Em algumas manifestações religiosas é comum a realização de rituais de agradecimento pelas graças alcançadas ou para fazer algum pedido. Nas religiões de matriz cristã, esses rituais podem ser feitos por meio de penitências, jejum ou pagamento de dízimos, por exemplo. No caso da umbanda e do candomblé - religiões de matrizes africanas - alguns rituais envolvem oferendas aos orixás (divindades africanas) com o uso de alimentos, flores, perfumes, ou até mesmo a carne de animais em sacrifícios.
Apesar de ser um tema controverso, o uso de animais para agradecer ou pedir algo às divindades não é algo exclusivo dessas duas religiões. É o que explica a coordenadora estadual do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Ruthneia Vieira. De acordo com a coordenadora e umbandista, o antigo testamento da Bíblia, livro máximo da doutrina cristã, já falava em sacrifícios. “Temos diversas passagens em que os animais são usados em sacrifícios a Deus, desde Caim e Abel”, comenta.
Foto: Nathalia Amaral/O Dia
A coordenadora destaca que, na umbanda, o uso de animais é feito para fins de consumo. Após os rituais de limpeza e purificação, o animal serve de alimento para a comunidade compartilhar o axé, ou seja, a força sagrada de cada orixá. “Nós matamos para comer, para comemorar aniversários ou para celebrar algo, assim como todas as pessoas. É hipocrisia retratar esses rituais como algo obscuro da nossa religião”, relata mãe Ruthneia de Iansã.
No entanto, o uso de animais em rituais não é consenso nos terreiros de umbanda. Segundo o médium e também umbandista Igor Santos, não são todos os terreiros que usam animais como forma de oferenda aos orixás. “A umbanda ideal não pratica o sacrifício de animais. Se você entrar em um terreiro de umbanda e ver o sacrifício de um animal, você não pode considerar que é um terreiro de umbanda, porque faz parte do princípio da religião”, afirma.
Igor Santos explica que não são todos os terreiros que usam animais como forma de oferenda aos orixás (Foto: Nathalia Amaral/O Dia)
O médium explica que, mesmo não sendo um consenso, é importante entender que o uso de animais em sacrifícios deve ser respeitado como um dogma. “São doutrinas religiosas, e é isso o que difere uma religião da outra. Não é que tenha que matar o animal para entregar a feitura de feitiços e feitiçarias, de fazer mal ao alheio, mas sim de destinar o espírito do animal à divindade”, esclarece Igor Santos.
Em relação ao candomblé, a candomblecista Carmen Ribeiro explica que o animal é ofertado ao orixá. “Ao final da ritualística nós fazemos uma grande refeição e todos da comunidade são chamados a partilhar daquele axé, que é a carne”, diz, acrescentando ainda que a forma como o ritual acontece é mantida sob sigilo, pois “faz parte do segredo que envolve o candomblé”.
Foto: Nathalia Amaral/O Dia
Controvérsia
Para os protetores de animais, o sacrifício em rituais religiosos é considerado cruel e desumano. Segundo Shayanna Camelo, mesmo que para fins de consumo, a prática deveria ser proibida. "Eu sou totalmente contra e repudio esse tipo de atitude. Nada contra qual seja sua religião, quais seus princípios ou sua doutrina. Mas, a partir do momento em que está colocando a vida de outras pessoas e animais em risco, todos têm o total direito de intervir”, afirma a protetora que trabalha com adoção e resgate de animais abandonados .
O tema gera controvérsia e já chegou até o Supremo Tribunal Federal. Em novembro de 2016, o ministro Marco Aurélio Mello liberou para decisão do plenário um processo que discute o sacrifício de animais em rituais de religiões de origem africana. O julgamento, no entanto, ainda não possui previsão para ocorrer. Na ação, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) tenta derrubar o trecho de uma lei do mesmo estado que livra de punição por maus tratos a animais os rituais das religiões de matriz africana que praticam sacrifícios.
A TV O Dia traz um especial mostrando projetos e pessoas que se dedicam a ações de proteção aos animais.