O Templo de Umbanda de Boiadeiro, localizado na Comunidade São Vicente, na zona rural leste de Teresina, ficou totalmente destruído após ser incendiado na quinta-feira (9). De acordo com informações divulgadas pela proprietária do local, Mãe Jane de Oxum, o incêndio foi causado por intolerância religiosa.
Em suas redes sociais, a proprietária conta que “essa situação lamentável é mais um crime de ódio e de falta de amor do ser humano”. “Algo que começou com amor, carinho, dor e choro, nossa humilde casa de axé hoje está assim, queimada e destruída por conta desse crime de ódio”, acrescentou.
O caso foi denunciado em uma delegacia da zona leste. Na denúncia, a dona do templo disse que chegou a ver um homem correndo no local após as chamas se iniciarem, o que a leva a pensar que o incêndio foi um ato criminoso. Além disso, Mãe Jane de Oxum destacou ainda que vem sofrendo preconceito religioso por parte de “vizinhos evangélicos”.
Em apelo ao poder público, Mãe Jane de Oxum aponta que o “povo do axé está precisando ser visto”. Ela pede que o Governo do Estado, bem como a Secretaria de Segurança, assista a comunidade e realize o inquérito policial. “Minha casa está nessa situação, pedimos ajuda e gritamos por socorro. Nosso povo precisa ser assistido”, disse.
A Articulação Nacional de Povos de Matriz Africanas e Ameríndia (ANPMA) esteve presente no local do incêndio. Segundo o coordenador da entidade, Pai Rondinele Santos, há pelo menos 5 mil terreiros de Umbanda em todo o Piauí. Já na capital, cerca de 800 templos já foram contabilizados. “O Piauí é um dos estados onde há mais violência contra comunidades tradicionais de matriz africanas. Há muito tempo solicitamos ao Governo do Estado um prazo de ação para proteção dessas comunidades”, afirmou.
O coordenador da ANPMA destaca que é preciso haver políticas públicas que realmente atendam os anseios da comunidade e coíbam questões relacionadas à intolerância religiosa. “Queremos nos aproximar da secretaria de segurança para acompanharmos os casos de intolerância religiosa ou racismo no Piauí. A ideia é buscar um caminho para saber o motivo desses inquéritos não serem feitos, já que não temos respostas. Queremos saber o que está havendo”, acrescentou o Pai Rondinele Santos.
Com seu templo de Umbanda destruído após incêndio, a Mãe Jane de Oxum está pedindo ajuda por meio de uma campanha de doação. Interessados em contribuir podem doar por meio do PIX: 259.668.551-53 (CPF). A chave está no nome de Bartolomeu Pinheiro de Melo Neto.
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Inteligência religiosa é crime
A intolerância religiosa configura-se como crime no Brasil, e várias legislações resguardam a liberdade de culto, garantindo a proteção àqueles que desejam professar sua fé em solo nacional. Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV, estabelece que a "liberdade de consciência e de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, além da proteção aos locais de culto e suas liturgias, conforme a lei".
O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940), no artigo 208, criminaliza a prática de escarnecer publicamente alguém com base em crença ou função religiosa, assim como impedir ou perturbar cerimônias ou práticas de culto religioso, e vilipendiar publicamente atos ou objetos de culto religioso.
A pena estipulada para essas condutas é de detenção de um mês a um ano ou multa, com aumento caso haja violência associada. Recentemente, a Lei nº 14.532/2023 incluiu no artigo 140 do Código Penal o parágrafo terceiro, estabelecendo que a injúria com elementos referentes à religião resultará em pena de reclusão de um a três anos e multa.
O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) dedica um capítulo aos direitos à liberdade de consciência, crença e ao livre exercício dos cultos religiosos. O artigo 23 garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção legal aos locais de culto e suas liturgias. Por sua vez, o artigo 26 do mesmo estatuto determina que o poder público deve adotar medidas para combater a intolerância religiosa em relação às religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores.
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Por fim, a Lei 7.716/1989 aborda os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, punindo, conforme seu artigo primeiro, aqueles decorrentes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.