Nenhum país das Américas demorou tanto para abolir a escravidão de negros vindos da África como o Brasil. Só em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, o país passou a tirar da condição de escravos as pessoas pretas. Durante este período – e até nos pós-escravidão – a ideia da superioridade racial branca popularizou-se, fazendo com que os espaços de poder – seja ele econômico, político, judiciário, cultural, educacional e religioso – fossem dominados pelos brancos.
A presença amplamente maior de não-negros nos espaços de poder – mesmo com a maioria da população brasileira sendo negra ou parda – cria uma espécie estrutura que não combate o racismo. E em muitos casos, o corrobora. Para combater o racismo por dentro das estruturas, estudiosos e pesquisadores do assunto desenvolveram um conjunto de práticas pedagógicas que têm por objetivo conscientizar o indivíduo da estrutura e do funcionamento do racismo na sociedade e torná-lo apto a reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano.
O “Letramento Racial” é uma espécie de reeducação racial, ou uma alfabetização, que visa desconstruir formas de pensar e agir naturalizadas na sociedade sobre os negros e os brancos. Em relação às pessoas negras, a desconstrução do imaginário racista. E em relação às pessoas brancas, a desconstrução do pensamento de superioridade. No Brasil, de acordo com as teses do letramento racial, as pessoas brancas são beneficiadas pela falsa ideia de superioridade, reforçada desde os tempos da colonização.
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O termo foi utilizado pela primeira vez pela socióloga afro-americana France Winddance Twine, em 2003. Aqui no Brasil, o racial literacy foi traduzido para o português “letramento racial” pela psicóloga Lia Vainer Schucman. Porém, 20 anos depois, o que está na teoria dos livros que abordam o letramento racial ainda encontram dificuldades de serem colocadas em prática nos diversos ambientes.
A reportagem de O DIA ouviu a Mestra em Antropologia Luana Magalhães, que fez um resumo sobre o tema e também explanou as dificuldades enfrentadas para pôr em prática a reeducação racial no Brasil. A começar por aspectos históricos. “Muitos brancos não se veem como uma raça, porque existe um pensamento de que os brancos são ‘universais’ e quem tem raça são os outros: os negros, amarelos ou indígenas. E muitos negros também pensam assim. O racismo estrutura nossa sociedade em várias áreas, inclusive na educação”, diz a antropóloga.
E este é um grande problema para se colocar em prática o letramento racial, nas instituições de ensino, por exemplo.
A estudiosa afirma que essa realidade começa a mudar a partir do momento em que os próprios negros – representados pelo movimento negro – começam a ter conquistas como leis que exigem o ensino da história afro-brasileira.
“Movimento negro já vem fazendo um trabalho importante, como a conquista da Lei Nº10.639 que põe a obrigatoriedade do ensino da História Africana e afro-brasileira nas escolas. E uma outra que coloca como obrigatório o ensino da História Indígena. É um desafio constante, porque as pessoas que ocupam cargos de decisão, de liderança, são brancas! Mas já conseguimos esta conquista legislativa, que não resolve por si só, mas já é um avanço”.
Mesmo com a lei, falta ainda um preparo específico para um ensino antirracista nas escolas, avalia a mestra em antropologia. “Os professores que já estão aí no ensino não receberam uma formação antirracista. E isso é importante, porque para ter o letramento racial, o primeiro passo fundamental é entender que o Brasil é um país racista”.
Um dos pontos que a mestra refuta é a ideia de que as raças convivem bem no Brasil, por termos muita mistura entre brancos, negros e indígenas.
Após ter acesso a uma formação racista, muitos negros e não negros passam a entender porque determinados termos já não devem mais ser utilizados na escrita ou na fala por carregarem consigo contextos racistas.
Termos que não são considerados apropriados para se referir a negritude, segundo o movimento negro:
- Mulato(a): termo muito utilizado para fugir da identificação com a própria negritude;
- Moreno(a): termo muito utilizado para fugir da identificação com a própria negritude;
- Cabelo ruim: evitar o termo, ao se referir ao cabelo crespo ou ondulado;
- Mestiço: Termo genérico, mas não identifica raça;
- Pardo: termo questionável, mas aceito pelo movimento como identificação aos órgãos públicos – especialmente o IBGE, diante do colorismo do Brasil;
- Mais claro ou escuro: o correto é utilizar “mais retinto” ou “menos retinto”.
Termos ideais para se referir aos negros:
- Negro, negritude, preto, afrodescendente, afro-brasileiro.