Trazer à vida políticos que faleceram ou atribuir falas e discursos falsos a um candidato. A evolução da inteligência artificial (IA) generativa é apontada por especialistas como o maior desafio da justiça eleitoral para o pleito de 2024. Em 5.569 cidades do Brasil, mais de 150 milhões de eleitores irão às urnas no dia 06 de outubro. Para especialistas, pelos dígitos da urna eletrônica, podem passar processos de manipulação com “deep fakes” e peças desinformativas produzidas por uma big tech americana que pode mudar os próximos quatro anos de um município.
No Piauí, a expectativa é que mais de 2,5 milhões de eleitores votem no pleito, o Tribunal Regional Eleitoral promete uma atuação ágil para combater e retirar do ar postagens falsas e conteúdos desinformativos criados a partir da IA.
Com uma história que remonta ao século XX, o termo “inteligência artificial” foi criado na década de 1950 e nas últimas décadas passou por um longo processo de desenvolvimento. O último grande salto ocorreu em 2020 com o desenvolvimento do GPT-3, um modelo de linguagem de aprendizado profundo capaz de gerar texto, traduzir idiomas e escrever diferentes tipos de conteúdo criativo.
Atualmente, a IA é uma área de pesquisa e desenvolvimento em rápido crescimento. Os avanços estão tendo um impacto significativo em diversas áreas da sociedade, como a saúde, a educação e o transporte. Nos últimos dois anos, o avanço em ferramentas da chamada “IA generativa” popularizou ferramentas como a OpenAI e plataformas de empresas como Microsoft e Google.
Atualmente é possível se gerar imagens, criar vídeos, atribuir áudios de infinitas formas, podendo levar a uma confusão dos eleitores, como explica Dimmy Magalhães, doutor pela Universidade Federal do Paraná na área de Inteligência Artificial aplicada ao Processamento de Linguagem Natural.
Dimmy Magalhães esclarece também que a possibilidade de construção de informações falsas no pleito eleitoral se tornou muito mais fácil com a IA.
“Essa difusão desta tecnologia como a OpenAI, da Microsoft e do Google, elas colocaram na mão de muitas pessoas, especialistas ou não, a capacidade de gerar conteúdo e difundir muito rápido. Hoje a IA precisa de no mínimo cinco segundos de áudio para conseguir replicar o timbre de uma pessoa. Então um vídeo e um áudio falso está muito mais acessível. Uma informação produzida com um timbre de um candidato dificilmente será desmentida, a capacidade destrutiva desse tipo de ferramenta é gigantesca”, destaca.
Tema ainda não foi regulamentado no Brasil
Se de um lado o avanço tecnológico se dá em uma velocidade muito rápida, por parte das instâncias judiciais eleitorais o tema sequer foi regulamentado no Brasil, o que acende um sinal amarelo para os especialistas em direito eleitoral, como revela o advogado eleitoral Welson Oliveira.
“O TSE produziu uma minuta de resolução que tem um dispositivo específico sobre inteligência artificial. Essa resolução diz que quem utilizar inteligência artificial deve deixar de maneira expressa que utilizou e o segundo ponto é que não deve ocorrer fraudes com a IA, atribuindo discursos inexistentes, por exemplo. Entendo que combater o uso da IA de maneira danosa será o maior desafio, hoje não possuímos meios de retirada imediata do conteúdo e punição imediata. Os tribunais superiores têm feito memorandos para que as próprias plataformas, antes de decisão judicial retirem o conteúdo”, afirmou o advogado.
No texto, o documento informa que, entre as novidades, estão a inclusão de um artigo que traz a obrigatoriedade de informar explicitamente a utilização de conteúdo fabricado ou manipulado em qualquer modalidade de propaganda eleitoral. O TSE considera manipulação a “criação ou a edição de conteúdo sintético que ultrapasse ajustes destinados à melhoria da qualidade do material”.
Estão incluídos nestas categorias imagens ou sons criados, substituídos, omitidos, mesclados, sobrepostos ou que tenham tido a velocidade alterada por meio de ferramentas tecnológicas, como a inteligência artificial. A minuta também prevê a necessidade de comunicar qual a tecnologia utilizada para conceber ou modificar o conteúdo.
Em caso de descumprimento o TSE informou que poderá ser aplicada a sanção prevista no §1º do artigo 323 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), que estabelece pena de detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa para quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos.
O artigo proíbe também a veiculação de conteúdo fabricado ou manipulado de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados com potencial de desequilibrar o pleito ou a integridade do processo eleitoral, inclusive na forma de impulsionamento. Quando notificado sobre a ilicitude, o provedor de aplicação de internet adotará providências para a devida apuração do caso e indisponibilização do material impulsionado.
TRE diz que Piauí está pronto para combater crimes com IA
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do PIauí até o mês de abril, o desembargador Erivan Lopes, demonstrou segurança de que o estado não terá dificuldades para combater eventuais crimes eleitorais gerados por IA.
“Creio que a justiça eleitoral tenha uma dinâmica muito mais rápida e muito mais eficiente, assim como enfrentamos o fenômeno da fake News, o TSE já se movimenta para enfrentar esse uso indevido da inteligência artificial na campanha eleitoral. Creio também que a nova gestão do TRE, que assumirá dia 08 de abril, vai ter esse mesmo desempenho que tivemos em relação a fake News”, afirmou.
Políticos mortos podem voltar à vida
Um outro elemento da Inteligência Artificial que vem sendo amplamente debatido entre os técnicos é a “ressuscitação” de personalidades que já faleceram. Recentemente a cantora Elis Regina foi trazida de volta a vida em um comercial de uma montadora de automóveis e contracenou juntamente com a filha, Maria Rita. A produção recebeu duras críticas, o conselho de ética do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) chegou a avaliar se a propaganda feria o código de ética do consumidor. O processo foi arquivado.
Dimmy Magalhães explica que por uma brecha e por falta de regulamentação, qualquer ex-prefeito ou político falecido poderia ser “ressuscitado” para pedir voto para um candidato em qualquer município.
“O grande problema dessas ferramentas é a popularização e o baixo custo. Para gerar uma notícia falsa custa mais ou menos três centavos de dólar, você divulga isso em um whatsapp e a informação irá se proliferar rapidamente. O acesso a tecnologia mais frágeis, com o custo de dez, doze dólares, você pode criar vídeos de qualquer pessoa, sendo vivo ou não. Isso pode ser feito para o bem ou para o mal. Pessoas falecidas não possuem personalidade jurídica, então não existe impedimento jurídico para essa área. A regulamentação ainda está evoluindo, mas tecnicamente é viável ressuscitar alguém para incluir no processo eleitoral”, afirmou.