Um personagem emblemático, que mexe com a fé e com a devoção dos teresinenses. Um homem que foi torturado e morto de forma cruel, comovendo toda uma sociedade e que, hoje, é considerado um santo popular, realizando milagres e promovendo graças. A história do motorista Gregório Pereira dos Santos, quase cem anos depois, certamente é uma das mais conhecidas pelos piauienses.
Gregório, jovem de 18 anos e natural da Paraíba, residia no município de Barras, no Piauí, e era motorista do vigário da cidade. No dia 14 de outubro de 1927, uma sexta-feira, Barras receberia a visita do Bispo do Piauí, Dom Severino e, como de costume, a população se dirigia à entrada da cidade para recepcionar o visitante. Ao retornar da comitiva, Gregório dirigia o Ford T e levava o padre Lindolfo Uchôa, o juiz de Direito Arimateia Tito e o coronel Otávio de Castro Melo. Ao passar em frente à casa do tenente da Polícia Militar do Piauí, Florentino de Araújo Cardoso, que também era o delegado de Barras, atropelou acidentalmente o filho da autoridade policial, o menino Manoel Cardoso de Vasconcelos, de quatro anos.
Mesmo com todos os ocupantes do veículo e testemunhas do acidente afirmando que o motorista não teve culpa, Gregório foi preso por Florentino e le vado algemado à delegacia, onde foi terrivelmente torturado. Ao longo das horas de cárcere, o jovem foi privado de água e comida. Assim permaneceu Gregório, até a confirmação da morte do menino, dois dias depois.
Florentino, juntamente com a esposa, Guiomar e Severão, um matador profissional, vieram para Teresina trazendo o corpo da criança. Às escondidas, Gregório foi retirado da prisão e amarrado com correntes na carroceria do caminhão. O jovem motorista foi torturado até chegar à capital piauiense. Às sete horas da manhã do dia 17 de outubro, chegando ao porto Porenquanto, à esquerda do Rio Poti, Gregório foi amarrado em uma árvore e morto com tiros na cabeça pelo tenente Florentino. Enquanto estava acorrentado, bem próximo às margens do rio, o jovem clamava por um pouco de água, o que fora negado.
Após sua morte, e devido à comoção popular, o local passou a receber peregrinações, com pessoas levando levas e, principalmente, água. Após o sofrimento sofrido por Gregório, o povo o transformou em um santo milagreiro ou popular. Por volta de 1983, foi construído, no local de sua morte, um monumento na Avenida Marechal Castelo Branco, em formato de gota d’água. Todos os anos, centenas de fiéis e devotos, especialmente durante o Dia de Finados, em 2 de novembro, visitam o espaço para fazer preces, pedir graças e agradecer por milagres recebidos.
A história do motorista Gregória vira filme
A devoção aos santos populares, ou não canônicos, especialmente a que os teresinenses têm em Gregório, motivaram o jornalista e realizador audiovisual, Thiago Furtado, a estudar mais sobre a vida do motorista. Contudo, o pesquisador observou outros temas diretamente ligados à morte, e que iam além da fé, como o injustiçamento.
“Visitei os locais onde o fato ocorreu, fiz pesquisas, entrevistei algumas pessoas e acabei fazendo o ‘Água para Gregório’, meu sétimo filme e feito para televisão, com uma linguagem mais simples e didática.
Ao longo das pesquisas fomos descobrindo que ele não morreu de sede, como muitos contam. Ele sofreu várias torturas durante dias e foi executado com três tiros na cabeça, mas, pelo fato dele estar olhando para o rio, criou-se essa imagem de que ele tivesse morrido de sede”, explica Thiago Furtado.
O realizador audiovisual comenta que, ser um homem pobre, jovem e, provavelmente, negro, foram fatores que podem ter contribuído para que Gregório não tivesse chances de defesa. “Foi um episódio clássico de injustiçamento, pouco mais de 30 anos depois da assinatura da Lei Áurea. E trazemos isso no filme, essa questão de racismo, do injustiçamento e dos corpos encarcerados”, relata.
Processo de canonização e debate social
E é essa fé que tem motivado a canonização do motorista Gregório. O médico Luis Ayrton é devoto do santo popular e pesquisador da vida de Gregório e, juntamente com outros fiéis, buscam esse reconhecimento do motorista enquanto santo. No filme, Thiago Furtado também traz relatos de pessoas chamadas Gregório, que recebem esse nome em sua homenagem. E um deles, inclusive, sofreu um acidente e agradeceu ao motorista Gregório pela graça alcançada de não ter morrido nesse acidente.
“Há vários casos de fé, de pessoas que devotaram sua vida levando água para ele para agradecer. Casos de mulheres que não conseguiram engravidar e conseguiram através da intercessão dele, segundo elas. No filme, traçamos essa narrativa da fé e do social: que é essa fé, até que ponto ela é validada pela Igreja Católica, pelas pessoas, pelos populares e pelos fiéis”, relata Thiago Furtado.
Para o realizador audiovisual, o resultado ficou exatamente como esperado e teve excelentes críticas. “A princípio eu só falaria de fé, fé canônica e não canônica, que é a fé popular, mas isso acabou virando um debate social também, sobre representatividade, o embranquecimento, e tivemos entrevistados muito conscientes da sua fé, do seu papel social e da representatividade do Gregório. Foi um processo muito legal de fazer. Começamos a escrever em 2017, mas só fomos filmar em 2020/2021. As pessoas quando viram gostaram muito”, disse.
A canonização de Gregório, segundo o pesquisador, é uma representatividade para Teresina e para o Piauí. “Seria mais um santo nordestino e a fé dele é baseada em Teresina, então é bem importante ter essa história reconhecida, afinal, vai fazer 100 anos em 2027”, conclui Thiago Furtado, destacando que está iniciando negociações para exibições do filme em streamings e canais de TV.
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