Portal O Dia

O legado da gestão Dr. Pessoa: O que fica e o que faltou para a cidade

Em 2020, Dr. Pessoa, pelo MDB, foi eleito prefeito de Teresina no segundo turno das eleições, saindo vencedor contra o candidato do ex-prefeito Firmino Filho, Kleber Montezuma (PSDB), com 62,31% de maioria nas urnas. Dr. Pessoa teve um mandato marcado por crises políticas, na saúde, no transporte, na administração pública, na assistência social e em diversas outras áreas. Apesar disso, ganhou destaque pelos memes criados com suas frases e danças em inaugurações, reuniões e atividades à frente do Palácio da Cidade.

Assis Fernandes/ODIA
Dr. Pessoa, prefeito por Teresina

Em 2024, o prefeito tentou a reeleição. Diferente do cenário de sua eleição, Dr. Pessoa enfrentou uma enorme rejeição da população teresinense. Em pesquisa da Quaest, realizada em setembro deste ano, o prefeito registrou 84% de rejeição. Esse dado refletiu em seu desempenho final na eleição, marcada por mais danças, uma cabeçada em um candidato opositor durante um debate e muitas falas desconexas, refletindo sua trajetória à frente do Palácio da Cidade. Como resultado, obteve apenas 2,20% dos votos (10.131 votos), distante dos 142.769 conquistados no primeiro turno de 2020.

Para avaliar sua gestão e o que o prefeito eleito, Silvio Mendes, pode esperar de bom e ruim em 2025, ouvimos especialistas em gestão pública, saúde, educação e planejamento urbano da cidade. O Prof. Dr. João Hipólito, coordenador da Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Piauí, destacou que, embora o Dr. Pessoa tenha méritos em suas áreas de atuação como médico e gestor público, faltou-lhe a base técnica e estratégica necessária para uma administração eficiente.

Arquivo pessoal
Dr. João Hipólito, Doutor em gestão pública

“A falta de conhecimentos aprofundados sobre gestão pública ficou evidente em diversas ocasiões, especialmente na escolha e manutenção de sua equipe administrativa. A recorrência de trocas no secretariado demonstra uma dificuldade em formar e consolidar uma equipe coesa, o que impacta diretamente a capacidade de planejamento e execução de políticas públicas de forma eficiente e sustentável.”

O professor informou que ajustes são naturais em qualquer administração, mas a recorrência de trocas sugere desafios na consolidação de políticas públicas consistentes. A instabilidade no comando das secretarias comprometeu a continuidade e eficiência das ações.

“Cada mudança de secretário implica um novo ciclo de adaptação, tanto para o gestor que assume quanto para a equipe técnica. Isso tende a interromper o planejamento em andamento e a execução de projetos, gerando incertezas e atrasos na entrega de resultados [...] A gestão pública depende de coordenação e alinhamento estratégico, e essas trocas constantes dificultam a consolidação de uma agenda consistente e eficiente.”

O pesquisador apontou que a atual gestão apresentou grandes contrastes em relação à do ex-prefeito Firmino Filho. Apesar de Firmino ter enfrentado reprovação popular, sua administração era marcada por maior estabilidade e previsibilidade.

Assis Fernandes/ O DIA
Ex-prefeito Firmino Filho durante leitura de mensagem na Cãmara Municipal de Teresina

“O governo do Dr. Pessoa ficou caracterizado por uma abordagem mais flexível, mas também por críticas relacionadas à descontinuidade de projetos. No entanto, é importante reconhecer que comparações diretas devem considerar os diferentes contextos sociais e econômicos enfrentados por cada administração.”

Ele ressaltou ainda que a pandemia de COVID-19 trouxe desafios econômicos e sociais imprevistos que impactaram diretamente as finanças municipais. Além disso, dificuldades na articulação política estadual e nacional limitaram o acesso a recursos e parcerias estratégicas, fundamentais para a execução de projetos.

“Por outro lado, em alguma medida, a administração do Dr. Pessoa também mostrou a importância de adaptar-se rapidamente a novos desafios. O ideal é buscar um equilíbrio entre flexibilidade e consistência, assegurando uma execução eficiente de políticas públicas enquanto se mantém a capacidade de inovação.”, concluiu o Prof. Dr. João Hipólito.

Saúde

Em 2021, no primeiro ano de gestão do Dr. Pessoa, quem assumiu a frente da Fundação Municipal de Saúde (FMS) foi o renomado médico Gilberto Albuquerque, conhecido da população teresinense. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Piauí, foi diretor dos hospitais Getúlio Vargas e Hospital de Urgência de Teresina (HUT). Sua gestão, no entanto, não durou muito tempo. Durante esse período, enfrentou a interdição ética do Hospital do Buenos Aires, onde também foi investigado o óbito de um bebê devido à ausência de neonatologista. Em meio a essas polêmicas, Gilberto Albuquerque pediu exoneração em dezembro de 2021. Após ele, mais quatro gestores assumiram a saúde do município.

Divulgação/FMS
Fundação Municipal de Saúde FMS Prefeitura de Teresina

Osmar Cardoso, doutorando em Saúde Pública, conversou conosco para analisar a gestão da FMS na saúde da capital. Ele inicia dizendo que não houve avanços significativos no setor ao longo dos últimos quatro anos, com sérios problemas como a retirada das comissões de licitações dos órgãos, incluindo a FMS. Essa decisão prejudicou o processo de compra de medicamentos e insumos, trazendo a prática da compra direta, que encareceu os produtos e reduziu a quantidade adquirida. Essa prática resultou no endividamento dos serviços públicos e no desabastecimento.

“A gestão mostra números elevados de atendimentos nos serviços de saúde, mas não se traduziram em efetiva resolução dos problemas, pois a falta de medicamentos foi um dos pontos que mais prejudicou os usuários do SUS. A falta de insumos também é outro ponto de prejuízo; afeta os pacientes de programas como diabetes e hipertensão. Faltaram, especificamente, os insumos e medicamentos para esses grupos. Não houveram ações para ampliar os serviços de saúde e os acessos nas periferias. Ao contrário, as UBS que funcionavam em períodos especiais, inclusive aos domingos, foram fechadas.”

Divulgação/Coren-PI
Com estrutura precária, UBS na Zona Rural de Teresina tem serviços suspensos

Apesar disso, há um ponto positivo na gestão relacionado à efetividade do número de atendimentos na atenção básica de saúde, realizados nas 91 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Teresina. Contudo, falta o segundo passo após as consultas.

“As consultas do primeiro atendimento que ocorrem nas UBS são eficientes. Aproximadamente 87 mil pessoas procuram as 91 UBS mensalmente, segundo dados da própria FMS. O problema está no seguimento dos tratamentos, quando existe a necessidade de especialidades médicas, que não flui em seu prosseguimento.”

O pesquisador também destaca a precariedade nos investimentos nessas unidades de saúde. A falta de reformas nas UBS compromete o atendimento especializado, especialmente para pessoas com deficiência, que tiveram unidades de atendimento fechadas.

“Podemos citar ainda os vários consultórios odontológicos que tiveram suas salas fechadas por falta de material e quebra de equipamentos. Atualmente, dessas salas, apenas 61 estão em funcionamento. Esses problemas causam transtornos para a população que depende desses serviços.”

Ascom Sesapi
Consultório Odontológico

Os conselheiros de saúde Acilinara Moura, Osmar Cardoso e Otacílio Batista de Sousa Nétto também contribuíram para esta reportagem, abordando o preparo da rede hospitalar para atender à população usuária do SUS e falando sobre o legado da gestão do Dr. Pessoa e os desafios que o prefeito eleito Silvio Mendes enfrentará.

Para os conselheiros, a rede de urgência é um problema, principalmente no que se refere ao HUT, o único hospital de trauma do Piauí. “O que deveria atender à população de Teresina acaba recebendo demandas de um universo muito maior. É necessário que o Estado assuma sua responsabilidade em relação à rede de urgência.”

Finalizam que o maior legado deixado na saúde foi o Hospital da Criança e do Adolescente, pois era um público "fantasma" que não tinha atendimento especializado. O Dr. Silvio Mendes precisará restabelecer a credibilidade dos fornecedores e da população na saúde do município, sanar dívidas, revisar contratos e acelerar os processos de licitação.

Educação

Na educação, quem assumiu a frente da pasta em 1º de janeiro de 2021 foi o ex-reitor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Nouga Cardoso. O gestor esteve à frente da educação em Teresina até fevereiro deste ano. No setor, a capital passou por muitos avanços, como ter ocupado a 1ª posição entre as capitais pela nota 5,9 nos anos finais e 6,4 nos anos iniciais. Para falar um pouco sobre a educação em Teresina, conversamos com o professor da rede municipal, Assis Silva.

Arquivo Pessoal
Assis Silva, professor da rede municipal de educação

O professor afirma que, nos últimos quatro anos, a educação avançou principalmente nos programas de alfabetização e com a ampliação do ensino integral, o que possibilitou a ampliação de ações de educadores na formação da juventude, incluindo diversas outras habilidades. Ele destaca também a segurança alimentar proporcionada nas escolas a crianças e adolescentes.

“Constatei a ampliação do quadro de profissionais que complementam o sistema de ensino, compostos por assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, dentre outros. Mantiveram elevados índices nas avaliações externas, em especial no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, bem como na ampliação da rede de qualificação do corpo docente do município.”

Para reduzir as desigualdades no acesso e na qualidade da educação entre diferentes regiões, o educador relata que a atual gestão realizou um mapeamento das realidades, dificuldades e desafios a serem enfrentados nas mais de 321 unidades de ensino, especialmente a partir das gerências de ensino, da divisão e núcleo de assistência ao educando.

Divulgação Prefeitura de Teresina
scola Municipal Ambiental 15 de outubro Prefeito Firmino Filho

“Avançou na informatização e no tratamento de dados que possibilitou uma maior agilidade nos sistemas de matrículas e no acompanhamento da frequência, notas e habilidades dos alunos, a partir de plataformas acessíveis a todos da comunidade escolar.”

Assis informa que houve uma valorização dos professores, luta histórica da classe, com conquistas como a realização de concursos públicos e a valorização do capital humano, principalmente no trato com os professores dentro da própria estrutura sede da Secretaria Municipal de Educação. Contudo, aponta que a questão salarial deixou a desejar, especialmente devido ao descumprimento de decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado.

“Demandas dos professores, que há mais de uma década, mesmo com previsão legal, como o caso da implementação do Tempo Integral definitivo, se tornaram uma realidade exatamente a partir de um diálogo franco e honesto entre a secretaria de educação e os professores. Esse fato contemplou mais de 300 professores com um direito que lhes era devido, mas que ao longo de décadas foi sufocado por quem passou pela gestão da SEMEC.”

Arquivo/ Agência Brasil
sala de aula do ensino fundamental/fundeb

Sobre o concurso da Semec, que enfrentou controvérsias e suspensão judicial, ele comenta: “A realização do concurso por uma banca, que, por seus modos operantes, passou a ser alvo de questionamentos judiciais – por vezes justos e outras vezes com a intenção de tumultuar mais do que fiscalizar –, atrasou a efetiva nomeação de tais profissionais.”

Quando perguntado sobre o maior legado educacional da gestão do Dr. Pessoa, o educador Assis Silva aponta a melhora significativa no trato com os professores por parte dos que compõem administrativamente a SEMEC, a ampliação da rede de escolas de tempo integral, a manutenção dos índices de aprovação em avaliações externas em níveis de destaque entre as capitais, o reconhecimento de direitos almejados há décadas, como o tempo integral definitivo para professores, e a criação da Coordenadoria Municipal do Direito na Escola, que tem levado cidadania a toda a comunidade escolar.

INFRAESTRUTURA E MOBILIDADE

Teresina, desde o início da pandemia, em que os terminais foram paralisados, sofre com a falta de ônibus. A cidade, em 2016, na gestão do ex-prefeito Firmino Filho (PSDB), implantou o sistema Inthegra. Na primeira fase, o sistema foi iniciado apenas na grande região do Dirceu e, em 2018, expandiu-se para as regiões Sul e Leste. Nessa etapa, contava com cerca de 400 ônibus em circulação, 38 linhas alimentadoras, 26 linhas troncais e 6 linhas interterminais. Atualmente, o sistema é atendido por cerca de 244 ônibus. Os terminais da zona Norte nunca chegaram a operar, e recentemente foi aprovada uma medida para que todos os terminais de Teresina sejam utilizados como apoio para motoristas de aplicativos, mototáxis e taxistas.

Arquivo O DIA
Terminal de passageiros do sistema Inthegra

Em termos de mobilidade urbana, algumas obras são esperadas, mas não saíram do papel ou avançaram muito pouco, como as pontes da UFPI e as aguardadas pontes do Poty Velho e Teresina-Timon. Todos os dias, nos horários de pico, trabalhadores enfrentam dificuldades para sair ou chegar em casa. Para a cultura, o Dr. Pessoa conseguiu inaugurar o Museu da Imagem e do Som em seu último mês de mandato. Seguindo essa linha, há também as obras do Parque da Floresta Fóssil, que a prefeitura corre para entregar até o fim do mês.

Para aprofundar o tema, conversamos com o arquiteto urbanista Luan Rusvell, especialista em Patrimônio e Cidade. Ao discutir o centro de Teresina e seus muitos espaços vazios, ele destacou que a região central possui a melhor infraestrutura urbana, mas enfrenta problemas relacionados à especulação imobiliária.

Arquivo Pessoal
Luan Rusvell, graduado em arquitetura e urbanismo e especialista em Patrimônio e Direitos Humanos

“Fator que contribuiu muito para isso [esvaziamento] foi a falta de uma regulamentação municipal que permitisse a construção de imóveis habitacionais. A gente tinha uma legislação de uso e ocupação do solo em Teresina que era ultrapassada em comparação com outros municípios, que permitia basicamente a construção de novos imóveis e comerciais.”

“Não há uma legislação patrimonial que de fato preserve o patrimônio histórico da região e nenhum incentivo para instalação de projetos nesse setor, o abandono do centro também por parte de órgãos públicos que transferiram para outras regiões. Tudo isso contribuiu para esse cenário que a gente tem hoje no centro da cidade.”

Arquivo / O DIA
Prédios abandonados no centro de Teresina é uma realidade

Sobre o transporte público, Luan Rusvell afirmou que o Dr. Pessoa não cumpriu nenhuma medida do seu Plano de Governo para a reestruturação do sistema coletivo da capital.

“Por exemplo, a implantação de linhas diretas dos bairros para o centro, conectando os bairros, a revitalização das paradas de ônibus, das estações, o uso compartilhado dos terminais de integração, com oferta de serviços, a renovação de uma política tarifária mais justa. Tudo isso estava previsto no plano de governo, era promessa da gestão do doutor Pessoa e nada disso foi cumprido.”

Jailson Soares/ODIA
Cerca de 2,5 milhões de passageiros utilizam o transporte coletivo em Teresina por mês

Ele complementou dizendo que houve uma piora significativa no transporte público da cidade.

“Os próprios investimentos que aconteceram na cidade em relação à mobilidade urbana acabaram priorizando a destinação de recursos para infraestrutura que privilegia o transporte privado e não tem uma mobilidade sustentável.”

Sobre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), Luan comentou que, embora tenha participado de todo o processo de discussão, considerou que o plano aprovado não foi popular nem inclusivo. Destaca que obras importantes de combate às enchentes previstas no plano diretor não foram realizadas.

Assis Fernandes/O Dia
Inundações após chuvas em Teresina

“Em relação à mobilidade urbana, especialmente o plano diretor de mobilidade urbana sustentável que previa aí uma reestruturação de todo o sistema de transporte público da cidade.”

“Aqui em Teresina previa a construção, nos últimos anos, em torno de 200 km de ciclovias por toda a cidade, conectando a infraestrutura de mobilidade urbana especialmente no transporte público. Isso poderia e deveria ter sido implantado em relação aos projetos de drenagem urbana.”

Luan ainda destacou a falta de projetos para as comunidades do Lagoas do Norte, que tiveram suas propostas ignoradas pela gestão.

Ao falar sobre os desafios do prefeito eleito Silvio Mendes para 2025, ele enfatizou que o crescimento da cidade aumentará os desafios sociais, incluindo processos de gentrificação que elevam os custos de moradia e empurram os mais pobres para áreas periféricas.

“Os desafios que eu apontaria seriam a questão da mobilidade urbana, da moradia em Teresina e uma regulamentação de uso e ocupação do solo que democratize o acesso à terra e crie condições para que a cidade não se expanda mais ainda para suas margens, trazendo as pessoas para morar nas áreas centrais aqui do município”, finalizou Luan Rusvell.

Teresina rejeitou um projeto político que esteve no poder por 30 anos, liderado pelo ex-prefeito Firmino Filho (PSDB) e escolheu o projeto político do Dr. Pessoa (PRD), eleito em 2020 com grande clamor popular mas que pareceu não cuidar tão bem da cidade quanto cuidava de seus pacientes.

A capital não resistiu por quatro anos. Dr. Pessoa teve pouco mais de 10 mil votos em sua tentativa de reeleição, os teresinenses voltaram a apostar no grupo político que um dia quiseram deixar. Silvio Mendes retornará ao Palácio da Cidade em 1º de janeiro de 2025 com muitos desafios, incluindo problemas históricos e novos.

Daqui a quatro anos, saberemos se os teresinenses aprovarão o retorno ou se buscarão algo novo novamente.


Você quer estar por dentro de todas as novidades do Piauí, do Brasil e do mundo? Siga o Instagram do Sistema O Dia e entre no nosso canal do WhatsApp se mantenha atualizado com as últimas notícias. Siga, curta e acompanhe o líder de credibilidade também na internet.