O advogado do Sintepi, Ramon Koelle, afirma que a entidade conseguiu provas de que houve fraude na ata da assembleia geral que autorizou a desestatização da distribuidora de energia piauiense. A reunião teria sido realizada na tarde do dia 21 de março deste ano, na cidade de Teresina.
Assinatura de Matheus Vieira de Almeida Ferreira está presente em ata de assembleia que teria ocorrido às 17 horas do dia 21 de março, mas sindicato conseguiu provas de que representante da Eletrobras estava no Rio de Janeiro no momento da reunião
Por meio de uma ordem judicial, o sindicato conseguiu ter acesso à relação de passageiros de um voo da companhia Gol Linhas Aéreas, na qual consta o nome de um representante da Eletrobras. Segundo o Sintepi, isso comprova que este representante estava no Rio de Janeiro, e não na capital piauiense, no horário em que a assembleia ocorreu. Mesmo assim, sua assinatura está presente na ata da reunião.
"Essa assembleia geral extraordinária foi realizada para aprovar a privatização da Eletrobras Piauí, a antiga Cepisa, e uma das assinaturas presentes na ata dessa reunião é a de Matheus Vieira de Almeida Ferreira, que é classificado no documento como representante da Eletrobras. Essa assembleia geral foi convocada e supostamente realizada às 17 horas do dia 21 de março deste ano, só que neste horário o senhor Matheus Vieira de Almeida estava no Rio de Janeiro. Nós conseguimos, através de uma ordem judicial da 9ª Vara Cível da Comarca de Teresina, que a empresa Gol apresentasse a lista de passageiros de um voo do dia 21 de março de 2018, quando supostamente aconteceu a assembleia a que se refere a ata. E nessa lista [de passageiros] consta que o senhor Matheus Vieira, representante da Eletrobras, embarcou às 13h10 com destino ao Rio de Janeiro, chegando àquela cidade às 16h05, enquanto a reunião ocorreu às 17 horas. Ou seja, esta ata está fraudada. Existe um documento fraudado", afirmou o advogado Ramon Koelle.
O advogado Ramon Koelle, do Sindicato dos Urbanitários do Piauí (Foto: Cícero Portela / O DIA)
O assessor jurídico do Sintepi trouxe à reportagem do portal O DIA uma cópia da lista de passageiros, por meio da qual é possível constatar, de fato, que o nome de Matheus Ferreira está entre os passageiros do voo G3-2005, que partiu do Aeroporto Petrônio Portella às 13h10 e chegou às 16h05 ao Aeroporto Internacional do Galeão - Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, quase uma hora antes do horário em que supostamente a assembleia geral ocorreu - 17 horas de 21 de março.
O Sindicato dos Urbanitários do Piauí denuncia, ainda, que já foram identificadas várias irregularidades no processo de desestatização da Eletrobras Piauí e das outras cinco distribuidoras da holding, nos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Alagoas.
"O processo de privatização da Eletrobras desde o princípio é marcado por uma série de problemas e fraudes como esta. Afinal, é um documento evidentemente fraudado, e isso vai ser levado ao Judiciário, porque nós temos uma prova cabal de que houve uma fraude na ata da assembleia geral extraordinária que aprovou a privatização da Cepisa", afirma o advogado do Sintepi.
A entidade sindical também critica o Governo Federal por estar conduzindo o processo de desestatização de forma arbitrária, sem ouvir a população, os empregados das distribuidoras e demais integrantes da sociedade civil organizada que possam ter interesse no procedimento.
"Há um açodamento, uma pressa do Governo em levar a cabo o projeto de privatização do sistema elétrico, da Eletrobras e das distribuidoras de energia elétrica. Não houve diálogo com a população. Houve a supressão de audiências públicas e a realização de audiências que foram verdadeiros simulacros. Casos em que eles agendaram audiências sem fazer a devida divulgação da data e do local dessas reuniões. E isso aconteceu em vários estados. Foram ajuizadas ações questionando essa falta de transparência do Governo, essa falta de publicidade para uma série de atos", acrescenta Ramon Koelle.
O Sintepi considera que o Palácio do Planalto tem pressa em realizar a venda da Eletrobras porque "esta pauta de privatizações não foi aprovada na última eleição, e não será aprovada na próxima eleição".
O sindicato também destaca o valor "ridículo" - R$ 50 mil - que está sendo pedido pelo Governo Federal para repassar o controle sobre as distribuidoras de energia para a iniciativa privada.
"É importante que todos saibam que a Cepisa, a Ceron, a Amazonas Energia, a Eletroacre, a Boa Vista Energia e a Ceal são empresas estruturadas, cada uma com sua peculiaridade, e todas elas estão sendo vendidas pelo mesmo preço, de R$ 50 mil. São R$ 50 mil, não são R$ 50 milhões. Com o preço de um carro popular você consegue comprar uma distribuidora de energia do norte e do nordeste do nosso Brasil. Então, é um verdadeiro escândalo a forma como está sendo feita essa privatização, e isso se reflete na pressa do Governo, a ponto de fraudar uma ata da Cepisa, para tentar, o mais rápido possível, avançar com esse processo anti-popular, que não é nem um pouco democrático, que não dialoga com a população", afirma Koelle.
Regras rígidas da Aneel para distribuidoras públicas são flexibilizadas para a iniciativa privada
O diretor jurídico do Sintepi, Francisco Marques, afirma que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não trata de forma isonômica as distribuidoras de energia do setor público e aquelas que já estão sob o controle da iniciativa privada.
Enquanto para as empresas do setor público são impostas metas e regras rígidas, com a previsão de punições pesadas em caso de descumprimento, para as empresas privadas são exigidas metas de gestão bem mais fáceis de serem atingidas. E esta seria a principal razão pela qual a Eletrobras Piauí e outras distribuidoras públicas aparecem em posições ruins nos rankings de qualidade dos serviços.
O Sintepi argumenta, ainda, que a imposição dessas regras mais severas é uma das principais razões para o acúmulo de dívidas milionárias por parte das distribuidoras da holding Eletrobras.
O sindicato denuncia que o Governo Federal vem trabalhando há anos para deixar as empresas públicas do setor de energia nesta situação periclitante, justamente para justificar a privatização das companhias.
"Existem muitas coisas nessas empresas que podem ser melhoradas. Mas isso pode ser feito sob a gestão pública, que, inclusive, deve estar sempre sob constante vigilância do Ministério Público e do povo, de uma forma geral. Então, não há dúvidas de que essas empresas [distribuidoras da Eletrobras] possuem equívocos que devem ser saneados. O que não é admissível é que elas sejam entregues de bandeja para a iniciativa privada. Essas empresas são estratégicas para o desenvolvimento dos estados. Elas são responsáveis por projetos que levam energia elétrica aos pequenos agricultores, aos pequenos assentamentos, às comunidades rurais, aos locais menos favorecidos nas cidades. Então, você entregar essa importante ferramenta de desenvolvimento nacional para a iniciativa privada porque ela possui erros e você se negar a sanar esses erros enquanto elas estão nas mãos do Estado é que é o problema", acrescenta o advogado do sindicato.
Koelle cita a Petrobras como exemplo de empresa pública que mesmo enfrentando graves problemas consegue obter ótimos resultados e se mantém na vanguarda do setor exploração de petróleo.
"Há uma série de exemplos de que empresas podem ser extremamente eficientes sob as mãos do Estado. A Petrobras, mesmo com todos os problemas que teve por conta do esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato, ainda assim é a empresa que possui a maior capacidade tecnológica para encontrar petróleo em águas profundas, em locais não acessados. O que não foi conseguido por outras gigantes do setor de petróleo da iniciativa privada, como a ExxonMobil e a Chevron. O fato de empresas estatais que manuseiam recursos naturais tão importantes possuírem problemas não significa que devemos nos livrar delas, porque elas são ferramentas importantíssimas para o desenvolvimento do nosso país", pondera o advogado Ramon Koelle.
Sindicato suspeita que integrantes do Governo tenham recebido propinas para garantir privatizações
O Sintepi vai além, e diz suspeitar que alguns dos homens mais poderosos do país podem estar recebendo propinas para facilitar a venda da Eletrobras e de suas distribuidoras de energia para multinacionais do setor.
"Falta o interesse do Governo Federal de possuir ativos estratégicos para o desenvolvimento nacional. Na verdade, eu diria que há um interesse do Governo Federal com o capital estrangeiro e com o grande capital nacional, que é extremamente entreguista, e pouco liga para o desenvolvimento nacional. Eu ouso dizer que, certamente, os atuais governantes do Palácio do Planalto hão de receber gordas gorjetas pelo processo de privatização", conclui o advogado do Sintepi.
Outro lado
O DIA entrou em contato com a Eletrobras Piauí, que, por meio de sua assessoria, informou que não irá se manifestar a respeito da denúncia ou sobre qualquer questão relacionada ao processo de privatização. Segundo a Eletrobras-PI, o BNDES e o próprio Ministério de Minas e Energia são as instituições competentes para falar a respeito da questão.
O BNDES, por sua vez, informou ser apenas responsável por dar o apoio técnico necessário à Eletrobras e ao ministério no processo de desestatização. E, portanto, não tem a atribuição de responder a esse tipo de demanda.
Por fim, a reportagem entrou em contato com o ministério, que solicitou que o pedido de esclarecimentos fosse enviado por e-mail. A resposta, contudo, não foi enviada ao portal O DIA.