Os neandertais, primos dos seres humanos modernos que se extinguiram no fim da Era do Gelo, provavelmente dominavam tão bem as técnicas de produzir fogo quanto um escoteiro experiente de hoje. Os métodos usados por esses hominídeos para acender fogueiras deixaram marcas em instrumentos de pedra com cerca de 50 mil anos de idade, segundo um novo estudo assinado por pesquisadores europeus.
De acordo com a equipe liderada por Andrew Sorensen, da Universidade de Leiden, na Holanda, as fogueiras neandertais teriam sido produzidas de um jeito muito parecido com o empregado por populações tradicionais encontradas pelos europeus nos últimos séculos. Para gerar faíscas, os hominídeos da Era do Gelo usavam dois tipos diferentes de minerais: a pirita ou ouro de tolo, rica em ferro, e o sílex, muito usado para produzir instrumentos de pedra.
Neandertais dominavam técnica do fogo tão bem quanto escoteiros. (Foto: Reprodução)
Depois de produzir faíscas batendo pedaços de pirita contra artefatos de sílex, eles teriam iniciado a combustão de algum material facilmente inflamável colocado perto das pedras, como pedacinhos de grama seca, aumentando gradualmente a queima até formar uma fogueira.
As descobertas de Sorensen e companhia, publicadas no periódico Scientific Reports, talvez ajudem a encerrar um debate que, à primeira vista, pode soar bizarro.
Justamente por terem ocupado a Europa durante uma sucessão de períodos glaciais (entremeados por fases mais quentes), os neandertais costumam ser vistos como uma espécie adaptada ao frio, com seus corpos troncudos, mais apropriados para conservar calor do que o dos humanos modernos, e imensos narizes, que teriam ajudado a aquecer e umidificar o ar antes que ele fosse enviado aos pulmões. Como é que pessoas tão ligadas a habitats frios poderiam deixar de lado o uso do fogo?
"Teoricamente, seria possível que os neandertais se virassem sem esse recurso", disse o coordenador do estudo à reportagem. Ele cita o trabalho de uma colega, de acordo com o qual a combinação entre o uso de roupas e algumas possíveis vantagens metabólicas da espécie, por exemplo, teria permitido a sobrevivência sem fogueiras.
Além desse aspecto teórico, havia a questão da falta de indícios da produção deliberada de fogo nos sítios arqueológicos associados à espécie. Havia quem defendesse que os neandertais, não sabendo fazer fogueiras por si mesmos, apenas "cultivavam" fogos naturais -criados por tempestades de raios, por exemplo-, levando-os de um local para outro e alimentando-os, sempre que possível, com madeira e outros materiais.
Segundo esse ponto de vista, isso explicaria porque os poucos sinais de queima nesses sítios se tornam ainda mais raros nos períodos mais frios da Era do Gelo: sem acesso à madeira de árvores, que teriam quase sumido na Europa durante essas fases gélidas, os neandertais não teriam conseguido alimentar os fogos naturais.
Sorensen e seus colegas combinaram a análise de artefatos neandertais ao microscópio, de um lado, e técnicas experimentais, de outro, para mostrar que as hipóteses acima são basicamente balela. Primeiro, em laboratório, eles usaram pedaços de pirita para dar pancadas nas chamadas bifaces, "machadinhas" de pedra típicas dos sítios neandertais.
Depois, compararam as marcas deixadas pelo procedimento com as presentes nas bifaces achadas em sítios arqueológicos -e as coisas batem.
Parece que os neandertais usavam as bifaces para vários propósitos, tanto que as pancadas cujo objetivo era produzir faíscas não afetavam o gume do instrumento, que depois podia servir para fatiar a carcaça de um animal, por exemplo.
"O interessante é que essa técnica talvez criasse assinaturas arqueológicas mais sutis do uso de fogo durante os períodos mais frios, levando os arqueólogos a achar que quase não havia fogueiras neandertais nessas épocas", explica Sorensen. "Na verdade, o que estava acontecendo é que eles estavam usando de modo mais eficiente o pouco combustível que tinham nessas fases."
A pesquisa também pode ajudar a estabelecer critérios de identificação do uso do fogo em artefatos ainda mais antigos.
Por enquanto, os arqueólogos que tentam descobrir quando essa tecnologia foi dominada têm se limitado a buscar indícios da presença de fogueiras primitivas. Entretanto, se as mesmas marcas achadas nos artefatos produzidos por neandertais forem identificadas em outros instrumentos de pedra, será possível inferir que houve combustão deliberada mesmo quando os restos de fogueiras tiverem desaparecido.
Fonte: Folhapress