Causou-me surpresa a declaração do Ministro da Economia na última sexta-feira, em evento na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. Na oportunidade, o Ministro comparou o funcionalismo público a um “parasita”, e estendeu sua análise, ao estabelecer relação direta entre o dito “parasita” e o seu “hospedeiro” (Estado).
Perpetrar tal afirmação demonstra desconhecimento dos princípios básicos da gestão pública, não só teóricos, como também empíricos. Segundo palavras do Ministro, transcritas ipsis litteris: “... o governo está quebrado, gasta 90% da receita toda com salário ...”.
Ora, não nos esqueçamos que na condição de Ministro da Economia o Sr. Paulo Guedes também é um funcionário público. Ele trabalha e exerce uma função pública, devendo, no mínimo, respeitar os seus colegas de profissão. Este artigo tem o propósito de demonstrar, com números e evidências, o tremendo erro cometido pelo Ministro, além de desmistificar algumas falsas “verdades” frequentemente profanadas acerca da gestão pública.
Neste contexto, gostaria de analisar, mesmo que de forma sucinta, a eficácia e a eficiência do Estado brasileiro. A afirmativa de que “O Estado Brasileiro é caro e ineficiente” – não está correta, essa afirmação não corresponde aos fatos e evidências. No caso dos servidores federais, o quantitativo total em 2018 (655 mil) é inferior ao quantitativo observado em 1991 (662 mil). Não obstante, foram ampliadas as competências e áreas de atuação do Estado, traduzidas por maior acesso e cobertura da população por todas as
políticas públicas de âmbito federal. Adicionalmente, no período compreendido entre 2004 e 2017, a despesa com servidores federais ativos manteve-se praticamente estável, oscilando de 2,6% para 2,7% como proporção do PIB (algo em torno de R$ 186 bilhões a valores correntes). Nesse mesmo interregno, a população brasileira saltou de 185 para 209 milhões de habitantes (crescimento de 13%).
Observa-se crescimento no número de servidores apenas na esfera municipal, enquanto nas esferas estadual e federal verifica-se estabilidade no quadro de pessoal. Tal fenômeno é reflexo da expansão do emprego (concursos) nos municípios, intensificado com a promulgação da Constituição de 1988, promovendo, a partir daí, uma ampla e contínua descentralização dos serviços básicos (educação e saúde principalmente).
O verdadeiro desafio da gestão pública concentra-se muito mais na eficácia, isto é, fazer a coisa certa, que por sua vez guarda estreita relação com a estabilidade política, a manutenção e o contínuo aperfeiçoamento da administração pública. Nesse quesito, necessita-se inserir na agenda política dos três níveis de governo, em caráter permanente, a continuidade e a disseminação das políticas públicas exitosas, transformando-as em “Políticas de Estado” (diferenciando-se das “Políticas de Governo” que costumam se renovar a cada pleito eleitoral). Vale ressaltar que existem imensas diferenças qualitativas entre as funções de natureza pública (cuja razão última é sócio-política) e as de motivação privada (cuja razão última é de índole econômica, facilmente mensurável quantitativamente). Nesse sentido, as propostas liberais, pautadas pelo mantra “fazer mais com menos”, originário do movimento neogerencialista dos anos 90, tornam-se incompatíveis com a essência pública do Estado e suas necessidades de planejamento, gestão e administração. Grande parte dos problemas brasileiros relaciona-se muito mais com a ausência ou precariedade do Planejamento Público (e não da “Gestão” pura e simples!), planejamento aqui entendido como um processo tecnopolítico necessário e orientado para uma maior e melhor capacidade de governar.
Mesmo considerando o total do gasto com pessoal da União (R$ 345 bilhões) e o Orçamento Fiscal para 2020 (R$ 1.434 bilhões), isto é, a despesa com pessoal representa 24% do Orçamento Fiscal, refutando portanto a afirmação do Ministro. Todos os números citados nesse artigo foram extraídos do portal da transparência (Controladoria Geral da União) e do site do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), por sinal uma fundação pública vinculada ao Ministério da Economia.