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Restrição alimentar: como o mercado tem se adaptado às novas demandas

Consumidores intolerantes, alérgicos e veganos têm impulsionado empreendimentos à investir em novos produtos

25/04/2024 às 13h42

25/04/2024 às 13h42

Cerca de 90% de todas as alergias alimentares são desencadeadas por ovos, peixes, leite, amendoim, mariscos, soja, nozes e trigo. Segundo o artigo científico “Novas perspectivas em alergia alimentar”, publicado em 2020, estima-se que mais de 220 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de alergias alimentares, afetando entre 6% a 8% das crianças com menos de três anos e 2% a 3% dos adultos em escala global. Além disso, as reações alérgicas estão se tornando mais comuns entre os idosos. 

 51% dos brasileiros têm predisposição genética para desenvolver intolerância à lactose - (Freepik) Freepik
51% dos brasileiros têm predisposição genética para desenvolver intolerância à lactose

Os dados globais também representam a realidade dos brasileiros, conforme estatística apresentada pela Organização Mundial de Alergia (OMA), em evento organizado pela Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBBAI). Estudos apontam ainda que 51% dos brasileiros têm predisposição genética para desenvolver intolerância à lactose. A pesquisa foi realizada em todas as regiões do país e faz parte do levantamento "O perfil do DNA do brasileiro na saúde e bem-estar", feito por um laboratório de genética do Brasil. 

Somado aos alérgicos e intolerantes, há ainda as pessoas que escolheram não consumir alguns alimentos, especialmente os de origem animal. Conforme pesquisa feita pelo Ibope, em 2018, o Brasil tinha 30 milhões de pessoas vegetarianas e cerca de sete milhões seriam veganos. E esse número cresce a cada ano. 

Em todos os casos, a opção que resta para essas pessoas é a restrição a alimentos potencialmente alérgicos ou com ingrediente de origem animal, e a leitura atenta dos rótulos, que devem trazer essas informações de maneira clara. Mas ter essa preocupação com o preparo dos alimentos não deveria ser apenas das pessoas que têm restrições alimentares. 

Os estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, também precisam ter esse cuidado com o público, porém, ainda falta sensibilidade de muitos, mas não para a empresária Neura Carmem Vieira Cavalcante, proprietária de uma pizzaria e sorveteria, localizada na região do Dirceu, zona Sudeste de Teresina, há 23 anos. Em 2018, uma cena, que para muitos teria passado despercebida, mudaria a vida e percepção de Neura Cavalcante mudar. 

“Uma mãe veio com seus filhos à pizzaria, mas uma das crianças não comeu porque era intolerante à lactose. Até então eu não sabia o que era intolerância ou alérgico. Fui lá dentro, fiz uma pizza sem queijo, só com molho e calabresa, e ele comeu. Aquilo me impactou e a gente só percebe essas coisas quando é mãe. A partir daí, passei a pesquisar sobre e como eu poderia fazer a diferença. A minha ideia era fazer um requeijão que desse sabor à pizza e proporcionasse que essas pessoas comessem bem”.

Neura CavalcanteEmpresária

Em suas pesquisas, a empresária descobriu os queijos vegetais à base de macaxeira, comumente chamados de “mandioqueijo”. Ao longo do curso, conheceu mais sobre esse alimento e o processo de produção. Ao voltar para Teresina, adaptou a receita e, assim, surgem o requeijão e o cheddar zero lactose, ambos feitos à base de macaxeira, coco seco, cenoura e cúrcuma, com sabor similar ao tradicional, mas totalmente livre de ingredientes de origem animal ou alergênicos. 

Empresária Neura Cavalcante - (Assis Fernandes/ O DIA) Assis Fernandes/ O DIA
Empresária Neura Cavalcante

“A proposta da minha marca é fazer um produto sem leite animal para atender diversos públicos, mas isso exige tempo e eu preciso validar meu produto. Ele já está patenteado, mas faltam poucos detalhes para ele ser colocado no mercado, como o rótulo e o código de barras. Mas, aqui em Teresina, ainda é muito difícil. O mercado é muito fechado e limitado, até para experimentar. Em outros estados, quando as pessoas veem que é algo natural, elas já querem provar. Percebi que o maior público dos produtos naturais é de pessoas mais maduras, atletas e os jovens. O número de produtos zero lactose e veganos cresce principalmente em cidades turísticas do Nordeste, pois esse público vem para cá fazer turismo e quer encontrar esses produtos naturais aqui também, mas não encontram”, ressalta a empresária Neura Cavalcante.

Capacitação é essencial para crescimento do negócio

Neura Cavalcante enfatiza que ser empreendedora é desafiante, principalmente quando se fala em inovações. A qualificação e a capacitação são quase constantes na vida da empresária que coleciona certificados e diplomas. Para ela, o conhecimento é a melhor maneira de fazer seu negócio se desenvolver. E foi em um desses cursos que ela aprimorou o sorvete produzido pela família há mais de duas décadas. 

“Costumo dizer que sou cria do Sebrae, e foi participando de um desses projetos que tive conhecimento de uma consultoria que fazia subsídios para eu saber o tempo de prateleira dos meus queijos, como a durabilidade e o valor nutricional. Lá, a nutricionista fez a tabela informando os nutrientes e destacando que era um produto 100% natural. Minha preocupação de fazer produtos naturais surgiu antes mesmo dos queijos. Minha mãe fazia sorvete, mas sem medidas. Fizemos cursos, aprendemos o processo correto e, quando voltamos, decidi que queria fazer um sorvete artesanal. Eles já tinham ingredientes naturais, como os doces de abacaxi e da goiaba feitos por nós, mas adaptamos para que não tivesse leite, como o de morango, sendo esse vegano, e o de cajuína”, conta a empresária. 

Foi através do Programa Centelha que Neura Cavalcante fez com que seu queijo vegetal saísse do papel e se tornasse realidade. O Programa estimula a criação de empreendimentos inovadores e dissemina a cultura empreendedora no Brasil. Os projetos selecionados recebem capacitações, recursos financeiros e outros tipos de suporte, a fim de impulsionar a transformação de ideias em negócios de sucesso. 

A iniciativa é promovida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) e a Fundação CERTI. 

“Fiz minha inscrição e participei do edital. Das 50 vagas, fiquei na posição 34. Acabamos não acreditando no trabalho que a gente faz, como sendo algo inovador. O programa tem me ajudado e foi com ele que fiz as consultorias para dar o nome ao meu produto, comprei equipamentos para melhorar minha empresa e faço planejamento estratégico. Antes, eu não sabia nem precificar meu produto. Em um evento do Sebrae, conheci uma startup que ganhou destaque com queijo à base de babaçu. Por meio de pesquisadores da Universidade, entrei em contato com eles para ter acesso ao leite do coco babaçu e trabalhá-lo com meu sorvete, fazendo testes”, comenta.

Aumento do consumo e exposição a alérgenos podem desencadear alergias alimentares

A restrição alimentar refere-se a limitações ou exclusões de certos alimentos ou grupos de alimentos da dieta de uma pessoa, seja por motivos de saúde, como alergias ou intolerâncias, ou por opção pessoal, como em dietas vegetarianas ou veganas. Essas restrições também podem ser impostas por razões médicas, religiosas, étnicas ou culturais. Porém, o que poucas pessoas sabem é que fatores como mudanças nos padrões alimentares, exposição a substâncias químicas, predisposição genética e até mesmo questões ambientais podem aumentar a prevalência de intolerâncias e alergias alimentares. É o que explica a nutricionista comportamental Raquel Alves. 

“O aumento do consumo de certos alimentos processados, aditivos alimentares e mudanças no microbioma intestinal devido a antibióticos e dietas modernas podem desempenhar um papel importante. A exposição a alérgenos ambientais também pode influenciar o desenvolvimento de alergias alimentares. Por isso, a conscientização e o diagnóstico melhorado também podem contribuir para a percepção de um aumento na ocorrência desses problemas”.

Raquel AlvesNutricionista

A nutricionista cita que, para descobrir se a pessoa tem alguma restrição alimentar, é preciso realizar uma investigação, que pode incluir a observação dos sintomas após a ingestão de certos alimentos, a busca de orientação médica e, em alguns casos, a realização de testes específicos. 

“Se existe suspeita que você tenha alguma restrição alimentar, é importante manter um diário alimentar detalhado, registrando tudo o que você come e os sintomas que experimenta. Isso pode ajudar a identificar padrões e possíveis gatilhos alimentares. Além disso, buscar a orientação de um profissional de saúde, como um médico ou nutricionista, é fundamental para receber um diagnóstico preciso. Eles podem recomendar testes de alergia, intolerância ou sensibilidade alimentar, bem como orientações sobre como realizar uma dieta de eliminação controlada para identificar quais alimentos podem estar causando problemas. Cada pessoa é única, e o processo para descobrir restrições alimentares pode variar dependendo das circunstâncias individuais”, enfatiza Raquel Alves. 

Vale lembrar que, para uma pessoa com restrição alimentar, ingerir algo alergênico pode desencadear uma reação adversa que varia em gravidade, desde sintomas leves até potencialmente fatais. Os riscos específicos dependem do tipo de restrição alimentar e da gravidade da alergia ou intolerância. 

Restrições alimentares podem ser impostas por razões médicas, religiosas, étnicas ou culturais.  - (Assis Fernandes/ O DIA) Assis Fernandes/ O DIA
Restrições alimentares podem ser impostas por razões médicas, religiosas, étnicas ou culturais.

No caso de alergias alimentares, a ingestão de um alérgeno pode desencadear uma reação imunológica no corpo, que pode se manifestar como urticária, inchaço, dificuldade respiratória, choque anafilático e até mesmo morte em casos extremos. 

“Para aqueles com intolerâncias alimentares, como a intolerância à lactose ou doença celíaca, a ingestão de alimentos problemáticos pode resultar em desconforto gastrointestinal significativo, inflamação e danos ao trato digestivo. É crucial que as pessoas com restrições evitem alimentos alergênicos ou problemáticos e estejam atentas aos riscos associados à contaminação cruzada ou à ingestão acidental desses alimentos. A conscientização sobre esses riscos é fundamental para garantir a segurança e o bem-estar das pessoas com restrições alimentares. Pesquisas sobre esse assunto continuam avançando e é fundamental que as pessoas com intolerâncias e alergias alimentares recebam o suporte necessário para gerenciar sua condição”, frisa a nutricionista Raquel Alves. 

Estabelecimentos podem adotar práticas para atender às necessidades das pessoas com restrições alimentares. 

  • Educação da equipe: Treinar a equipe sobre alergias e intolerâncias alimentares, incluindo como identificar ingredientes problemáticos nos alimentos e como lidar com pedidos especiais dos clientes. 
  • Rotulagem clara: Fornecer informações precisas sobre os ingredientes dos pratos no menu, destacando alérgenos comuns, como glúten, lactose, amendoim, etc. 
  • Opções de substituição: Oferecer opções de substituição ou modificações nos pratos para acomodar diferentes restrições alimentares, como alternativas sem glúten, sem lactose, veganas, etc. 
  • Prevenção de contaminação cruzada: Garantir práticas rigorosas de manipulação de alimentos para evitar a contaminação cruzada entre ingredientes alergênicos e não alergênicos durante o preparo dos pratos. 
  • Comunicação transparente: Estabelecer canais claros de comunicação entre os clientes e a equipe de cozinha para garantir que as restrições alimentares sejam compreendidas e atendidas adequadamente. 

Ao adotar essas práticas, os estabelecimentos podem criar um ambiente mais inclusivo e seguro para pessoas com restrições alimentares, garantindo que elas possam desfrutar de refeições saborosas e seguras

Conhecer o mercado é uma boa estratégia

Quando se fala em oportunidade de negócios, é preciso que o empreendedor saiba da existência de estratégias que podem ajudar a entender o mercado e o público, como as pesquisas de oportunidades. Maisa Santos, analista de negócios do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Piauí, explica que essas ações podem ser de baixo, médio e alto custo, aplicáveis em empresas de todos os portes e segmentos. 

“São ações simples e sem grandes custos a estratégias elaboradas que podem demandar um maior investimento. Entretanto, em todas, o foco é conseguir identificar o perfil desse público a fim de conhecer seus interesses e, com base nisso, investir ou aprimorar seu negócio”, disse. Para a analista, as empresas que desenvolvem novos produtos e/ou serviços voltados para públicos específicos acabam se diferenciando no mercado, conquistando novos clientes e criando laços com esse consumidor. 

Maisa Santos, analista de negócios do Sebrae - (Arquivo Pessoal) Arquivo Pessoal
Maisa Santos, analista de negócios do Sebrae

“São empresas que já abraçam esse ponto como um diferencial delas, carregando a missão e pensamento que são únicas por apostarem nessas áreas. Dados mostram que a Geração Z está muito mais preocupada com questões ligadas à sustentabilidade, observando o produto, sua origem e como ele foi concebido, analisando a empresa no viés ambiental, social, animal. Temos um grande público que não utiliza produtos testados em animais e essa tendência que está acontecendo impulsiona toda uma sociedade, inclusive os empreendimentos, a se adaptarem a essa realidade”, conclui Maisa Santos. 

O Sebrae tem diversas soluções para auxiliar o empreendedor, oferecendo cursos online ou presencial, gratuitos ou pagos, voltados para áreas financeira, comportamental, tecnológica, empresarial, gestão empresarial, entre outras, todas subsidiadas pelo Sebrae, no qual é pego um subsídio de até 80% para que o empreendedor tenha acesso a uma consultoria que possa melhorar o seu negócio

1 - Feedback dos clientes: Pesquisas feitas diretamente com o cliente podem ser feitas através da captação de dados, por telefone ou e-mail, o empreendedor pode criar uma estratégia para ligar ou enviar o e-mail com pesquisas mais diretivas para saber como está sendo sua experiência e o que poderia ser melhorado ou incrementado. 

2 - Pesquisa de mercado: Essa é uma estratégia um pouco mais robusta e pode ser realizada por consultorias, que é o mapeamento de cenários externos, como a análise de concorrentes, tendências de mercado em determinado segmento, no qual é elaborado um relatório trazendo os principais fatores que devem ser observados para subsidiar as tomadas de decisão. Para isso, serão analisados dados demográficos como população, renda, geografia, economia e as empresas que já existem no local. 

3 - Benchmarking: O benchmarking é a busca de melhores práticas desenvolvidas dentro da própria empresa ou com empresas do mesmo segmento. Essa pode parecer uma prática incomum, mas, na verdade, é algo bem recorrente. Se a empresa está desejando implementar um novo projeto ou produto, mas em sua região ainda não há nenhum empreendimento nesse segmento, o empreendedor pode buscar uma empresa que trabalhe com essa proposta em outra localidade, com ela, entender como são executadas e colocadas em práticas essa inovação. 

4 - Criação de networking: O empreendedor precisa fortalecer suas conexões com outros empreendedores e, para isso, é preciso apostar na criação de networking, ou seja, na rede de contatos. Uma das formas de estabelecer essa ligação com outros investidores é frequentando ambientes frequentados por empresários, investidores, pesquisadores e estudantes, como o coworking. Em alguns desses espaços, é possível deixar o cartão de visita em painéis, que pode gerar interesse nos frequentadores. Eventos de negócios, feiras e palestras também proporcionam oportunidades para os empreendedores. 

5 - Pesquisa e investimento: Algumas empresas costumam ter núcleos de pesquisa e investimento, dedicadas a avaliar os diversos segmentos e como desenvolver novos produtos ou serviços nas áreas de alimentação, saúde, entre outras. Fazer parcerias com universidades também é uma estratégia, pois esses cientistas podem desenvolver pesquisas que melhorem ou aprimorem determinados produtos, ou serviços