A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal pode ter efeitos na população carcerária do Piauí. Isso porque por conta da decisão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que vai iniciar um mutirão para revisar as penas dos presos por portarem pequenas quantidades da droga.
Em todo o Brasil, 19 mil detentos podem ter suas penas revisadas com a nova determinação. No Piauí, 395 presos podem sofrer revisão em suas penas e até serem soltos por terem sido pegos portando menos de 40g de maconha, a quantidade estabelecida como sendo para uso pessoal pelo STF.
A projeção consta no estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na quinta-feira (27). O levantamento apresenta dois cenários: um com o percentual da população encarcerada por portar 25g de Cannabis e outro com o percentual referente àqueles presos por portarem 100g da droga.
O Piauí conta com uma população carcerária de 5.968 presos. Destes, 395 estão detidos por terem sido pegos portando até 25g de maconha e podem ser beneficiados com a soltura após a decisão do STF. Outros 493 estão presos por portarem até 100g de maconha e já não entrariam no rol de benefício com a nova medida porque a quantidade é superior àquela fixada pela nova legislação.
Os 395 presos que podem ser beneficiados com a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal correspondem a 6,7% da população carcerária do Piauí. Entre os réus processados por tráfico de drogas no Brasil, 49% alegaram ser usuário ou ter vício em drogas e 30% afirmaram que a droga apreendida se destinava a uso pessoal.
O levantamento do Ipea traz um perfil dos réus enquadrados como traficantes no Brasil. A maior parte deles são homens (86%), jovens com idade até 30 anos (72%), possuem baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo de educação básica) e negros (68%). Observando-se a idade e a cor/raça, pelo menos 53,9% dos réus enquadrados como traficantes no país são jovens até 30 anos e negros.
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O que chamou a atenção, segundo o Ipea, é que a maioria dos processos resultaram de prisão em flagrante (85% dos casos) por policiais militares (76,8%) e a abordagem foi feita em razão de “comportamento suspeito ou denúncia anônima – sendo que a denúncia anônima raramente é documentada no processo, constando somente a narrativa dos policiais”.
Os processos resultantes de uma investigação policial são considerados raros pela pesquisa. Apenas 16% dos inquéritos policiais estiveram relacionados a investigações anteriores e são poucos os processos em que houve algum tipo de quebra de sigilo ou mandado de busca e apreensão.
Segundo o Ipea, no Brasil, 49% dos casos de prisão por tráfico ocorreram com a entrada no domicílio do alvo. Destes, somente 15% foram entradas com mandado judicial. Em 41% dos casos, os réus foram alvo de busca domiciliar sem mandado de busca e apreensão.
“Estes domicílios se concentram em bairros pobres e com população majoritariamente negra, de modo que bairros ricos e com maior percentual de pessoas brancas estão praticamente imunes a esse tipo de ação policial”, pontua o estudo.
Predomina a apreensão de pequenas quantidades de droga
O estudo divulgado pelo Ipea após a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal indica que a maior parte das apreensões são justamente de pequenas quantidades de droga, ou seja, abaixo de 100 gramas. A maconha e a cocaína são as substâncias mais comumente apreendidas: a maconha corresponde a 67% das apreensões e a cocaína, a 70%.
Economia aos cofres públicos
Um estudo divulgado em 2022 pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do Ministério da Justiça e Segurança Pública estimou que o custo do encarceramento de pessoas presumidas como usuárias de drogas ultrapassa R$ 2 bilhões anualmente para as contas públicas do país.
A nível estadual, no Piauí, cada detento preso por tráfico portando entre 10g e 25g de drogas custa em média R$ 38.582 por ano. A eventual soltura desses presos após a descriminalização do porte para uso pessoal levaria a uma economia anual de R$ 15.230.075, conforme projeções do Ipea.
"São recursos desperdiçados que poderiam ter uma destinação mais nobre e eficaz para melhorar as condições de segurança", afirmou o Ipea, sugerindo que o investimento na primeira infância e no ensino fundamental para populações vulneráveis socialmente poderia reduzir as mortes por overdose de drogas.
O Instituto finaliza o estudo destacando que seria desejável uma mudança de foco do policiamento ostensivo para o trabalho de investigação policial, direcionado para o rastreamento financeiro e os principais nós e elos das facções criminosas, ao invés de focar na prisão de pequenos traficantes e usuários.
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