de cristianismo, ao mesmo tempo em que promoveu um retorno à compreensão da fé como uma realidade pessoal e relacional. Nela, a exclusividade das Sagradas Escrituras como fonte de revelação salvífica foi ressaltada juntamente com uma visão cristocêntrica da igreja e do evangelho. A Reforma tem grande relevância para nós hoje, pois a coragem e a paixão dos reformadores nos trazem grande inspiração para lutar pela fé num mundo em que novos inimigos são enfrentados, como o ceticismo, o hedonismo, o relativismo ético e a indiferença religiosa (ateísmo prático).
BN: Na sua opinião, os historiadores são fiéis à história da Reforma ou há distorções e equívocos sendo divulgados? Se há equívocos, cite alguns.
GB: Os historiadores mais respeitáveis do passado eram fidedignos, quando não adotavam uma posição católica militante. Muitos historiadores desconstrutivistas de hoje, porém, têm sido intérpretes equivocados dos fatos, principalmente por desconhecerem o contexto teológico. Calvino, por exemplo, viveu uma vida humilde e, se aceitou o empréstimo com juros, foi apenas através de bancos e em casos de empreendimentos produtivos. Não se poderia cobrar juros de pessoas necessitadas, a quem se deveria emprestar com amor, sem esperar nada em troca. Por outro lado, Calvino limitava os juros bancários, de modo que, em Genebra, onde sua doutrina era dominante, os juros cobrados por instituições de crédito eram bem mais baixos do que os efetivamente cobrados em cidades católicas da Itália. �‰, portanto, um erro associar Calvino com as formas agressivas que o capitalismo assumiu na fase industrial. Outro equívoco histórico é supor que Lutero manteve uma submissão passiva aos príncipes que o apoiaram, ignorando a tensão existente nesse relacionamento, bem como as violentas pregações de Lutero contra as ambições dos príncipes. Outro erro é chamar de anabatistas os movimentos espiritualistas revolucionários que aconteceram no século XVI. Os verdadeiros anabatistas eram defensores da não resistência e contrários ao uso da espada.
BN: Há quem defenda que Lutero foi apenas um rebelde que não quis se submeter a algumas regras da Igreja Católica. Muitos biógrafos, no entanto, o apontam como um homem que vivenciou uma experiência marcante com Deus e que nem mesmo pensou em fazer a reforma. Quem foi Lutero, um rebelde ou um homem transformado por Deus?
GB: Lutero foi alguém que, tendo uma experiência com Deus, desejou compartilhá-la. Não foi ele quem deliberou a saída de Roma, mas o papa que o excomungou. Ele, então, viu que o sistema religioso papal era uma ameaça à mensagem evangélica de salvação e que o papismo e o evangelicalismo eram inconciliáveis.
BN: Por que a Reforma foi necessária? O que aconteceu entre o início da Igreja cristã (que começou com os apóstolos de Cristo) e o ano de 1517 para que a reforma protestante fosse necessária?
GB: A Reforma foi necessária pela escuridão espiritual reinante na Idade Média. Durante o período medieval, muitos elementos pagãos dos povos bárbaros trazidos à confissão cristã se misturavam com a mensagem bíblica. Com o passar do tempo, esse paganismo tornou-se dominante, exigindo um resgate da verdadeira mensagem do evangelho.
BN: A Igreja Católica restringiu, aos seus próprios líderes, por muito tempo, o conhecimento bíblico e até mesmo o conhecimento secular. Prova disso é que os padres rezavam as missas de costas para o público, e em latim, para que o público não tivesse entendimento do que estava sendo pregado. Qual a contribuição da Reforma para que este quadro mudasse?
GB: A Reforma defendeu a clareza das Escrituras e o Livre Exame da verdade nela contida. Para tanto, promoveu a tradução da Bíblia para as línguas nacionais, bem como incentivou a educação que possibilitava a sua leitura.
BN: E a igreja cristã do presente, precisa de reformas?
GB: Sim, a igreja de hoje precisa de Reforma. Vemos hoje muitos evangélicos nominais, não nascidos de novo, que não compreendem o poder transformador da fé e as renúncias implicadas em seguir a Cristo. As igrejas estão preocupadas com acomodações, respeitabilidade social e mútuas homenagens humanas. Há muito espírito mundano e clubesco entre os jovens. Muitos reformadores do passado ficariam escandalizados com a irreverência nos cultos de hoje, a ausência de simplicidade e modéstia no vestuário cristão, a falta de intensidade na oração e a pouca percepção do senhorio de Jesus Cristo. Hoje, precisamos tanto de Reforma como de avivamento espiritual!
Edição: Pollyana RochaPor: Pollyana Rocha