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Piauí nunca elegeu uma mulher para mandato efetivo em 200 anos de senado

O Senado Federal completa 200 anos nesta segunda-feira (25), em dois séculos o Piauí é um dos únicos estados do Brasil que nunca elegeu uma mulher para um mandato efetivo no parlamento. Desde a redemocratização, em todas quinze eleições, membros de famílias políticas tradicionais se elegeram no estado. Veja a lista completa com todos os senadores da história do Piauí

Os dados foram apresentados em um balanço publicado pela Agência Brasil. Segundo o levantamento, em dois séculos de existência, o Senado Federal tem predominância de parlamentares homens e herdeiros políticos. Desde a redemocratização até a última eleição, cerca de dois em cada três senadores eleitos no Brasil vieram de famílias políticas. Além disso, nove de cada dez eleitos são homens. Apenas quatro mulheres negras foram eleitas para o Senado entre 1986 e 2022.

O Piauí ao lado do estado do Amapá, no norte do país, foram os únicos estados brasileiros que nunca elegeram uma mulher para um mandato efetivo. Apesar do cenário, três mulheres assumiram na última década um mandato como suplente na câmara alta. Regina Sousa (PT) assumiu como suplente de Wellington Dias, Eliane Nogueira, mãe do senador Ciro Nogueira, assumiu uma cadeira na última legislatura como suplente do filho e Jussara Lima, esposa do deputado federal Júlio César, também assumiu em 2022 como suplente de Wellington Dias.

Marcos Oliveira/Agência Senado
Plenário do senado federal

Hoje ocupam o mandato na câmara alta os senadores Marcelo Castro (MDB), Ciro Nogueira (PP) e Jussara Lima (PSD). O ministro Wellington Dias (PT) está licenciado e ocupa o Ministério do Desenvolvimento Social. O primeiro senador piauiense, ainda no período do Brasil Império, foi Luís José de Oliveira Mendes, o Barão de Monte Santo. Ele ocupou uma cadeira no senado da 1ª até a 8ª legislatura, por 26 anos, de 1826 a 1852. Após o Barão de Monte Santo, Luís José de Oliveira Mendes foi senador por quatro mandatos e João Lustosa da Cunha Paranaguá, o Marquês de Paranaguá encerrou o período do Brasil império com um mandato que durou 24 anos, de 1865 a 1889.

Após a criação da República destacou-se o senador Joaquim Ribeiro Gonçalves que ocupou dois mandatos de 1909 a 1921. Desde então mais seis senadores se elegeram para dois mandatos no estado, Matias Olimpo, em 1945 e 1954, Petrônio Portela em 1966 e 1974, Helvídio Nunes em 1970 e 1978, Hugo Napoleão em 1986 e 1994, Ciro Nogueira em 2010 e 2018 e completa a lista o Ministro Wellington Dias que se elegeu senador em 2010 e 2022.

Senadores são herdeiros históricos

Dos 407 mandatos disputados nesse período no Brasil, 274 deles, o equivalente a 67% dos cargos, foram ocupados por pessoas com vínculos familiares com políticos já eleitos. Com isso, os senadores acabam herdando o capital político da família e se elegem apoiados pelo sobrenome. Esse levantamento é parte da pesquisa do cientista político Robson Carvalho, doutorando da Universidade de Brasília (UnB).

“O que a gente tem na prática é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas para quem apoia aqueles grupos político-familiares e também tratam os gabinetes como se fossem a cozinha de suas casas”, destacou o especialista.

Leonardo Sá/Agência Senado
Fachada do senado federal em brasília

Além disso, das 407 vagas disputadas, 363 foram ocupadas por homens, o que representa 89% dos mandatos disputados nas urnas. Apenas 44 vagas foram ocupadas por mulheres. Já as mulheres negras foram apenas quatro: Marina Silva, eleita duas vezes pelo PT do Acre, Benedita da Silva (PT-RJ), Eliziane Gama (PSD-MA) e Fátima Cleide (PT/RO).

“São resultados indicativos da reprodução das desigualdades políticas e prejuízos ao recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero e raça; à edificação de uma democracia plural”, conclui o artigo do especialista, que foi apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho de 2023.

Para Robson Carvalho, a pesquisa mostra que o Senado é majoritariamente ocupado por famílias poderosas. “Parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é transmitido por hereditariedade e consanguinidade”. Segundo o analista, isso traz prejuízos à representação democrática do povo brasileiro.

“Grupos que lá também poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas, indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, dentre outros. Isto ocorre em detrimento do acesso, quase que exclusivo, de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias políticas”, afirma o artigo.

O cientista político Robson Carvalho destaca que o fenômeno do familismo político está presente em todos nos mais diversos partidos de todos o espectro político, da direita à esquerda, destacando que, nem por isso, deve ser naturalizado.

Entre os políticos que estiveram no Senado entre 1986 e 2022 com ajuda da herança política estão Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; Lobão Filho (MDB-MA), filho do ex-senador Edison Lobão; Renan Filho (MDB-AL), filho do atual senador Renan Calheiros; Ronaldo Caiado (União-GO), neto de Antônio Totó Ramos Caiado, ex-senador por Goiás na década de 1920; e Rogério Marinho (PL-RN), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho.

Outros parlamentares que entraram Senado no período e são de famílias de políticos eleitos são Flávio Dino (PSB-MA), Roberto Requião (MDB-PR), Flávio Arns (PSB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Romeu Tuma (PL-SP), Espiridião Amim (PP-SC), Jorginho Mello (PL-SC), Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), Otto Alencar (PSD-BA) e Davi Alcolumbre (União-AP).

Reprodução Agência Brasil
Perfil dos estados no senado federal

Todas as regiões

A pesquisa destaca que a herança política é uma realidade de todos os estados e de todas as regiões do país. “Não é uma característica só do Nordeste, como muita gente acha, ligada ao coronelismo lá na região”, destacou o doutorando.

No estado de São Paulo, por exemplo, dos 15 mandatos disputados para o Senado entre 1986 até 2022, nove foram de pessoas identificadas como de famílias-políticas. Mesmo número do Rio de Janeiro, o que representa 60% do total de mandatos disputados na urna.

No Paraná, 13 dos 15 senadores eleitos no período são de famílias políticas. O Rio Grande do Sul tem o menor percentual de eleitos com ajuda do capital político da família. Apenas 4 dos 15 mandatos foram ocupados com a ajuda da herança política das famílias no estado gaúcho, o que representa 26% do total. Dois estados aparecem com 100% de eleitos com vínculos político-familiares: Paraíba e Piauí.

Robson Carvalho destacou ainda que o fato de nascer em famílias com grande capital político já constitui uma vantagem, “tendo em vista a herança simbólica, o acesso a diversos capitais, que vão sendo construídos desde a infância, no espaço em que o agente se encontra posicionado”.

Mulheres no senado

Outro recorte da pesquisa é o de gênero, que mostra que o Senado foi, e ainda é, dominado por homens, que ocuparam 89% dos cargos disputados entre 1986 e 2022. Os estados do Amapá e Piauí, por exemplo, nunca elegeram uma senadora. Quem mais elegeu mulheres foram Mato Grosso do Sul (MS), com quatro mandatos: Marisa Serrano (PSDB), Simone Tebet (MDB), Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), sendo que apenas a última não possui vínculos político-familiares, de acordo com a pesquisa.

Os estados de Sergipe (SE) e do Rio Grande do Norte (RN) elegeram mulheres três vezes. No caso de Sergipe, foram três vezes a mesma mulher: Maria do Carmo Alves (DEM), marcada pela presença de capital político-familiar.

O Rio Grande do Norte elegeu três mulheres, duas com capital político-familiar, Rosalba Ciarlini (DEM) e Zenaide Maia (PROS) “respectivamente membro de longevas e entrelaçadas famílias políticas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do PT, professora, de origem popular e sem conexões com famílias políticas”.

“Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato, chegando a 13, seguido das regiões: Norte, com 12; Centro-Oeste, com 10; Sudeste com 5; e, por último, a região Sul, elegendo apenas quatro mulheres”, acrescenta o estudo.

Robson Carvalho conclui que essa realidade enfraquece a democracia brasileira. “Como é possível pensar em República sem representação de negros e mulheres que são a maioria da população, de índios que são os povos originários da nação e de cidadãos de origem popular que são a grande maioria dos brasileiros?”, questiona.

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