O governador
prorrogou o decreto que determina o fechamento de estabelecimentos industriais,
comerciais e de serviços não-essenciais até 21 de maio; as escolas até 31 de
julho. Há muita insegurança sobre prazos, por falta de melhor conhecimento
cientifico da covid-19 e por imprevisibilidade do comportamento social das
pessoas. Deverá haver uma fase de transição. Mas é quase certo que em 2021 já
teremos atravessado o “tempo da pandemia”.
Que impacto terá tido essa experiência que mexe com a vida de todo mundo? Terá mexido com a cabeça também?
Ficou demonstrada a necessidade da presença do Estado numa sociedade de assalariados ou autônomos onde predomina a troca mercantil e não a autoprodução e o autoconsumo. Serviços públicos e seguridade social são fundamentais para a sobrevivência e a vida digna das pessoas. Pensaremos a estrutura tributária para além do ajuste fiscal? Creio que sim, pelo menos em parte. Teremos que refazer a reforma da Previdência não para voltar a velhas fórmulas, mas para combinar previdência pública básica (renda mínima a la Suplicy), a baseada no regime de repartição (contribuição com piso e teto), a previdência complementar (paga pelo trabalhador e empregador) e os planos de capitalização de iniciativa (e condição financeira) individual.
A Saúde tem tudo para capitalizar de modo permanente os investimentos que estão sendo feitos na crise. O teste decisivo é a descentralização de equipamentos para os hospitais regionais. A revalorização e atualização do SUS encontrará resistências. O lobby de planos de saúde e da rede privada é forte. Mas se a população for suficientemente esclarecida e mobilizada, o clima será favorável a Mais Saúde.
Estou preocupado com a Educação. As medidas adotadas são de ordem tática; não percebo uma visão estratégica. A rede privada que já vem avançando no uso da informática e da educação à distância vai continuar nesse caminho. Mas no “sufoco” está pensando em folha de pagamento e mensalidade; para sobreviver, é certo. Mas acredito que no pós-pandemia terá condições de voltar a pensar estrategicamente.
A educação pública está buscando respostas, mas as condições e o clima institucional, sobretudo o envolvimento dos professores, não ajuda. Saídas emergenciais e que não conseguem responder a toda a rede, pela extrema desigualdade social entre os alunos. Era bom se inspirar na área da saúde. Fazer um investimento maciço de equipamentos da informática-internet nas escolas, com rapidez para uso ainda na situação de emergência e para ficarem permanentemente incorporados no patrimônio e na prática do maior número possível de escolas. E no pós-pandemia é imprescindível pensar um robusto programa de capacitação dos professores para aprender a conviver com a era da telemática. Como na Previdência, na Educação o caminho é a combinação de várias “formas” de educação - presencial e à distância, tele-aulas e uso de plataformas, computador e celular, estudo individual, em grupo e em sala de aula, atividades na escola e parcerias, etc., etc.
E a Economia? A previsão é que o PIB no mundo e no Brasil caia esse ano em torno de 10%, com pequenas variações entre os países. Como já vivíamos no Brasil uma crise de baixo crescimento e alto desemprego, a retomada será a volta ao nível anterior, que não era satisfatório. A privatização tão decantada apenas faz o patrimônio mudar de mão, não representa impulso ao desenvolvimento. O caminho é o investimento novo, combinando capital público e privado, nacional e estrangeiro, pequeno, médio e grande. Quando a China abriu as portas para as grandes empresas multinacionais de matriz americana ou europeia não foi pela privatização. Foi pelas jointventures entre empresas estrangeiras e chinesas estatais ou privadas que emergiam. Isso é também transferência de tecnologia. Será um caminho fecundo para o Brasil.
A situação se complica mais porque a superação da crise sanitária não significa a superação da crise múltipla, e por isso prolongada, que estamos enfrentando no país desde 2015: crise econômica, política, institucional, ética. A crise exige opções corajosas que só serão feitas se consensos amplos forem construídos.
Os mesmos elementos ou atores que, em nossa história, sempre geraram crises no Brasil continuam em jogo: peso da herança histórica do colonialismo (estado forte e sociedade fraca) e da escravidão (preconceito e exclusão), tutela dos militares, debilidade econômica e ideológica das elites para construir um Projeto Nacional, política fisiologista e clientelista tradicional, elitismo e moralismo da classe média, etc. A ideologia desenvolvimentista, que definia os marcos do embate entre esses diferentes elementos, se debilitou. O Neoliberalismo se impõe pela “correnteza internacional da globalização”, mas não cria um consenso mobilizador.
A Esquerda, que sempre fez parte do pacto desenvolvimentista, tentou lhe dar um perfil social-desenvolvimentista. Avançou, mas entrou em crise profunda justamente porque não conseguiu “interagir com hegemonia” com todas essas forças.
Hoje, como nos anos 1930, está crescendo uma Direita ideológica, em confronto com “o Sistema” e com a Esquerda, agredindo-a, desqualificando-a e denunciando-a com “tradicional-corrupta”. No exercício do governo, essa Direita está tendo as mesmas dificuldades de interagir com as diferentes forças em presença. O namoro com o Neoliberalismo virou noivado, mas as decepções começam a aparecer. Agora é ensaiado um namoro com o lado oportunista da política clientelista tradicional. Mas o bolsonarismo insiste em apelar a soluções autoritárias para enquadrar a todos os elementos em tensão. Tenta envolver mais ainda os militares. Em sua estratégia, alimenta a polarização. Ora, polarização não rima com consenso, com Projeto Nacional. É o ovo as serpente Ditadura.
A polarização fanatiza as pessoas. E os fanáticos têm a ilusão de sabe, de já ter a resposta; não aprendem. Vamos torcer para a maioria possa tirar boas lições da crise. Senão, vamos sair dela e as coisas voltam ao “velho normal”, e não a um “novo normal”.