Um “compromisso com a responsabilidade fiscal”. Assim definiu o presidente Michel Temer o aumento de impostos sobre combustíveis anunciado na quinta-feira (20). As alíquotas de PIS/Cofins aumentam a tributação sobre a gasolina 0,41 real, do diesel em 0,21 real e do etanol em 0,20 real por litro.
“A população vai compreender, porque esse é um governo que não mente. Não dá dados falsos. É um governo verdadeiro”, disse o presidente. “Então, quando você tem que manter o critério da responsabilidade fiscal, a manutenção da meta, a determinação para o crescimento, você tem que dizer claramente o que está acontecendo. O povo compreende”.
Fazer o povo compreender não será tarefa fácil. Uma célebre frase do ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt define a disposição do povo em entender: “Os impostos devem ser cobrados de acordo com a capacidade de pagamento. Esse é o único princípio americano”. O desemprego recorde de 14 milhões de pessoas deve ser um empecilho para a boa compreensão. De quebra, o aumento ainda deve elevar a inflação, que estava em queda livre, em 0,5 ponto percentual.
O anúncio da nova tributação ficou por conta do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, enquanto Temer voava para Mendoza, na Argentina, onde participou na sexta-feira da reunião do Mercosul. Com a viagem, o presidente só respondeu aos jornalistas seis horas depois das explicações de Meirelles, deixando exposta a imagem do ministro à pior agenda econômica que há.
A situação já era desconfortável dentro da equipe econômica. Desde a chegada da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva à Câmara dos Deputados, a Presidência liberou 1,8 bilhão de reais em emendas para deputados em junho, enquanto a Fazenda é obrigada a contingenciar.
“A gente aproveita o barco e pede. Na realidade, não é o governo que está atrás disso, os parlamentares é que estão procurando, pedindo audiência, aproveitando a oportunidade”, disse o deputado federal Wladimir Costa (SD-PA) ao jornal O Globo.
Em coletiva aos jornalistas completou: “vou pedir emenda, ônibus, ambulância trator, construção de creches, hospitais. Vou pedir tudo, a lista aqui é grande”. O previsto para todo o ano, no Orçamento, é de 6,3 bilhões de reais para os parlamentares.
Na segunda-feira o governo ainda deve chancelar a compra da Cedae, a empresa de águas do estado do Rio, pelo BNDES, ao custo de 3,5 bilhões de reais, numa operação totalmente contrária à responsabilidade fiscal defendida por Temer no início de mandato.
Enquanto isso, com estes novos gastos na conta, no fim do mês passado foi suspenso um reajuste de 800 milhões de reais para beneficiários do Bolsa Família, que daria reposição de 4,6% aos beneficiários do programa. Há um ano, Temer sancionou reajuste de até 41,4% para Judiciário, que tem poder vinculante para diversos cargos e, de janeiro a maio deste ano, gastou 8 bilhões de reais em reajustes no funcionalismo público.
“O governo ano passado teve como foco o teto de gasto e previdência, mas descuidou do ajuste de curto prazo. Deu reajustes para diversas categorias do funcionalismo público com estabilidade em um momento de recessão com desemprego e equiparações que não apenas aumentaram o gasto público, mas repercutiram nos estados”, diz a EXAME Hoje o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa.
O resultado: enquanto o Planalto libera verba para parlamentares, a equipe econômica é obrigada a se expor. Mesmo com os 10,4 bilhões de reais previstos até o fim do ano com o aumento de impostos aos combustíveis, foram congelados mais 5,9 bilhões para tentar cumprir o déficit de 139 bilhões aprovado pelo Congresso para este ano.
“Esse cenário reflete combinação e insensibilidade social com descuido com a coisa pública. Para sair dessa situação, só revendo os reajustes já concedidos, a MP 777 sobre o BNDES e as desonerações de tributos para setores”, diz Lisboa.
Meirelles é visto como pilar de confiança no governo, mas, segundo pesquisa do Lide (Grupo de Líderes Empresariais) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, 24% do chamado grupo do PIB tem alta preocupação com a carga tributária brasileira.
Depois da “farra das emendas” na votação da denúncia e o aumento de imposto anunciado nesta semana, há tendência de perda de parte desse capital político. Até mesmo o “pato da Fiesp” renasceu das cinzas, também na última sexta-feira, na porta da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, para colocar o reajuste na conta de Meirelles.
“Ministro, aumentar imposto não vai resolver a crise; pelo contrário, irá agravá-la bem no momento em que a atividade econômica já dá sinais de retomada. (…) Todos sabem que o caminho correto é cortar gastos, aumentar a eficiência e reduzir o desperdício.”, diz nota assinada pelo presidente da entidade, Paulo Skaf.
É verdade que existe um fundo político na postura da federação ao escolher poupar o presidente Temer. Sabe-se, Skaf é filiado ao PMDB e concorreu ao governo do estado em 2014 com ajuda de Temer. Investigações da Procuradoria-Geral da República, inclusive, coloca a dupla nos autos da Operação Lava-Jato.
A suspeita é de que Temer tenha participado ativamente na captação de 10 milhões de reais em recursos para campanhas peemedebistas, incluindo a de Skaf, segundo delatores da Odebrecht. Daí o foco no ministro da Fazenda.
Quando o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) ensaiou a formação de seu próprio governo, no início do mês, a presença de Meirelles era uma das garantias. Segundo EXAME Hoje apurou, foi um dos fatores principais para o embarque na ideia de líderes do PSDB, como o presidente interino Tasso Jereissati (CE). A ação só foi freada na reunião do partido realizada na semana seguinte.
“Partidos de centro e que receberam emendas tendem a ser mais alinhados ao governo mesmo com a pressão dos empresários e das bases. Pode causar mais afastamento do PSDB, por exemplo, mas Temer precisa do centrão mais do que nunca e sabe disso”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge. “Para muitos, vale mais a pena garantir o presente, porque o médio prazo é muito incerto”.
O governo termina a semana equilibrando pratos. No primeiro, está o Congresso e seu fisiologismo, cujas pressões da base devem intensificar conforme a inflação sobe. No segundo, o mercado que vê pouco avanço no ambiente de negócios. No terceiro, a própria equipe econômica, que quer liberdade para trabalhar sem pagar o ônus sozinha.
“Cada vez que o assunto imposto vier para a mesa, será um desgaste político. Cada dia é uma agonia, mas por enquanto o mercado está tranquilo”, diz o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso. “As concessões seriam um ótimo exemplo para retomar os números sem esse cenário de risco, mas o governo não consegue desatar os nós para dar segurança a quem quer investir. Aí é junção de incompetência com ambiente político difícil. Se continuar assim o jeito é aumentar imposto de novo ou mudar a meta de déficit”.
Fonte: Exame