O Piauí é, pelo segundo ano consecutivo, o estado do Nordeste que mais resgatou trabalhadores em situação análoga à escravidão. Os dados foram divulgados pelo Ministério Público do Trabalho nesta sexta-feira (26), às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, celebrado no dia 28 de janeiro.
Segundo levantamento feito pelo órgão, em 2023, 159 trabalhadores foram resgatados no Piauí. Apesar de ainda significativo, o número teve uma queda de 8,8% em relação à 2022, quando 180 trabalhadores foram resgatados pelas equipes de fiscalização.
O estado é ainda o quinto com maior número de resgates em todo o Brasil. Em primeiro lugar está o estado de Goiás (739), seguido de Minas Gerais (651), São Paulo (392) e Rio Grande do Sul (334). Ao todo, 3.191 trabalhadores foram resgatados no país.
Conforme os dados, mais da metade dos trabalhadores piauienses (54%) foram resgatados de serviços na cadeia produtiva da carnaúba, uma das principais atividades econômicas do Piauí. De acordo com o Procurador do Trabalho Edno Moura, no último ano a atividade triplicou a quantidade de pessoas em situações degradantes.
“Havíamos feito um trabalho de sensibilização com toda a cadeia produtiva e obtido resultados positivos, reduzindo os índices de trabalho escravo nessa cadeia. Porém, voltamos a retroceder, mas nos manteremos atentos e vigilantes para descontaminar essa cadeia que é muito importante para todo o Piauí”, salienta Edno Moura, que também é coordenador estadual da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete).
Além da atividade da carnaúba, também houveram resgates nas atividades de extração de pedras (24,5%), catação de raízes (11,25%), pecuária (3,15%) e produção de concreto (5%). Pela primeira vez, o estado também registrou resgate de trabalhadores domésticos, onde duas mulheres foram resgatadas em situação análoga à de escravidão em Teresina, representando 1,15% do total de resgatados.
As cidades de Nazária, Batalha, Cajueiro da Praia e Castelo do Piauí foram as que registraram trabalhadores em situação análoga à de escravidão na atividade da carnaúba. Já os municípios de Piripiri, Elizeu Martins, Regeneração, Elesbão Veloso, Jerumenha e Rio Grande do Piauí contabilizaram juntos, 39 trabalhadores resgatados em pedreiras.
Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
Apesar dos avanços nas últimas décadas, o trabalho escravo ainda é uma realidade em algumas áreas do Brasil. Em 2009, a Lei 12.064 instituiu o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que visa conscientizar a sociedade sobre a persistência do trabalho escravo moderno, relembrando a importância da erradicação dessa prática desumana.
O dia 28 de janeiro foi escolhido em memória ao assassinato de quatro auditores fiscais do trabalho e de um motorista, ocorrido em 2004, em Unaí, Minas Gerais. Eles foram brutalmente assassinados enquanto investigavam denúncias de trabalho escravo na região. Dentre as principais ações promovidas pela data está a fiscalização e fortalecimento das políticas públicas para combater o problema.
A advogada e professora Larissa Lago aponta que o trabalho análogo à escravidão é uma violação grave aos direitos humanos. “No Brasil, os empregadores respondem criminalmente com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, com agravantes previstos no Código Penal se o trabalho é realizado por crianças e adolescentes e/ou quando a prática é voltada por preconceito racial, intolerância religiosa ou xenofobia”, explica.
Na esfera trabalhista, além de pagar todas as verbas trabalhistas previstas em lei, o empregador poderá ser condenado ao pagamento de indenização por dano moral. “Existem vários projetos de lei tramitando no legislativo, visando fortalecer a legislação e as medidas de combate ao trabalho escravo, mas que não conseguem avançar”, afirma a advogada, salientando que ainda há muitos caminhos a serem percorridos para a efetiva justiça social.
O que caracteriza trabalho análogo à escravidão?
O trabalho análogo à escravidão é caracterizado por condições de trabalho degradantes e desumanas que violam direitos fundamentais dos trabalhadores, configurando uma situação análoga à escravidão. Algumas características comuns desse tipo de trabalho incluem:
- Servidão por dívida: Os trabalhadores são muitas vezes mantidos em condição de servidão por dívida, obrigados a trabalhar para pagar dívidas que, frequentemente, são manipuladas para manter a dependência;
- Jornadas exaustivas: Trabalhadores são submetidos a jornadas de trabalho excessivamente longas, com carga horária muito acima do legalmente estabelecido, sem descanso adequado;
- Condições precárias de moradia e alimentação: Trabalhadores podem viver em condições degradantes, em alojamentos inadequados, sem acesso a saneamento básico, água potável e alimentação adequada;
- Restrição de liberdade: Trabalhadores podem ser submetidos a restrições severas de liberdade, com monitoramento constante e impedimentos de deixar o local de trabalho;
- Violência e coerção: Uso de violência física, psicológica ou coerção para manter os trabalhadores sob controle, impedindo que busquem ajuda ou denunciem as condições de trabalho;
- Desrespeito aos direitos trabalhistas: Negligência ou ausência total de pagamento de salários, falta de registro formal de emprego e ausência de condições mínimas de trabalho, como segurança no ambiente laboral.
Como denunciar
No Piauí, denúncias envolvendo trabalho escravo podem ser feitas através do site do MPT-PI, do email [email protected] ou ainda por meio do whatsApp (86) 99544 7488. As denúncias podem ser feitas sem que haja necessidade de identificação do denunciante.
Além disso, denúncias também podem ser realizadas através do portal do Sistema Ipê (https://ipe.sit.trabalho.gov.br/), vinculado ao MTE, ou pelo telefone por meio do disque 100, que recebe denúncias de violação aos direitos humanos.
O Procurador Edno Mouro enfatiza que o apoio da população nesse processo é fundamental para mudar a realidade do trabalho escravo no Brasil e no Piauí. “A população tem sido uma grande parceira das instituições nesse trabalho, ao denunciar os casos de trabalhadores sendo escravizados. É importante que essas informações cheguem o mais robusta possível, com fotos e vídeos, para que a gente providencie a fiscalização e possa adotar as medidas cabíveis a cada caso”, reforçou.