Um estudo recém-publicado na Dados
Revista de Ciências Sociais, realizado pelo pesquisador Adriano Senkevics,aponta que entre 2010 e 2016 o número
de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
autodeclarados pretos e pardos saltou de 51% para 60%.
De antemão, o autor explica que a
intenção do estudo não é buscar possíveis fraudes visando a entrada em cursos
de graduação
em instituições públicas e privadas por meio das cotas, mas entender o
movimento dos estudantes se entenderem cada vez mais como pessoas negras.
Na pesquisa, Senkevics busca investigar os
motivos do que seria uma "reclassificação racial” no exame. “Trata-se de
um fenômeno cultural brasileiro, que é a assunção cada vez maior da identidade
e do pertencimento negro, num país historicamente racista e cujo racismo foi
apoiado num processo de 'embraquecimento' histórico, de negação de identidades
raciais negras e indígenas e desvalorização da história e cultura dessas
parcelas da população", declarou em entrevista à BBC News Brasil.
O pesquisador analisou microdados de
sete edições do Enem. O ano de 2010 foi escolhido como ponto de partida, pois
foi nesse ano que começaram as inscrições para a avaliação pela internet, sendo
obrigatório aos candidatos identificar a cor/raça. Já 2016 porque foi o ano
limite para implementar a Lei de Cotas nas instituições de ensino, aprovada em
2012.
Na primeira fase da pesquisa, Senkevics
identificou que o percentual de negros entre os novos inscritos no Enem passou
de 51,5% para 57%. Para ele, esse aumento pode ser explicado por mais
jovens pretos e pardos concluírem ensino
médio, com menos repetição de ano e evasão escolar. "O jovem de
classe alta, de família mais escolarizada, já fazia o Enem. A novidade é que
vai entrando um perfil novo, que vai aumentando sua presença cada vez mais
nesse período”, explica o pesquisador em educação.
Ele ainda acrescenta que programa de
bolsas de estudo, como o Programa Universidade para Todos (Prouni),
Sistema de Seleção Unificada (Sisu)
e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies),
além da própria Lei de Cotas, impulsionaram a participação desse perfil de
candidatos.
Entre os reincidentes na inscrição do
Enem, público analisado na segunda fase da pesquisa, o estudo de Senkevics
aponta que o percentual pulou de 36%, em 2011, para 65% em 2016. A partir da
terceira tentativa, o número de pretos e pardos supera a quantidade de brancos,
sendo48% de pardos para 30% de brancos.
"A pessoa pode fazer o Enem quantas
vezes ela quiser; como o ensino superior é muito disputado e o processo
seletivo é muito afunilado, uma pequena parte dos inscritos vai ter sucesso. Candidatos
menos preparados, com origens menos privilegiadas, como boa parte da população
negra, podem ser obrigados a fazer o exame mais de uma vez", observa o
pesquisador na entrevista concedida à BBC.
Na terceira parte do estudo, são
analisados quais os movimentos que podem explicar a reclassificação entre
brancos, pretos e pardos. Em resumo, houve uma redução 5% no número de brancos,
aumento de 1% no de pardos e ganho de 13,7% na quantidade de pretos. Senkevics
reforça que os números não indicam uma possível busca por fraudar o sistema de
cotas, mas uma possível ampliação do entendimento racial dos estudantes.
“O que eu entendo que explica essa
grande migração de pardos para pretos é que não há outra motivação que não a
questão cultural, porque a categoria 'preto' é muito mais alvo do processo de
ressignificação do que 'pardo’. Toda a questão da valorização da negritude vem
muito em cima da ideia de ser preto. Então é uma categoria que tem uma
militância maior, em torno da qual a conscientização racial se construiu e que
marca mais uma diferença com relação ao branco”, conclui.
*Com informações da BBC News Brasil
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Fonte: Agência Educa Mais Brasil