– Sim, claro que pode!
Respondeu a mãe à outra mãe que convidava a menina para dormir na casa da amiguinha. Voltavam de um passeio que começara no início da tarde, lá pelas 18h se deu o diálogo ao telefone. Quem tem filhos em idade escolar costuma estar com frequência em um ou outro lado desta pergunta.
A mãe da convidada aproveitou então o restinho do dia para emendar um cinema. Assistia ainda aos créditos quando recebeu a mensagem da filha:
– Mãe, tenho lição pra fazer. Não preciso mesmo voltar pra casa?
Talvez não seja nem preciso dizer que era a primeira semana de aula (que lição?) e que a menina estuda à tarde e poderia perfeitamente completar suas tarefas na manhã seguinte. Pois quem tem filhos em idade escolar costuma estar em outro lado desta pergunta. A mãe, automaticamente, leu nas onze palavrinha da mensagem, uma outra que estava ali escondida e que provavelmente dizia:
– Mãe, minha amiga quer que eu durma aqui e eu não sei dizer que não quero. Socorro!
Duas questões se apresentam neste breve recorte de vida. 1. Por que é tão difícil dizer não? Por que dá medo? Medo de quê? 2. O que faz a mãe acreditar que o pedido já configura uma aceitação da filha? Como se mãe e filha fossem uma só pessoa. Como se o poder estivesse sempre sobreposto ao querer. O convite pressupõe duas camadas (a criança está autorizada a + a criança está com vontade de).
O recorte nos serve também para pensar os convites que a vida adulta nos faz. Das festa, às propostas de trabalho, das horas extras ao happy hour, das configurações de um novo relacionamento às relações já estabelecidas. O não pode mesmo ser difícil (e é muitas vezes), mas está na prateleira ao lado do sim. Lembre-se de usá-lo quando for preciso. Ou melhor, quando for de sua vontade (olha esse 'ser preciso' nos assombrando de novo!). E quando ele – o não – teimar por não sair de primeira, seja você mesmo a sua mãe, saia do cinema carregando a pipoca antes do filme começar, e corra para se buscar onde quer que você esteja. Há de haver alguma lição em casa para fazer. Nem que seja escrever quantas vezes couberem no seu caderninho mental: não, obrigada.
A imagem que ilustra este post é de Lopéz García