Hoje ele mora em Porto Alegre, mas já viveu em Turim e
Madri. Assim como Fabio Cannavaro e Zinedine Zidane, jogadores que faturaram Bola de Ouro, o
ex-volante Emerson se destacou pelo Juventus e, depois, foi para o Real
Madrid, justamente no último perÃÂodo de ouro da Velha Senhora, antes do escândalo de manipulação de resultados conhecido como "Calciopoli". Aposentado dos
gramados, o ex-capitão da seleção brasileira segue acompanhando os antigos clubes,
com um olhar bem diferente dos boleiros tradicionais. Em longa entrevista ao
GloboEsporte.com, ele falou de craques, polÃÂticas, polêmicas, semelhanças e diferenças dos rivais, que duelam nesta quarta-feira por uma vaga na grande final
da Liga dos Campeões (confira o duelo de 2003 no vÃÂdeo acima).
- O Real Madrid adquiriu um status... O marketing do Real
Madrid é muito bem feito. O Juventus prefere construir equipes. Os
profissionais trabalham concentrados em construir uma equipe forte. Não vão pegar
o Cristiano Ronaldo, o melhor do mundo. Precisariam gastar muito dinheiro para
isso. Além da qualidade, o Real faz isso para ficar conhecido - disse o ex-volante, em entrevista por telefone, ao explicar as diferenças nas polÃÂticas de contratação dos dois clubes.
Entre Juve e Real, Emerson jogou com alguns dos maiores nomes do futebol neste século. Buffon, Ibrahimovic, Del Piero, Nedved, Vieira, Thuram, Cannavaro pela Velha Senhora; Casillas, Sergio Ramos, Raúl, Ronaldo, Van Nistelrooy e Beckham do lado merengue. Curiosamente, os dois goleiros seguem nas metas de suas respectivas equipes até hoje, e o ex-volante, que fez a seleção de craques que jogaram ao seu lado nessas equipes (veja mais abaixo), não ficou em cima do muro.
- Vou ser sincero: não tem comparação. Buffon está anos-luz
àfrente do Casillas. Se tiver que escolher, vou no Buffon sempre - explicou Emerson.
Emerson foi levado ao Juventus em 2004, através de um pedido do treinador
Fabio Capello, com que trabalhara no Roma. A chegada do volante
brasileiro a Turim aconteceu pouco depois da última participação do clube em
uma semifinal de Champions, em 2003, contra ninguém menos que o Real Madrid. Na
ocasião, a Velha Senhora derrotou o time de galácticos, mas em seguida perdeu a
final para o Milan. Dois anos depois, o confronto voltaria a acontecer, com
Emerson vestindo a camisa alvinegra, e os italianos também levaram a melhor (veja
mais no infográfico ao lado).
O encontro, aliás, foi recorrente nas últimas duas décadas, perÃÂodo em que a equipe italiana leva pequena vantagem. Algo que a Velha Senhora terá na próxima quarta-feira, graças ao triunfo por 2 a 1 no jogo de ida das semifinais, em Turim. O problema, mesmo com direito ao empate, será a volta, no Santiago Bernabéu, e o volante nem se arrisca a dar palpite.
- Eu achei que seria mais difÃÂcil para o Juventus, em
função dos jogadores do Real. Fez um bom jogo, mas terá muitas dificuldades na
volta, no Bernabéu. Eu já tive essa experiência. Já tiramos o Real, perdendo
fora e ganhando em casa, foi muito difÃÂcil. Lá, a torcida vai lotar como sempre
fez. É um estádio muito particular. Só que o Juventus é muito grande, a maioria
não vai se assustar de estar no Bernabéu. É difÃÂcil dar um palpite, vai depender
dos 20 primeiros minutos. Ver como Real e Juventus vão se comportar neste
perÃÂodo.
O mesmo Capello que levou o volante para Turim o chamou
para o Real Madrid, em 2006, após o escândalo de manipulação de resultados que
rebaixou a Velha Senhora naquele ano. Era um momento em que a equipe merengue
se desfazia da era galáctica de Florentino Peréz, com as saÃÂdas de Zidane e
Ronaldo (esse na janela de inverno), para nova outra polÃÂtica com Ramón
Calderón.
- No Real, depende muito de quem assume (a presidência). Na minha época, o presidente não era o
Florentino. Quando ele saiu, assumiu o Calderón com outra polÃÂtica. Queria um
treinador competitivo, o Capelo, que levou três ou quatro jogadores de sua
confiança e montou o time. Depois saiu o Zidane... Tinha uma equipe forte. Essa
foi a polÃÂtica do presidente que estava no momento. É um pensamento diferente do
Florentino. Ele quer pegar os principais jogadores dos paÃÂses para jogar - comentou Emerson, atualmente dono do Fragata FC, clube de formação de atletas em Pelotas.
O ex-volante, que jogou as Copas de 1998 e 2006 (e foi cortado de 2006 por lesão), ainda exaltou Buffon diante de Casillas, (seus ex-companheiros de Juve e Real, respectivamente), usou a diferença entre Tévez x Cristiano Ronaldo para comparar os dois times, disse que Ronaldo Fenômeno foi o maior que viu jogar e ainda formou uma seleção só de atletas que jogaram ao seu lado nas duas equipes. Veja abaixo outros momentos da entrevista:
O clube Real Madrid x o clube Juventus
- Em termos de status, depois que eu parei de jogar, eu
vejo a importância do Real Madrid. Para o cara se sentir jogador, tem que
passar por lá. É impressionante o status. Só me senti jogador quando vesti a
camisa do Real. Ali percebi que faço parte da história ao passar pela história.
O que é jogar no Real Madrid. O mundo sabe da sua vida. Tudo é notÃÂcia. O
Juventus é isso na Itália também, até pelos tÃÂtulos e história. Tem esse
status, mas é muito mais reservado. Dá mais proteção aos atletas e
funcionários. No Real Madrid, o jogador está exposto a todo o momento. Os
jogadores se cuidam, mas não há um cuidado. O clube não é de se meter muito e cada
um tem sua maneira de ser. No Juventus, tem que cumprir uma certa linha. O
jogador chega lá e tem que ter uma postura. São dois clubes com mentalidades
distintas.
Modo Juventus de fazer negócio
- O Juventus vai comprar um Pogba e fazer com que ele
seja vendido para o Real Madrid ou para o Barcelona. Não vai comprar deles, a
menos que esteja em fim de contrato. A questão é da transferência. O clube não
se envolve com o leilão no futebol e entende que, se faz uma oferta, os clubes
vão se aproveitar disso. Só vai comprar um jogador por um preço dentro do
mercado.
O maior craque com quem jogou nas duas equipes
- Foi o Ronaldo. Não é àtoa foi chamado de Fenômeno. DifÃÂcil
explicar o que ele fazia. O cara nascer com esse dom e ainda juntou força
fÃÂsica com capacidade de finalização. Tinha muita qualidade. É um a cada dez
milhões. Joguei contra o Zidane. O Zidane é o Zidane, mas o Ronaldo está acima
disso. O Ronaldo está dez degraus acima de qualquer um. É minha opinião. Como
companheiro de seleção e clube, vi o Ronaldo fazer coisas de outro mundo.ÂÂ
A seleção de companheiros nas duas equipes (sem Ronaldo)
 A polÃÂtica financeira do Juventus
- É uma questão polÃÂtica no Juventus, que tem um processo de captação
muito bom. O time conta com profissionais que monitoram certos jogadores por
muito tempo. AÃÂ, eles esperam os contratos acabarem, principalmente quando se
pensa em nomes importantes. Preferem pagar um alto salário do que comprar caro
a ainda pagar um alto salário. Você vê a questão do Tévez, que saiu barato. O
Juve faz isso há muito tempo: espera o tempo certo para fazer a proposta. É um
clube muito organizado, não atrasa salário.ÂÂ
A polÃÂtica financeira do Real Madrid
- O Real aposta muito na base, sempre tem um ou outro jogador saindo da
base. Fazem bons negócios. O Juve é o contrário do Real, que tem um
presidente multimilionário (Florentino Pérez) que não quer perder tempo. Pega jogadores
que se destacam após competições importantes, como uma Copa do Mundo ou
Champions. Ele pensa que o clube vai ganhar assim, é a polÃÂtica do Real,
que muitas vezes exagera em valores. Principalmente porque tratam-se de seres
humanos, que se machucam. Agora vive uma fase turbulenta. É uma equipe que está
muito bem e ganha tudo ou tem dificuldades. É muito diferente lidar com
jogadores com nome. O presidente não tem essa preocupação.
 Tévez x CR7
- Se for comparar Tévez e Cristiano Ronaldo, quem é mais
conhecido? O Tévez é conhecido, mas o Ronaldo abrange muito mais. Então quem
ganha com isso? O Real vende mais camisas no mundo que o Juve e adquire esse
status. O Juventus se preocupa mais com o que o jogador faz em campo. Quantas
propagandas faz o Tévez e o Ronaldo? O Ronaldo tem mais de 50. Hoje não vê mais
o Ronaldo com a camisa do Manchester, vê a camisa do Real.ÂÂ
Buffon x Casillas
- Vou ser sincero: não tem comparação. Buffon está anos-luz
àfrente do Casillas. Se tiver que escolher, vou no Buffon sempre. Acho o
Casillas bom debaixo das traves. Mesmo não sendo um goleiro grande, tem
facilidade debaixo das traves, mas encontra dificuldades em bolas alçadas. O
Buffon não tem defeito, é completo. Não sei hoje, até porque ele não vai
melhorar por conta da idade, a questão de jogar com os pés. Mas ele está lá
para defender.ÂÂ
Os "equivalentes" no Brasil
- Comparações assim são difÃÂceis. Corinthians e Flamengo
são os mais badalados do Brasil, viram notÃÂcia diariamente e têm mais jogos transmitidos
na TV. Isso muito por conta da torcida. O Corinthians mais, e o Flamengo menos,
seria como o Real. O São Paulo me parece mais discreto. Não conheço a fundo,
mas é o que me passa. É o clube que vai pegar um desconhecido no interior que
vai virar importante e será vendido. Tem um pouco dessa cultura do Juventus.
Claro que não dá para falar em valores. Os clubes daqui e de lá são muito
distintos.ÂÂ
Do Roma àVelha Senhora
- Eu me lembro... O que aconteceu na época foi que o Roma
tinha um acordo com o Real. Não queria me vender para o Juventus, até pela
rivalidade da Itália. Só que o que acontecia. O Real ofereceu um valor muito
alto para o Roma e queria me contratar junto com o Totti. Só que não modificava
muito o meu contrato. Eles tinham um acordo com o Roma, no qual pagariam
valores altÃÂssimos pelos dois. Eu não concordei e decidi permanecer no Roma,
com quem eu tinha contrato. Depois, apareceu a proposta do Juventus e acabei
indo. A proposta foi boa para mim e para o clube.
Da Velha Senhora ao Real
- Para o Real, tanto a minha contratação quanto a do
Cannavaro foram pedidos do Capello. Ele ainda tentou outros jogadores,
como o Ibrahimovic. Quando não conseguiu o Ibra, buscou o Van
Nistelrooy. Aquele time já tinha uma base. O Raul, por exemplo, acabou
ficando e foi administrado de uma maneira diferente em relação ao perÃÂodo dos
galácticos. Acabou ganhando o titulo espanhol. Pela mentalidade do Real, as
pessoas não gostavam do time. Os torcedores não ficavam contentes de vencer de
um ou dois. Queriam espetáculo. É uma questão cultural que tem o
Real, e o Florentino representa bem isso.
 Passagem pelo Real
- Os primeiros seis meses não foram bons. Saàde um
futebol, de uma cultura, e, quando eu me deparei com o futebol espanhol, vi que
tinha um pouco de dificuldade. Eu me adaptei ao estilo espanhol e fiz um bom
segundo semestre. Estávamos 10 pontos atrás do Barcelona e conseguimos uma reação
inédita. Foram jogos que entraram para a história. Houve ainda a saÃÂda do
Capello, mesmo ganhando a competição. Então fui chamado pelo Ancelotti para
jogar no Milan, acabamos conversando no hotel. O Milan tinha vários brasileiros...
Era difÃÂcil dizer não. Eu não conhecia o Bernd Schuster (treinador contratado
pelo Real Madrid na ocasião). Receber um convite de uma equipe como o Milan é irrecusável.
Foi gratificante vestir essa camisa.
Escândalo na Itália
- Vou ser bem sincero. Até hoje não sei a real situação das
coisas que aconteceram. O diretor principal do Juventus (Luciano Moggi) foi
suspenso do futebol, acho que até hoje. A federação italiana tirou os tÃÂtulos,
mas eu me sinto campeão. Nós tÃÂnhamos um trabalho, treinávamos todos os dias
para jogar no domingo. Se houve algo de arbitragem, nunca ficamos sabendo
disso. O projeto da Juventus era o seguinte, a longo prazo: se consolidar no
Campeonato italiano e depois fosse buscar a Champions. Mas não conseguimos dar
sequência. O clube teve que se desfazer de alguns jogadores, que tinham mercado
e não iriam jogar a segunda divisão. Para mim, até hoje isso não está claro.