O DIA entrevistou nessa semana o ex-procurador geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo. Ele exerceu a principal função do Ministério Público do Trabalho entre 2011 e 2015. Com a experiência de cerca de 25 anos de atuação, ele comentou sobre as discussões atuais que envolvem as relações trabalhistas. Fez críticas ao projeto da terceirização, à redefinição do conceito de trabalho análogo a escravidão e apontou que hoje, ações para combater crimes trabalhistas podem deixar de ocorrer por causa da escassez de recursos no orçamento dos órgãos que atuam no setor. Confira a entrevista:
Ex-procurador geral do
Trabalho, Luís Antonio
Carmargo, tem 25 anos
de atuação na área (Foto: Divulgação)
O Piauí tem se destacado
nos últimos meses pelo número de trabalhadores resgatados
em situação aná-
loga à escravidão. Como
a Procuradoria tem feito
para combater esse tipo de
crime no Piauí e em outros
estados. Os empregadores
têm sido punidos na Justiça?
Eu tenho uma experiência
longa. Participo dessas
operações desde o início da
década de 90. Temos uma
vivência e essa vivência me
permite garantir a você que
nós conseguimos melhorar
muito do início dos anos
de 1990 para cá. Tá resolvido?
Não. Tá longe de estar
resolvido. Nós temos trabalhadores
nessas condições e
enquanto tiver isso o problema
não estará resolvido.
Me preocupa algumas possibilidades
de retrocesso na
legislação. Principalmente
por conta de um projeto de
lei que tramita no Senado,
que objetiva rediscutir e
redefinir o conceito de trabalho
escravo contemporâneo. Isso é muito perigoso
porque se ele for aprovado
do jeito que está nós teremos
um enorme retrocesso.
As bancadas conservadoras,
ruralistas, querem retirar
da lei as expressões condições degradantes e jornadas
exaustivas. Se isso acontecer
o retrocesso será muito
grande. Nós resgatamos
muitos trabalhadores por
conta disso. Quando falo
nós, estou falando Ministério Público do Trabalho, do
Ministério do Trabalho, da
Polícia Federal e até mesmo
da Polícia Rodoviária
Federal. Essas quatro instituições
trabalham em conjunto.
Ninguém avança no
sistema sozinho. Já conseguimos
resgatar muitos trabalhadores,
grandes vitórias, tanto administrativas,
quanto judiciais. Mas ainda
há um caminho muito longo
a percorrer. No Piauí, o estado
vem avançando muito.
Principalmente quando se
trata de diminuir o número
de piauienses que saem do
estado para serem explorados
em outros lugares. O
atual governador, e eu não
sou do PT, nem estou puxando
o saco, não voto no
Piauí, mas o atual governador
ainda no primeiro mandato
dele, fez um trabalho
em conjunto conosco, de
parceria, que teve resultados.
Neste sentido, quais os
caminhos mais eficientes
para a gente avançar no
combate ao trabalho análogo
a escravidão. Seria deixar
a legislação mais rígida
ou avançar na fiscalização?
Há carência de fiscalização?
A legislação é eficiente e
boa, tanto que estão querendo
piorar e retrocedê-la.
Agora, a fiscalização do trabalho
precisa ter um incremento
de pessoas. Nós hoje
temos um número muito reduzido
de fiscais do trabalho
em todo Brasil. Acredito
que precisaríamos de um
incremento de, pelo menos,
50% a mais do que já
temos hoje. O outro ponto
é continuar investindo nas
melhorias das condições de
trabalho dos auditores, dos
procuradores, da Polícia
Federal e da Polícia Rodoviária
Federal. Você precisa
de equipamentos, veículos,
computadores, e até mesmo
de armamento. Às vezes não
tem dinheiro para pagar as
diárias. Hoje, o Ministério
Público do Trabalho vive
uma situação difícil, por
conta dos cortes que foram
feitos no Orçamento.
Como o senhor observa
esse projeto de terceirização que está tramitando
no Congresso. As discussões
foram intensas no ano
passado e agora ficou morno,
mas voltará a pauta de
discussões. Da forma como
está, o senhor acha que
pode prejudicar ou ajudar
os trabalhadores?
Eu não acho, eu tenho
certeza que se esse projeto
da terceirização se for aprovado
no Senado, do jeito
que foi aprovado na Câmara,
vai ser um verdadeiro
desastre porque estaremos
verificando o fim do direito
do trabalho. O direito do
trabalho foi pensado pela
sociedade para estabelecer
uma linha de proteção e
todo esse sistema de normas
e proteção está baseado
na figura do empregado
e do empregador. Se você
permitir a terceirização ampla
do jeito que está no projeto,
essas figuras vão desaparecer.
Você não vai mais
ter a figura do empregado e
do empregador a frente da
relação de emprego, porque
você vai ter a pessoa cumprindo
as funções que não
é empregado do dono da
empresa onde as funções são exercidas. Então, você
desconecta o trabalhador
da própria empresa e da figura
do empregador. Você
traz um terceiro, que é empregado
de uma outra empresa
e que não tem aquela
relação de subordinação
com o dono da empresa que
ele está prestando ser viço.
Isso quebra o paradigma do
direito do trabalho e traz
uma série de problemas:
remuneração menor, qualificação
insuficiente ou nenhuma,
porque a proposta é
reduzir custos e isso é precarizar,
falta de sindicalização.
Hoje muito se fala em crise,
inclusive, o próprio poder
público tem se utilizado
desse discurso de crise
para evitar a concessão de
reajustes aos trabalhadores
e defendendo uma flexibilidade
na legislação trabalhista?
A Procuradoria
pode punir em caso de não
concessão dos reajustes?
Não, porque não há uma
legislação específica determinando
o reajuste. O reajuste
deve ser concedido
por meio de uma negociação coletiva. Por isso que se
precisa ter sindicato forte
e representativa. Em uma
situação como essa, com o
patronato usando crise para
não conceder reajuste, o
trabalhador, através do seu
Sindicato, ele faz greve. Se
você for pulverizar os sindicatos,
vamos ter relações
cada vez piores.
Além desse projeto de terceirização,
há uma dezena
de outros projetos que tratam
da flexibilização da legislação
trabalhista. Inclusive,
há um que sugere que
empregados e empregadores
possam fazer acordos
sem observar a legislação
trabalhista.
O senhor avalia
que essas negociações é
um avanço ou um retrocesso
para os trabalhadores?
Nas condições que nós
estamos, com a estrutura
sindical que temos, é um
retrocesso. Na verdade, um
prejuízo, uma perda para
o trabalhador, porque se
nós tivéssemos, realmente,
entidades sindicais fortes,
efetivamente representativas,
teríamos menores problemas
porque os trabalhadores
estariam organizados
e fortes o suficiente para
defender seus direitos, inclusive,
com greve, mas, na
situação em que nós estamos,
permitir, o chamado
negociado sobre o legislado
vai atingir diretamente
os trabalhadores com uma
carga de precarização jamais
vista no Brasil. O que
garante ainda o mínimo de
dignidade do trabalhador é
a própria Constituição, especialmente
no artigo 7º,
que estabelece uma série de
direitos, mas o artigo 6, que
fala dos direitos sociais e o
artigo 8º que garante a greve
e o artigo 9º que trata da
estrutura sindical. São esses
quatro artigos que ainda
sustentam os princípios da
Constituição. Se você permitir
que uma negociação
coletiva possa desconhecer,
desrespeitar esses dispositivos
da República acabam os
direitos do trabalho. Hoje
temos sindicatos que são
criados pelos patrões, não
é maioria, mas temos, categorias
muito fragilizadas
e são nessas categorias fragilizadas
que se avançam na
precarização.
Além da questão da terceirização,
que outras ameaças o senhor vê nos direitos
dos trabalhadores em tramitação
no Congresso?
Nós estamos em um sistema
capitalista de produção.
Então, não estamos tratando
aqui de revolução. E o
sistema capitalista de produção
é aquele em que o
empregador tem um objetivo
de lucro cada vez maior.
Então, a grande ameaça que
eu vejo é na forma que o
Governo está organizado
hoje, esse governo provisório que é um governo que
tem compromisso com essas
parcelas mais conservadoras.
Você vê o reflexo desse
apoio com as propostas
que vão para o Congresso.
A questão das 10 medidas
contra a corrupção já não é
mais prioridade. Então, essa
linha política conservadora
vai trazer enormes prejuízos para a classe trabalhadora,
porque apoiam os
empresários, adotam uma
linha liberal. Se fala muito
em uma crise econômica,
mas eu tenho minhas dúvidas
se ela realmente existe.
Tem uma crise política, os
resultados da economia são
trabalhados para mostrar
que tem realmente uma crise.
Então, tenho certeza que
após o desenrolar da crise
política, a crise econômica
começará a desaparecer da
mídia, porque já diminuiu.
Hoje os órgãos da Justiça
do Trabalho estão sofrendo
com o corte de gastos para
custeio. Qual o efeito desses
cortes na fiscalização
das irregularidades cometidas
contra os trabalhadores?
A despesa de custeio é
a que sustenta a máquina
pública. Se você tem um
corte nos investimentos,
você para um pouco de
crescer, de expandir, mas
você mantem aquele grau
de funcionamento. Agora,
se você corta o custeio, aí
você corre o risco de fechar
as portas, porque você não
vai poder pagar a luz, o aluguel,
empresa de segurança,
inclusive com pagamento
de hospedagens e diár ias.
Como eu coloco um fiscal
para verificar as situa-
ções, se eu não tenho o
dinheiro para custear as
despesas? Então, os procuradores,
os auditores, a
Políc ia Federal, a Políc ia
R odov iár ia Federal está
sof rendo i sso. Se você f ica
sem recursos para i sso, as
operações não acontecem e
os trabalhadores continuarão
sendo explorados.
Por: João Magalhães e Mayara Martins