Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tem causado um intenso debate sobre os direitos das mulheres no Brasil. Proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica, o projeto 1904/24 propõe equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro.
O PL altera o Código Penal Brasileiro que, atualmente, não prevê punição para o aborto em casos de estupro e também não estabelece restrição de tempo para o procedimento nesses casos. De acordo com a legislação proposta, mulheres que interromperem a gestação após a 22ª semana poderão enfrentar reclusão de seis a 20 anos, enquanto a pena para o estupro varia de seis a 15 anos, dependendo da idade da vítima e das circunstâncias do crime.
Segundo o Codigo Penal, o crime de estupro cometido contra uma vitima adulta tem pena mínima de 6 anos de reclusão, podendo chegar a 10 anos. No caso do crime cometido contra uma vítima menor de idade, a pena mínima é de 8 anos, podendo atingir 12 anos.
Já no caso de estupro de vulneravel (quando a vitima é menor de 14 anos), a pena mínima é de oito anos e a máxima de 15 anos. Somente quando a violência sexual resulta em lesão corporal grave é que a pena do estuprador pode chgegar a 20 anos de reclusão.
Sendo assim, se aprovado, o projeto poderá resultar em penas mais severas para mulheres estupradas que optarem pelo aborto do que para os próprios estupradores.
Para a advogada criminal Leticia Sousa, o projeto representa um retrocesso às conquistas femininas, sendo especialmente prejudicial aos direitos das mulheres e meninas vitimas de estupro. Ela destaca que o aborto legal é um direito da vítima para interromper a gravidez resultante de uma violência sexual, e que projetos como este apenas reforçam a revitimização da mulher, ao obrigá-la a continuar com uma gestação indesejada e criar um filho fruto de um estupro.
Do ponto de vista dos direitos humanos, a advogada considera que o PL é inconstitucional, pois fere o direito da mulher vítima de violência sexual. “As leis contra a violência de gênero estão no patamar de direitos humanos. Do ponto de vista da advocacia, é um grande contrassenso. Entendo que existem movimentos em defesa da vida, mas a defesa da vida deve considerar as circunstâncias favoráveis a ela, e não simplesmente defender um crime e dizer que a vítima de estupro será obrigada a continuar com a gestação e criar um filho fruto de estupro. É punir ainda mais uma mulher que acabou de ser violentada”, enfatiza.
No Brasil, uma mulher é vítima de estupro a cada 8 minutos. Em 2022, foram registradas mais de 67 mil ocorrências desse tipo de violência sexual. A advogada argumenta que o projeto de lei em tramitação, além de negar às mulheres o controle sobre seus próprios corpos, também as desencoraja de denunciar os crimes de estupro.
“Os legisladores por trás dessa proposta mostram falta de empatia e compreensão sobre a violência enfrentada pelas mulheres diariamente. Isso pode desencorajar as vítimas de estupro a denunciar, já que enfrentam enormes desafios para serem ouvidas. Agora, há o risco adicional de serem criminalizadas por optarem pelo aborto” destaca.
Os defensores do projeto, por outro lado, argumentam que é necessário estabelecer limites para o aborto, especialmente em estágios avançados da gestação, e que o objetivo é proteger a vida do feto. “Em 1940, quando foi promulgado o Código Penal, um aborto de último trimestre era uma realidade impensável e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio”, apontaram os autores da proposta.
Ao todo, 32 deputados federais assinaram o projeto de lei. No Piauí, nenhum deputado votou a favor. O projeto ainda está em fase de análise na Câmara dos Deputados e pode ser votado diretamente pelo Plenário caso seja aprovado um requerimento de urgência.
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‘Criança Não é Mãe’: organizações sociais se manifestam contra projeto
Em resposta ao PL, organizações sociais brasileiras estão unidas na campanha "Criança Não é Mãe", uma iniciativa que visa proteger as meninas, que são as principais vítimas de estupro no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que são registradas mais de 56 mil denúncias de estupro de vulnerável do país, isso significa que são 153 casos por dia e seis a cada hora, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A campanha destaca que essas jovens enfrentam grandes dificuldades para perceber a gravidez resultante de estupro e para comunicar esses casos aos responsáveis. Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, um dos líderes da campanha, enfatizou a importância de proteger os direitos das meninas e jovens brasileiras em face dessa proposta legislativa.
“As principais afetadas por esse PL são as meninas jovens do Brasil, que são a maioria que recorrem ao aborto legal em gestações acima de 22 semanas. No Brasil, a gente tem dados alarmantes de estupros de meninas nessa faixa etária, e que é uma população que tem uma maior dificuldade para identificar a gestação ou até mesmo comunicar sobre ela a sua cuidadora, ao seu cuidador, porque dentro das famílias que ocorrem os principais casos de estupro”, afirmou em entrevista à imprensa.
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