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Negligência a Maria da Inglaterra em vida prejudicou acervo de obras no pós-morte

Em entrevista ao O DIA, José Dantas, que produziu CD’s e o DVD da cantora, cita a falta de assistência à artista como decisivo para os poucos registros e acervos existentes de um dos principais nomes da música piauiense.

24/09/2022 14:13

São poucos os artistas que podem ostentar centenas e centenas de composições musicais próprias produzidas. Maria da Inglaterra está nesse grupo seleto. Só que o fato dela nunca ter aprendido a ler e a escrever faz das letras compostas por ela, algo ainda mais único no mundo da arte. Porém, a originalidade e a autenticidade da cantora piauiense não foram suficientes para que a intérprete tivesse o devido reconhecimento artístico por parte da crítica, dos órgãos de fomento à cultura e da população piauiense.

Quem comprova a falta de apreço para com Maria da Inglaterra, é quem viveu perto da artista. José Dantas, sonoplasta e produtor de dois CD’s e um DVD da cantora, concedeu entrevista ao O DIA e afirmou que em vida Maria não era levada a sério. “Maria não era respeitada como deveria ser, as pessoas não a levavam a sério por ser negra, pobre e mulher. Mas ela era uma representante autêntica da música de raiz piauiense, do forró, do pé de serra. Não sabia ler nem escrever, mas tinha uma inspiração musical, uma luz muito grande como artista. Era algo divino”.


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Nascida a 21 de janeiro de 1940, Maria da Inglaterra ganhou os palcos do Brasil e se mostrou um dos talentos mais versáteis na nossa cultura. Com seu sotaque folclórico, ela se tornou uma das maiores referências na música popular do Piauí. 

José Dantas, produtor cultural de Maria da Inglaterra. (Foto: Assis Fernandes / O DIA)

“O ponto alto dela foi quando ela se apresentou no Domingão do Faustão, em 2007. Daí as pessoas começaram a olhar diferente para ela, sendo chamada para fazer shows e se apresentar em palcos importantes. Só que a idade dela já estava avançada. A saúde debilitada não permitia ela aproveitar o momento de maior visibilidade da carreira dela.

“Maria morreu praticamente à míngua”

(Foto: Jaílson Soares / O DIA)

Mesmo com os CD’s e um DVD gravados, as obras da artista não chegaram a dar um retorno financeiro que sustentasse Maria e os filhos. O resultado foi uma vida de muitas necessidades. “Maria morreu muito pobre, morreu praticamente à míngua. Ela poderia ter sido assistida melhor pelo Estado, pelos instrumentos de cultura do Piaui. Lembro que existe uma lei, a Lei do Patrimônio Vivo, que ampara artistas nessa situação enquanto vivos. Esse instrumento auxilia artistas como Mestre Severo, Sebastiana. Mas Maria morreu antes da Lei ser colocada em prática”, lembra Dantas.

A negligência a figura musical de Maria da Inglaterra - que viveu sem apoios - se refletiu também na sua obra, que não foi registrada e nem sequer guardada em acervo, como deveria. “A negligência a ela foi maior em vida. Em morte, ninguém produz. O tanto que ela produziu ao longo do tempo enquanto viva, se ela fosse melhor assistida, tivesse uma moradia digna, ela teria guardado melhor esse material. Parte da obra dela se perdeu porque a pobreza da casa era muito grande e muita coisa se deteriorava”.

(Foto: Luciano Klaus)

José Dantas comparou o tratamento dado para Maria e o oferecido à artistas semelhantes ao trabalho dela em outros estados. “Lia de Itamaracá (de Pernambuco), Zabé da Loca (da Paraíba), Dona Teté (do Maranhão), são ícones da nossa cultura que os outros estados valorizam mais. O Piauí talvez ainda é primitivo nesse sentido. Deveríamos valorizar mais”, protesta.

“Apesar de tudo, obra sobreviverá a digitalização da música”

Canções que viraram verdadeiros hinos da cultura piauiense foram entoados pela voz de Maria da Inglaterra com irreverência e particularidade. O seu maior clássico “Peru Rodou” ganhou repercussão nacional e levou inclusive prêmio disputados com outros grandes nomes da música brasileira como Geraldo Brito, Adelson Viana e Luizinho Duarte.

(Foto: Assis Fernandes / O DIA)

A música de Maria da Inglaterra é atemporal, porque é autêntica. E na visão de José Dantas, apesar de tudo, sua obra vai sobreviver aos tempos digitais. “As músicas dela já estão nas plataformas digitais, como o Youtube. E vai ter gente que vai regravar as músicas delas. Mas não vai pagar os direitos autorais, pois não vai saber a quem recorrer, por não estarem registradas”.

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