Tombar um bem, seja ele material ou imaterial, é garantir a preservação da história, da cultura e da memória de uma cidade. Ao reconhecer e proteger esses bens culturais, arquitetônicos e históricos, assegura-se que esse patrimônio não se perderá com o tempo, além de ser uma importante linha cronológica da evolução social, econômica e cultural de uma comunidade ao longo de diferentes períodos.
A proteção desses bens pode ocorrer a nível Municipal, Estadual e Federal. Teresina coleciona alguns patrimônios protegidos nessas esferas, apesar de ser uma quantidade muito pequena, quando se leva em consideração que a cidade tem 172 anos de fundação. A lista de bens tombados pelo município de Teresina, segundo documento do órgão, conta com nove nomes, incluindo edifícios históricos como a sede da Justiça Federal, o Armazém Paraíba e o Palácio da Cidade, além de locais de importância cultural como a Igrejinha de Nossa Senhora do Amparo e a Fundação Wall Ferraz.
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Já a nível estadual, essa lista aumenta para 19 bens, como o Cine Rex, o Clube dos Diários, o Museu do Piauí, o Palácio de Karnak e o Theatro 4 de Setembro. Em âmbito federal, Teresina conta apenas com quatro bens tombados e, em breve, mais um terá seu processo finalizando, chegando a cinco tombamentos feitos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão responsável por organizar a proteção histórica e artística do país, conforme o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.
Inventário mapeia bens e patrimônios no centro de Teresina
A importância do tombamento vai além da preservação física dos edifícios e monumentos. Ele contribui para a manutenção da identidade e do caráter único de uma cidade. O centro de Teresina ainda guarda um pouco da história de sua fundação por meio dos casarões que resistem ao tempo e à ação do homem e da modernidade. São imóveis antigos, com características do Século XIX e urbanismo colonial, que dividem espaço com prédios contemporâneos e fachadas modernas.
Um desses bens protegidos é a Casa Madalena, um imóvel construído no Século XX (1937), localizado no Centro de Teresina. A residência pertencia à Maria Madalena, proprietária já falecida. Abandonado, sem portas, janelas e teto, o imóvel já foi palco de uma intensa mobilização para evitar que fosse demolido. O local também foi morada de pessoas que vivem em situação de rua e, atualmente, um grande muro cinza com concertinas veda a entrada da casa, juntamente com um imenso adesivo afixado ao pequeno portão escrito “imóvel abandonado” descreve a situação da propriedade.
Essa é apenas uma das centenas de residências antigas localizadas no centro de Teresina, que compõem o Inventário da cidade, livro que traz os imóveis legalmente protegidos pelo município e visa resguardar essas edificações de valor histórico. Além de Teresina, outras quatro cidades do Piauí possuem o mapeamento de suas edificações com teor histórico de relevância: Parnaíba, Oeiras, Piracuruca e Amarantes.
Em geral, é possível fazer intervenções nesses imóveis que integram o inventário municipal, desde que o projeto seja previamente apresentado aos órgãos competentes de fiscalização e proteção, como a Secretaria Estadual de Cultura (Secult) e a Prefeitura de Teresina. Entretanto, nem todos buscam os empreendimentos realizam o trâmite corretamente e acabam derrubando ou fazendo intervenções que descaracterizam completamente o bem protegido.
“Na Avenida Frei Serafim, por exemplo, todos os imóveis são protegidos legalmente e muitas empresas enviaram os projetos antes de fazerem suas intervenções. São empresas que querem divulgar suas identidades visuais e tentamos entender isso, mas também consideramos os pontos que eles precisam manter. Porém, alguns não respeitam isso e acabam descaracterizando completamente o imóvel”, destaca Ismael Júnior.
Ao contrário do inventário, que é um levantamento dos bens com relevância histórico-cultural, o tombamento é um processo um pouco mais complexo e, por isso, é composto por uma equipe maior, com arquiteto, historiador, arqueólogo, advogado, entre outros profissionais, que farão o livro desse patrimônio, documento essencial para embasar qualquer intervenção que seja realizada. Nele há informações sobre o material utilizado na construção, o tipo de reboco, tintas e cores, entre outras diretrizes.
Centro histórico de Teresina, um patrimônio invisível
Engana-se quem pensa que Teresina não possui um centro histórico. Talvez, ele não esteja preservado e nem seja valorizado como deveria, mas, é nesse espaço, conhecido como ‘Tabuleiro de Xadrez’ que a cidade inicia. Teresina começa no entorno da Praça Saraiva, onde fica localizado o Marco Zero, na Igreja Nossa Senhora do Amparo, em frente à Praça da Bandeira. Ao lado fica o Museu do Piauí, que era a casa da fazenda da família Gaioso e Almendra.
“Toda essa extensão do Centro era uma fazendo particular, e eles [família Gaioso e Almendra] deram um pedaço da sua terra para criar a capital. A casa deles é onde fica o Museu do Piauí, mas lá também funcionou o Palácio do Governo. As residências do Centro de Teresina não têm documento, ou seja, as pessoas não têm a propriedade, mas, sim, a posse foreira, isso significa que esses imóveis são de propriedade legal de outra pessoa, como a União”, relembra o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Piauí (CAU-PI), Gerardo Fonseca.
Infelizmente, as iniciativas de preservação desses imóveis demorou a acontecer e muitos desses bens e espaços foram sendo perdidos, depredados e até completamente destruídos. Isso compromete não somente o registro físico, mas também apaga da memória dos teresinenses a cronologia de uma época.
“O ser humano é ligado pela história. Ele é criado e desenvolvido em cima de memórias afetivas, seja no que comemos, nas nossas relações e na sua convivência com a cidade, e é isso que faz com que ele se sinta acolhido. A sensação de pertencimento vem dos ícones que integram a cidade. Se tudo é destruído, não há esse sentimento de pertencimento. Teresina ficou conhecida por ser uma cidade jovem e, com isso, sem patrimônio. Mas isso não é verdade, temos tanto patrimônios antigos quanto novos, que já foram incorporados no consciente coletivo da cidade, como a Ponte Estaiada. Não temos um complexo que merece preservação, mas imóveis em determinados locais espalhados pela cidade”, enfatiza o arquiteto.
Bens tombados, a riqueza nos detalhes
Um dos bens tombados de Teresina mais conhecidos fica localizado na Igreja de São Benedito. A imponente edificação começou a ser construída em 1874 e levou 12 anos para ser concluída, em 1886. Mas, diferente do que muitos pensam, não é a igreja o patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Estado. O ícone de maior relevância são as portas de madeira.
As peças têm um valor inestimável para o Piauí, por conta do autor. Trata-se de Sebastião Mendes de Souza, um jovem negro responsável por entalhar as portas da igreja, única obra tombada pelo. À época, o artista foi bancado pelo imperador da província do Piauí para estudar na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro. “Ele trabalhava com entalhe, por isso o Piauí tem essa tradição. Começou com ele. Pelo valor inestimável das portas, a igreja também foi tombada, mas não por sua arquitetura ou pela técnica construtiva”, explica o Gerardo Fonseca, presidente do CAU-PI.
Ao retornar ao Estado, por volta de 1870, ele se apaixona por uma moça da elite teresinense. A família impediu que o romance acontecesse e, diante do desgosto amoroso, ele acabou se suicidando dentro da igreja. Ele entalhou as quatro primeiras portas da igreja, antes de tirar a própria vida, em 1886. As demais foram feitas por outros artistas, que continuaram com o trabalho de Sebastião, aplicando as técnicas do artista.
Outros patrimônios teresinenses tombados federalmente são: a Estação Ferroviária de Teresina, inaugurada em 1926; a Floresta Fóssil, que se trata de um sítio paleontológico às margens do Rio Poti, na área urbana da cidade; e a Ponte Metálica, inaugurada em 1939, sendo a primeira ponte a ser construída sobre o Rio Parnaíba.
Outro ícone que, em breve, será tombado em Teresina é a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, conhecida como Igreja da Vermelha. O Iphan iniciou o processo em 2011 e visa a proteção federal sobre o bem para evitar sua descaracterização. A Igreja de Nossa Senhora de Lourdes e seus bens integrados serão tombados em razão do seu elevado valor etnográfico, com suas obras de arte e processo construtivo. Com a conclusão do processo, o bem será inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do patrimônio cultural brasileiro.
Ismael Júnior, coordenador de Patrimônio Histórico do Estado do Piauí, destaca que a maioria dos prédios que integram os inventários são privados, o que exige dos órgãos de fiscalização um trabalho maior de conscientização e proteção.
“Muitos proprietários têm medo e preferem destruir por conta do alto custo. A gente entende que um imóvel de patrimônio tem gastos, mas existem alterações simples que podem ser feitas para manter o prédio adequado e servindo para comércio, já que infelizmente muitos desses imóveis não são mais usados como residência. O patrimônio é a chance que temos para transformar algo que a sociedade busca: o dinheiro. E isso pode acontecer através do turismo, trazendo as pessoas para cá. A preservação do patrimônio marca a linha cronológica de como a arquitetura evoluiu, da sociedade e de como as coisas mudaram, mas, se a gente destrói tudo, não vamos ver isso”, conclui.
Tombamento, um reconhecimento nacional
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é o órgão federal responsável pelo tombamento de bens materiais e imateriais. O Patrimônio Cultural é definido como um conjunto de bens móveis e imóveis do País, cuja conservação é de interesse público, seja por sua relação com fatos memoráveis da história, seja por seu valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Também podem ser tombados monumentos naturais, sítios e paisagens.
Teresinha Ferreira, superintendente do Iphan, comenta que o tombamento deve partir da vontade da sociedade. Para isso, é necessário encaminhar uma solicitação junto ao Iphan, no qual serão realizados estudos para avaliar a viabilidade desse bem. Após isso, é feito um trabalho de pesquisa, que conta com diversos profissionais, como historiadores, antropólogos, entre outros profissionais, sobre a importância desse bem, seja cultural, econômico, social, regional, etc.
“Quando esse bem é tombado, ele é reconhecido nacionalmente, ou seja, o que ele representa para a nação brasileira. O tombamento pode ser de bens materiais, imateriais (registro) e arqueológicos. Teresina foi muito descaracterizada e temos poucos bens tombados, apenas a Estação Ferroviária, a Floresta Fóssil, a Ponte Metálica, a Igreja de São Benedito e, em breve, a Igreja de Lourdes (Igreja da Vermelha), que está em processo de tombamento definitivo. Teresina é uma cidade relativamente nova, em relação à Parnaíba, por exemplo, que os gestores tiveram um olhar especial para essa parte”, comenta Teresinha Ferreira.
A superintendente do órgão destaca que o Iphan trabalha mediante provocação, uma vez que o tombamento refere-se ao pertencimento de um povo. Assim, qualquer alteração em um imóvel tombado deve receber o aval do Instituto, uma vez que o intuito primordial é manter as características arquitetônicas originais daquele prédio.
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