Afinal, qual é o papel do professor? Essa pergunta tem permeado as discussões nas universidades, escolas, no cotidiano das famílias e até mesmo em espaços políticos. Cabe a esse profissional transmitir o conhecimento contido nos livros e apostilas, baseado apenas no conteúdo programático das disciplinas, atuando como um mediador do conhecimento ou o papel do professor deve ser o de um agente transformador, atento também às necessidades sociais, emocionais e culturais dos alunos?
Muitas são as respostas para essa pergunta e não há consenso, nem mesmo entre a própria categoria, sobre o que de fato seria o papel do professor. Para o professor de filosofia, Leonardo Medeiros, 31 anos, cabe ao educador ser uma ponte entre aquilo que é produzido em termos de ciência e os jovens que, no futuro, irão ser atores sociais no mundo. Na sua visão, a escola pode ser um filtro e, ao mesmo tempo, prover acesso à informação e auxiliar no amadurecimento emocional e cognitivo dos alunos.
Leonardo Medeiros, de 31 anos, é professor de filosofia (Foto: Arquivo pessoal)
“Essa ideia do professor e da escola instrucional, que meramente deposita conteúdos, é obsoleta, fruto do ensino tradicional e de uma sociedade extremamente simples, onde não havia tanta circulação de informações. Hoje, no mundo globalizado, é crucial termos adultos de referência para mostrar a complexidade da rede de culturas e de produção científica. O professor é essa referência, é o adulto que vai interpelar pela ciência em novos seres agentes no mundo. Ele abre as janelas para a complexidade do mundo”, destaca.
No caso do professor de filosofia, o dom da docência surgiu ainda na adolescência e foi sendo alimento na vida adulta. Leonardo conta que, apesar dos percalços inerentes à profissão, ele encontrou na profissão uma missão para vida. Um dos principais desafios, no entanto, foi não ter sido preparado durante a sua formação acadêmica para a realidade que encontraria na sala de aula.
“O principal é tornar-se professor já dentro da sala de aula. Nós saímos da universidade como pessoas que sabem teorias. Eu só me tornei professor e entendi o que é educação quando entrei na sala e tive que lidar com situações complexas, como a administração socioemocional dos educandos e com contextos socioeconômicos distintos. Nada disso eu encontrei na universidade. Eu encontrei conteúdos, mas ensino aprendizagem ou ser professor não é aprender conteúdos, é lidar com a realidade efetiva de jovens no mundo e eu só consegui perceber isso e me preparar para isso, tendo jogo de cintura no dia-a-dia”, relata.
Outro desafio é a baixa remuneração da classe. O professor Leonardo trabalha em duas escolas particulares durante a semana, mas o que ganha não chega a ser um salário mínimo. Mesmo com toda dificuldade financeira, o amor pela profissão fala mais alto. O professor conta que já chegou a procurar emprego em outras áreas, mas não conseguiu se ver realizado profissionalmente. Por isso, continua estudando e tendo como principal objetivo conseguir ser aprovado em um concurso público.
(Foto: Pixabay)
“A filosofia tem uma carga horária baixíssima, o mercado é escasso, a carga horária é baixa e, fora isso, tem o pano de fundo que é a desvalorização do professor de uma forma geral. Não só na filosofia, o professor em geral no Brasil é extremamente desvalorizado. Às vezes, precisamos trabalhar em três ou quatro escolas e não ganhamos um salário mínimo. Apesar disso, eu amo minha profissão, amo o que eu faço, porque eu me sinto um adulto capaz de acolher, dialogar, estimular e ampliar o horizonte dessa parcela da população que não tem amparo em outras estruturas, no sentido de entendimento, acolhimento, e elevação edificante, para que sejam pessoas atuantes num mundo melhor”, destaca.
Desvalorização e carga excessiva de trabalho afasta professores da sala de aula
Formada em Letras Português, Jéssica Sales é um dos exemplos de professores que desistiu da sala de aula. A experiência de 18 meses lecionando em turmas do 3º ao 5º ano do ensino básico a fez largar a profissão e retornar para a universidade em busca de outra formação. Cinco anos depois de mudar de rota, ela diz que não se arrependeu de ter tomado essa decisão.
“Na escola que trabalhei, além de linguagens, também dei aula de ciências e religião. Eu sofria muita pressão dos donos da escola e dos pais dos alunos, e isso fez com que eu me desestimulasse. Eu ganhava um salário mínimo e trabalhava praticamente 24 horas por dia, porque tinha tarefas e cadernos para corrigir, tinha que produzir provas. Dava aula para três turmas no turno da tarde, mas na verdade eu trabalhava desde a hora que acordava. Fiquei um ano e meio e depois pedi para sair, foi a melhor escolha que fiz na minha vida. Não volto a dar aula, não é para mim, tem que ter o dom e eu não tenho”, lembra.
(Foto: Pixabay)
A ex-professora conta que, além da baixa remuneração e da carga excessiva de trabalho, ver alunos vítimas de abuso sexual e em contato com o tráfico de drogas, também foram desafios que a fizeram desistir de lecionar. “No ensino público, me deparei com uma realidade muito difícil, e que eu não estava preparada. Tive contato com crianças que eram abusadas e vi de perto a realidade do tráfico de drogas. Foi muito difícil, só não desisti porque era um estágio que eu precisava concluir para me formar”, recorda.
A educação na era da internet
A internet foi uma das maiores aliadas da educação em meio à pandemia da covid-19. Contudo, o uso excessivo da internet, em especial das redes sociais, pode ser um empecilho no processo de aprendizagem. É o que destaca o professor Luizir de Oliveira, doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal do Piauí.
“As redes sociais abriram um espaço gigantesco de acesso à informação, mas elas também geram um novo problema que é o saber utilizar. Hoje, com essa rapidez incrível, nós estamos tentando recuperar o tempo do pensamento, e o tempo do pensamento não é o tempo da internet. Para você construir um pensamento crítico e reflexivo, você precisa demorar-se sobre as coisas”, alerta.
O professor relata que, em sala de aula, com o avanço dos smartphones, os alunos têm substituído as anotações por fotografias, o que acaba por comprometer o aprendizado. Por isso, é importante que os professores estejam preparados para transformar a tecnologia em ponte para o conhecimento, ao usar as novas plataformas de modo a potencializar o aprendizado na sala de aula.
Professor Luizir de Oliveira, doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal do Piauí (Foto: Assis Fernandes/ODIA)
“Você está em sala de aula e o aluno está com o celular ligado. Se eu faço um slide ou escrevo alguma coisa no quadro, os alunos não copiam mais, eles sequer têm cadernos, só fotografam aquilo, e a gente sabe que a escrita, é um processo de memorização fundamental. Se você atropela, você fica só acumulando imagens e o cérebro não processa isso. Eu tenho me preocupado muito com os usos excessivos, porque não há como brecar, o professor precisa ter um novo tipo de olhar e formação diferente para lidar com isso”, aponta.
A resiliência do professor gera frutos
Devido ao distanciamento social imposto pela covid-19, famílias e escolas precisam mudar drasticamente a forma pela qual os alunos tiveram acesso ao ensino e, graças à internet, milhares de alunos puderam continuar o acompanhamento pedagógico à distância com os professores. Mesmo com todos os esforços, o processo de ensino não ocorreu de forma linear e uma parcela dos estudantes teve dificuldade para continuar tendo acesso à educação, como, por exemplo, os alunos com necessidades especiais.
A doutora em Educação e professora da UFPI, Sandra Lima, explica que, apesar dos obstáculos, a resiliência dos professores foi importante para que os prejuízos não fossem maiores. “É quase impossível você acompanhar individualmente uma turma de 40 alunos, ainda mais para um professor de licenciatura que tem 50 minutos de aula. Quero parabenizar os professores pela resiliência que tiveram durante a pandemia, porque foi um esforço muito grande e muito difícil. Veja, por exemplo, as crianças especiais para quem o acompanhamento não foi de forma satisfatória, por conta do distanciamento”, afirma.
Sandra Lima é doutora em Educação e professora da UFPI (Foto: Assis Fernandes/ODIA)
O resultado dessa resiliência pode ser visto de diversas formas, uma delas é o reconhecimento obtido por Teresina através do título de capital com a melhor educação do Brasil, de acordo com o desempenho dos alunos das escolas municipais em 2021.Também fica em Teresina a escola com a melhor nota no Ideb. A Escola Municipal Professor José Gomes Campos, localizada no Parque Wall Ferraz, bairro Santa Maria da Codipi. A escola teve o melhor resultado em comparação com todos os municípios brasileiros avaliados pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
“Houve mudança de gestão e, mesmo assim, houve a manutenção desse índice. Isso é muito bom. Essa nota não é do gestor, é principalmente dos professores. Enfrentamos uma pandemia e os professores que saíram da UFPI, especialmente os de licenciatura que são responsáveis pelas áreas específicas nos anos finais, ainda tiveram resiliência suficiente para se adaptar à nova realidade da pandemia para manter esses índices”, finaliza.