Diante de notícias de que o Plenário da Câmara dos Deputados poderá apreciar, hoje (29/11), emendas e substitutivos que podem desfigurar as “10 Medidas Contra a Corrupção” e atentar contra a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário, os procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato manifestaram repúdio a "qualquer tentativa de aterrorizar procuradores, promotores e juízes em seu legítimo exercício da atividade de investigação, processamento e julgamento de crimes, especialmente daqueles praticados nas mais altas esferas de poder".
O procurador Deltan Dallagnol, um dos integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato (Foto: Vladimir Platonow / Agência Brasil)
Por meio de nota, os integrantes da força-tarefa salientaram que os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário se sujeitam a quatro esferas de responsabilidade: civil, criminal, de improbidade administrativa e disciplinar. "A afirmação de que essas classes são uma 'casta privilegiada' ou 'intocável' são falsas e objetivam manipular a opinião pública. A impunidade dos crimes decorre de brechas do sistema de justiça criminal que serão fechadas caso sejam aprovadas as '10 Medidas Contra a Corrupção'. O endurecimento das leis proposto se aplica para todos, isto é, inclusive a promotores, procuradores e juízes", diz a nota.
Segundo os procuradores da força-tarefa, a pretensão de sujeitar membros do Ministério Público e do Poder Judiciário a crimes de responsabilidade é totalmente descabida, uma vez que nem mesmo os próprios deputados e senadores estão sujeitos a esses crimes.
Além disso, segundo, os procuradores, a proposta tornada pública atenta contra a independência do exercício da atividade ministerial e judicial. "Além de serem propostos crimes de redação propositalmente aberta, como faltar com o 'decoro do cargo', os quais são punidos com demissão (sem qualquer gradação), os próprios investigados poderão processar criminalmente os investigadores. Crimes excessivamente vagos dão margem a subjetivismo na aplicação da lei e perseguições, não toleradas pelo Direito Penal. Isso abre espaço para retaliação, vingança, intimidação e acovardamento, amordaçando o exercício legítimo da função", argumentam.
Segundo os procuradores, a intenção de criminalizar a atividade específica do Ministério Público e do Judiciário apareceu repentinamente, não foi submetida a uma adequada discussão e não existem episódios recentes que justifiquem sua súbita introdução num pacote anticorrupção. "A única novidade é o risco que os poderosos estão sofrendo de responderem por seus crimes e pagarem pelo que fizeram. A reação defensiva contra as investigações, expressada em projetos descabidos na urgência e conteúdo, calcados em discussões inexistentes ou açodadas, não tem amparo em uma legítima necessidade de interesse público e caracteriza desvio de finalidade e conflito de interesses. Trata-se de evidente retaliação contra grandes investigações e a independência dos poderes".
Para os procuradores, o único modo de se vencer a impunidade de agentes públicos criminosos, que precisam e devem ser responsabilizados por suas condutas, independentemente da instituição à qual pertençam, é o aperfeiçoamento das leis.
"As brechas que fazem o crime de poderosos compensar precisam ser fechadas para que tenhamos um efetivo Estado Democrático de Direito. Não haverá evolução se não forem endereçadas reformas no tamanho das penas, número infindável de recursos, sistema de prescrição, nulidades e instrumentos de recuperação de dinheiro que é fruto de crimes. Contudo, essas reformas devem ser realizadas por meio de uma discussão adequada, como aconteceu na Comissão Especial que discutiu as 10 Medidas, em que mais de 100 especialistas foram ouvidos, da Advocacia, Polícia, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil".
Os membros da força-tarefa da Lava Jato concluem a nota reafirmando a confiança de que os parlamentares e os cidadãos saberão distinguir medidas legítimas e necessárias para o aperfeiçoamento do sistema anticorrupção daquelas que são tentativas de aterrorizar e amordaçar promotores, procuradores e juízes.
"A independência do Ministério Público e do Poder Judiciário é um dos pilares do Estado de Direito brasileiro e, como tal, deve ser respeitada, para que os cidadãos sejam protegidos e os criminosos sejam responsabilizados independentemente de quem sejam. O momento clama por medidas contra, e não a favor, da corrupção".
Fonte: MPF