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Além do amor: mães ativistas e a busca por Justiça e Igualdade

No dia das mães, reportagem especial de O Dia mostra que maternidade é também um ato político, uma voz de resistência e ativismo pela busca da Justiça e da Igualdade.

12/05/2024 às 11h01

Ser mãe é cuidar e priorizar a cria acima de todas as dificuldades. É mover montanhas pelo melhor dos filhos. É colocar aquele que saiu do seu ventre - ou foi acolhido de coração - em primeiro lugar, inclusive acima das suas próprias vontades e necessidades. Abraçar o mundo parece pouco para oferecer o tudo para quem preenche seus dias de alegrias. Amor puro, genuíno e altruísta. A maternidade passa a ser também um ato político, uma voz de resistência e ativismo pela busca da Justiça e da Igualdade. Ser mãe, é transformação - individual e social -, é encontrar, nos filhos, a motivação para lutar por eles e por todos. 

Além do amor: mães ativistas e a busca por Justiça e Igualdade - (Assis Fernandes / O DIA) Assis Fernandes / O DIA
Além do amor: mães ativistas e a busca por Justiça e Igualdade

Há nove anos, Calebe Neves chegou na vida de Elisângela de Oliveira. Como um milagre, mudou completamente a rotina e o modo de ver o mundo de sua mãe. O desejo de Elisângela, enfim, se realizava: ela gerava seu tão sonhado filho. Mas, algo surpreendeu a família. Aos dois anos e oito meses, Calebe foi diagnosticado com autismo nível 2 de suporte e a mãe se viu perdida em meio a tantas dúvidas e inseguranças. Nessa caminhada para responder às perguntas, Elisângela de Oliveira sentia que ainda mais questionamentos surgiam. Conheceu outras mães e pais que compartilhavam o mesmo sentimento e, diante disso, resolveu, com esses novos amigos, criar uma associação que atendesse e acolhesse crianças com autismo, inicialmente.

Elizângela de Oliveira, coordenadora da Associação Prismas. - (Assis Fernandes / O DIA) Assis Fernandes / O DIA
Elizângela de Oliveira, coordenadora da Associação Prismas.

“Eu só tinha ouvido falar de autismo, mas não tinha convivência. Procurei informações em outras instituições, mas não me senti acolhida. Entrei em grupos de WhatsApp, ouvi mães mais desesperadas até do que eu, e passei a dar suporte jurídico. Uma mãe foi falando para outra, a demanda foi crescendo e quando vimos que já não dava mais para ser assim, veio a Prismas, juntando todo mundo que lutava por um objetivo só”, conta Elisângela de Oliveira, coordenadora geral da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas Autistas (Prismas), fundada há três anos, em Teresina.

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A proposta da Prismas é acolher a família e orientar os pais. Elisângela pontua que a primeira fase, após o diagnóstico, é sempre um choque para a família, mas, depois disso, inicia-se a luta para garantir e se fazer cumprir os direitos dessas crianças. Em geral, os pais que formam a Associação são atípicos, ou seja, têm uma rotina diferenciada, adaptada à realidade da criança. Além disso, a Prismas também oferece suporte, especialmente, para as mães solo e atípicas. Somente na Associação, 82% das famílias que integram a associação são vulneráveis. Desse total, 58% são de mães solo e solteira. O número chama atenção, uma vez que são mães atípicas e que se dedicam integralmente para o cuidado dos filhos.

“É um nível muito alto no qual, nós, muitas vezes, nos isolamos como mulher, e só somos a mãe. Isso é desesperador, pois o correto seria termos um apoio clínico e psicológico para nos apoiar e amparar”, acrescenta. Apesar de poucos anos de existência, a Prismas já ajudou a realizar grandes mudanças em Teresina e no Piauí. Por meio das leis elaboradas pela associação, os pais e mães de crianças com autismo têm conseguido a garantia de direitos e o acesso à inclusão. A grande maioria das leis municipais e estadual, que versam sobre inclusão a diversos tipos de deficiências, foram elaboradas pela Prismas. Segundo Elisângela de Oliveira, pelo menos 15 leis já foram aprovadas e implementadas e há outras dezenas em processo. Além disso, a Associação também elaborou leis que estão tramitando a nível nacional. À frente da associação, como uma das coordenadoras, ela se destaca como referência de força, dedicação, amor e empatia.

Uma menção que Elisângela recebe como elogio, mas também com ressalvas. “A gente tem que ser a mãe, a esposa, a dona de casa e ainda ser a referência. Seria bom que as mães que chegam até a Prismas viessem capacitadas e formadas, para levarem essas informações às demais e não ficarem só para si. A inspiração só é útil se você inspira alguém a compartilhar, senão não tem utilidade nenhuma. A cada dia eu me integro mais a esse mundo de inclusão, nessa busca por direitos e, como mulher, me sinto falha. Não era esperado eu ser mãe, e tenho me surpreendido com isso, mas acho que estou me saindo bem. Todo mundo tem uma escolha na vida e eu escolhi a minha no momento que meu filho veio ao mundo. Decidi ser uma supermãe e dar o meu melhor possível. A outra decisão que tomei na minha vida foi quando recebi o diagnóstico do meu filho, de lutar pelos direitos dele, pela inclusão. Sempre digo que ele é um divisor de águas, não só para mim, mas para o mundo inteiro”, complementa Elisângela de Oliveira, coordenadora da Prismas.

Quem vê o bom humor e o sorriso largo de Penha Medeiros (41), não sabe os desafios que ela enfrenta diariamente para que sua filha, Geovana Medeiros (11), tenha acesso aos seus direitos. A menina recebeu o diagnóstico de autismo nível 3 de suporte, após algumas consultas e exames, aos três anos, porém, os primeiros sinais foram percebidos ainda no primeiro ano de vida. Hoje, Geovana tem autismo nível 2 de suporte e, muito dessa evolução, se deu pelo total cuidado e dedicação que Penha tem com a filha. Atualmente, Penha Medeiros é dona de casa. Decidiu abdicar de tudo - vida profissional, social, pessoal e amorosa - para se dedicar à Geovana. Mas nem sempre foi assim.

Quando recebi o diagnóstico, ainda conseguia conciliar o trabalho com o acompanhamento das terapias e tratamentos multidisciplinar, porém, chegou um momento que eu não consegui mais, pois a cuidadora da Geovana saiu e minha filha passou a regredir no tratamento. Então, o pai dela e eu entramos em um acordo e optamos por um parar minhas atividades para cuidar dela. Desde sempre trabalhei e não foi fácil. Fui chamada pela psicóloga da Geovana na época e ela me deu o ultimato: ou eu parava para realmente dar um foco no tratamento multidisciplinar ou ela continuaria regredindo no que estava aprendendo. Não tive escolha

Penha MedeirosDona de casa
Penha Medeiros e a filha Geovana - (Arquivo Pessoal) Arquivo Pessoal
Penha Medeiros e a filha Geovana

Apesar do impacto inicial, receber o diagnóstico de Geovana não foi a maior preocupação de Penha. Como uma mãe atípica, a dona de casa se preocupa com o futuro e a independência de sua filha. E para que a menina tenha sua autonomia, Penha não mede esforços para cobrar os direitos e garantir que a filha tenha acesso a todos os espaços. Geovana frequenta a escola regular, socializa com alunos e professores, vai com a mãe ao supermercado e participa de todas as atividades diárias. “Foi difícil, mas não me arrependo. O diagnóstico me tranquilizou, pois me deu a resposta de algo que eu não estava sabendo na época, mas me trouxe uma preocupação, que é de como ela vai ficar quando eu não estiver mais aqui. Queremos dar um suporte e uma vida tranquila para nossos filhos, que eles sejam bem sucedidos, mas, a partir do momento que ele recebe um diagnóstico desse, temos essa preocupação, porque lidamos com o preconceito e o capacitismo. Tento criar a Geovana de modo a não deixá-la numa bolha, porque não sei se amanhã poderei protegê-la. Todos os dias tento dar autonomia para que ela possa se cuidar”, pontua Penha Medeiros.

Para muitos, ser mãe é sinônimo de força e determinação, mas Penha não se sente lisonjeada com os adjetivos que recebe. A dona de casa reforça que a maternidade é desafiante e cansativa e não deve ser romantizada. Por isso a rede de apoio é essencial para tranquilizar essa mãe que está sobrecarregada, “Maternidade solo é uma sobrecarga de emoções, funções, atividades, e aí é onde entram os projetos que eu participo, pois vemos que essa é uma luta de centenas de mães. Quando falamos de maternidade, isso em si já tem um peso, e quando se trata de maternidade atípica solo, o peso é triplicado. É uma luta que eu não romantizo, porque é da hora que a gente acorda até a hora que vai dormir. A vida da mãe atípica é de luta, de superação e aprendizado todos os dias”, conclui Penha Medeiros, mãe de Geovana Medeiros. 

“Já fiz muitas loucuras por Enzo e por muito Enzos”, lembra Jeane

O pequeno Enzo se tornou uma referência para as pessoas com diabetes no Piauí quando tinha apenas nove meses de vida, em 2005. A dificuldade para conseguir acesso à medicação fez com que sua mãe, a jornalista e publicitária Jeane Melo, levantasse as mangas e buscasse pelos direitos do filho. Logo, a causa ganharia forma e se estenderia para todos aqueles que são portadores dessa síndrome metabólica. Jeane enfrentou seu primeiro grande desafio, ao ver seu filho sendo levado para a UTI por cetoacidose em estado gravíssimo, com risco de morte. A possibilidade de ele ter diabetes não foi considerada nos primeiros atendimentos médicos, mesmo quando os sintomas clássicos já se evidenciavam.

Jeane Melo e o filho Enzo - (Arquivo Pessoal) Arquivo Pessoal
Jeane Melo e o filho Enzo

Sobreviver aos primeiros dias de diagnóstico talvez tenha sido o maior de todos os desafios. O tratamento era caro. Manter o plano de saúde, insulinas e tudo o que envolvia o manejo era algo, financeiramente, insustentável para a família. Jeane conheceu outras famílias que estavam vivenciado a mesma realidade, com relatos de sofrimentos dos portadores de diabetes com o controle descompensado e com algum tipo de sequela. Era preciso buscar ajuda e um tratamento digno para essas pessoas. “Como jornalista e publicitária, tive a felicidade de poder dar voz a causa por meio da minha experiência, dificuldades, fortalecida pelos depoimentos que chegavam. Minha intenção era denunciar, alertar, educar, sensibilizar. Busquei pelos direitos do Enzo por via judicial enquanto apresentava a um vereador a sugestão de um projeto de lei municipal que tinha o objetivo de garantir o acesso aos medicamentos da segunda linha de cuidado para pessoas com diabetes da nossa capital”, relembra.

A causa tornou-se ganhou as redes sociais e se tornou um grande movimento. Surge, assim, a Associação dos Diabéticos do Piauí (Adip), como forma de buscar os direitos desses pacientes. “A entidade passou a ser uma necessidade real. A ‘comunidade diabética’ precisava ser representada de fato e de direito. Infelizmente o prefeito não sancionou a lei desejada, mas no novembro azul do mesmo ano a associação já estava constituída. A luta continuou até a lei estadual ser sancionada em dezembro de 2014. Hoje, Enzo tem 19 anos e, recentemente, recebeu o diagnóstico de autismo nível 1 de suporte. E a luta de Jeane não para. Os desafios esbarram na falta de conhecimento para a elaboração de políticas públicas eficientes.

Identificar a realidade, a começar pelos dados da pandemia do diabetes no Piauí, ainda parece ser uma barreira para os gestores. É aí que a Adip entra para sensibilizar, somar, argumentar, provocar reações positivas. “Já fiz muitas loucuras por Enzo e por muito Enzos. Isso ressignificou toda minha existência, eu diria. Me deu coragem. O grande desafio está em se manter firme diante de tudo isso, pois a luta é cansativa e repetitiva. E as pessoas que burlam as leis conquistadas com suor, normalmente ocupam espaços confortáveis. Quem de fato fica no prejuízo é o cidadão comum, as famílias, a sociedade. Então, para cada política pública conquistada ou reivindicada, há muita resistência, indignação, esperança, diálogos.

Cerca de 70% das amputações não traumáticas acontecem em pessoas com diabetes no Piauí. Isso é relevante”, chama atenção a jornalista. Jeane se sente agraciada por ser referência nessa causa, especialmente por sua história poder ajudar tantas outras mães. As famílias compartilham histórias, vivências e dores, mas também se ajudam e se fortalecer. “Mesmo antes da Adip começar, eu já estava com elas. Não sei com quantas mães e familiares de pacientes eu já estive. Vou até hoje onde me chamam: lares, hospitais. Vou para conversar, aplicar a insulina pela primeira vez, apresentar o caminho mais fácil para ter acesso a medicamentos e insumos, apresentar a Adip, falar das nossas reuniões mensais maravilhosas. Me coloco sempre a disposição. Nos unimos nas faltas de medicamentos, no apoio emocional, de muitas formas. Juntas somos gigantes”, frisa Jeane Melo, jornalista e publicitária. 

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