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Memorial Esperança Garcia: um monumento que narra a História que não foi contada

Espaço ressignifica através da arte a história de sofrimento da população negra no Piauí.

15/07/2024 às 09h26

Em tempos de injustiças e silêncios, a voz de Esperança Garcia ecoou como um grito de coragem. Mulher negra e escravizada, Esperança se tornou um símbolo de resistência na história marcada pela opressão. Em sua carta, escrita em 1770, ela desafiou não apenas seus senhores, mas também toda uma estrutura social de abusos e violações de direitos. A carta de Esperança Garcia é um dos primeiros documentos conhecidos que foram escritos por uma mulher negra. Com suas palavras, a advogada piauiense ajudou a reescrever o curso da história e seu legado se mantém vivo, ressignificando dia após dia aquilo que foi contado por gerações e gerações.

Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada

A história não é uma só. Ela possui vários vieses e, em Teresina, o Memorial Esperança Garcia é o testemunho de que a riqueza cultural e histórica vai muito além daquilo que foi documentado nos livros. Em entrevista a O Dia, a coordenadora do espaço, Antônia Aguiar, diz que as pessoas costumam confundir o que é o memorial e acham que ali funciona um museu onde são expostos artefatos relacionados ao período da escravidão do Brasil Colonial.

Mas o Memorial Esperança Garcia está longe de ser um lugar de reiteração do sofrimento. Localizado na Avenida Miguel, uma das vias mais movimentadas de Teresina, o espaço é centro de referência da cultura negra no Piauí e um dos maiores do Brasil. No próximo dia 25 de julho, o memorial completa 21 anos e, desde sua criação, já foi consolidado como um espaço de ressignificação da História.

É que no local onde foi instalado o memorial funcionava o antigo Grupo Escolar Domingos Jorge Velho, que recebeu esse nome para homenagear o bandeirante e militar português que marcou a história por sua brutalidade e pelas táticas violentas empregadas no extermínio de quilombolas e da população indígena e afrodescendente no Piauí. Quando se foi restaurado para ser um lugar de divulgação da cultura negra, o espaço passou a se chamar Memorial Zumbi dos Palmares, mas isso só aconteceu graças às intensas lutas travadas pelos representantes do movimento negro no Estado.

Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada

Em 2003, o então governador Wellington Dias sancionou o projeto de lei do então deputado Olavo Rebelo (PCdoB) e criou o Memorial Zumbi dos Palmares, cuja inauguração aconteceu quatro anos depois, em 25 de julho de 2007. Hoje o espaço é coordenado pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e pelo Conselho Administrativo do Memorial, formado por entidades do movimento negro, organizações não governamentais e pela sociedade civil.

Em 2016, o espaço passou por uma reforma e teve seu nome mudado no ano seguinte, quando foi reinaugurado, deixando de ser Memorial Zumbi dos Palmares e passando a ser o Memorial Esperança Garcia. A ideia, com a mudança, era dar mais visibilidade à história da piauiense, que foi a primeira advogada do Brasil.

“Esperança Garcia foi muito audaciosa porque revelou que sabia ler e escrever através da carta dela e ainda endereçou ao governador da província na época denunciando os maus-tratos. Ela não pediu algo só para ela. Ela pedia direitos humanos. Esperança Garcia é a precursora dos direitos humanos no Brasil, porque ela fez esse pedido a todos que viviam o regime de escravidão. Por isso, ela é considerada a primeira advogada, porque a carta dela é uma petição”

Antônia AguiarCoordenadora do Memorial Esperança Garcia
Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada

Hoje, o Memorial Esperança Garcia abriga as atividades culturais de 18 grupos que vão desde a dança, a música, passando pelo teatro, cinema, corte e costura e cursos de beleza. Todos os projetos são gratuitos e voltados para enaltecer a cultura negra. No entanto, o espaço não se restringe somente a isso, recebendo também iniciativas de grupos LGBTQIAPN+ e grupos de religiões de matrizes africanas. Antônia Aguiar define o memorial como um espaço para a história da diversidade e isso está refletido, inclusive, nas personalidades que batizam suas salas.

O espaço possui a Sala de Exposição Francisca Trindade, em homenagem à deputada estadual piauiense e liderança do movimento negro no Estado; a Sala de Informática Lélia Gonzales, que homenageia a autora e ativista negra; a Biblioteca Júlio Romão, em homenagem ao teatrólogo e poeta negro piauiense; a Sala de Cinema Pai Oscar de Oxalá, que leva o nome do chefe do primeiro terreiro de Candomblé do Piauí, assassinado em 2014.

O memorial tem ainda a sala Aqualtune, que recebeu o nome da avó de Zumbi dos Palmares e hoje é a “sala da beleza da mulher negra”; a Sala de Estudo Professor Solimar Oliveira; a sala Valdemar Santos, figura histórica da dança afro piauiense; a sala Ruimar Batista, um dos principais contribuintes para a causa negra no Estado; e o auditório Clóvis Moura, escritor, jornalista e sociólogo piauiense com importantes estudos sobre a resistência dos negros no Brasil.

Em cada um destes espaços, a história que foi contada nos livros é reescrita e recontada sob outro viés. Antônio Aguiar diz que a ideia do Memorial Esperança Garcia é mostrar aquilo que há de mais bonito e vivo na cultura e na história negra no Piauí. “Infelizmente nossa história foi negada o tempo todo e, por isso, existe este lugar. A partir deste espaço, passamos a contar e recontar nossa verdadeira história do jeito que ela foi de fato e não do jeito que contaram para a gente. Isso é feito através da dança, da música, do teatro, da capoeira, das festas, dos desenhos que enfeitam nossas paredes. Tudo aqui diz muito sobre a cultura negra no Piauí e sobre os próprios piauienses”, finaliza Antônia.

Entre as atividades ofertadas no Memorial Esperança Garcia há a oficina de beleza afro onde as mulheres aprendem a fazer tranças e turbantes; grupos de dança e teatro; biblioteca e salas de estudo e exposições de artistas plásticos locais. Em caráter permanente há a exposição Xirê dos Orixás, que apresenta as vestimentas dos 16 orixás mais cultuados no Brasil e desmistifica o preconceito contra as religiões de matrizes africanas. A exposição fica na Sala Francisca Trindade.

Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Memorial Esperança Garcia conta aos teresinenses a História que não foi contada

No próximo dia 25 de julho, o Memorial Esperança Garcia comemora 21 anos. Nesta data também se comemora o Dia da Mulher Negra Latino-Americana-Caribenha. Durante todo o mês se celebra o Julho Preto, onde são desenvolvidas atividades a nível nacional para celebrar a cultura afro no Brasil e aqui em Teresina, no dia 26 de julho, acontece a Feira Preta, onde mulheres negras empreendedoras exporão seus trabalhos. O evento começa a partir das 16h no Memorial Esperança Garcia, localizado na Avenida Miguel Rosa, 3400, e se encerra com um show da banda Samba do Coreto.

O Memorial Esperança Garcia funciona de segunda a sexta e está aberto para visitação das 9h às 12h e das 14h ás 17h. As visitas também podem ser agendadas através do Whatsapp (86) 99846-8803.


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