Um século de vida. O período temporal que parece longo para a vida humana vem sendo alcançado com maior frequência pela população em todo o Brasil. Em Teresina, Capital do Piauí, um levantamento feito pela Fundação Municipal de Saúde (FMS) revela que 231 idosos, cadastrados e acompanhados pelas equipes das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), já alcançaram ou ultrapassaram a marca centenária. Inês dos Santos Nascimento, aos 101 anos, moradora da zona Norte de Teresina, é uma delas.
Do total de idosos acompanhados pelas equipes de saúde básica do município, 83 residem na zona Norte da cidade; 63 na zona Sul; 30 na região Sudeste; 27 na zona Leste e 28 na zona rural.
A Capital do Piauí, que recentemente completara 167 anos, parece uma menina aos olhos de Dona Inês, a matriarca de uma família de 18 filhos. “Quando cheguei aqui, era tudo mato, vi essa cidade crescer e cresci com ela. Não sei nem quantos netos já tenho espalhados por aí”, responde com uma voz firme antecipando uma de suas fortes características: a de mulher resiliente que se incumbiu à missão de criar toda família. Inês é chamada de “mãe” até pelos bisnetos.
Aos 101 anos, Inês dos Santos Nascimento vive rodeada dos filhos, netos e bisnetos Foto: Arquivo Pessoal
Para a família, o segredo da longevidade da centenária está na sua vida sempre ativa, na alimentação simples e na fé que nunca faltou mesmo nos dias difíceis. “Ela sempre gostou de andar muito. Lembro que íamos comprar carne em Timon (cidade vizinha a Teresina), todos andando a pé, toda semana”, destaca a neta Shirlene Sales.
Segundo pesquisa publicada este ano no Journal of Epidemiology & Community Health, alguns fatores como altura, peso e a prática de exercícios se mostram intimamente ligados à longevidade dos homens e mulheres.
Neste quesito, foram separados pela quantidade de tempo que dedicavam à movimentação do corpo. Os resultados mostraram que os que se exercitavam por mais tempo tinham uma probabilidade 39% maior em chegar à idade de controle, que era de 90 anos.
Expectativa
Chegar ao marco de 100 anos, no Piauí, significa, literalmente, ultrapassar expectativas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dados referentes ao ano de 2017, o Estado possui a segunda pior expectativa de vida do Brasil, perdendo apenas para o Maranhão. No Brasil, segundo o IBGE, a expectativa de vida ao nascer, em 2019, é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para homens.
A vida de dona Inês, que parou de caminhar há sete anos em virtude de uma fratura no fêmur, continua ativa em outros aspectos: nas conversas do cotidiano que troca com os familiares, na rotina religiosa que tem e na disponibilidade de contar tudo que viveu e vive, em detalhes.
“Gosto da minha família unida, de cuidar da casa e consagro minha vida ao sagrado coração de maria”, destaca.
Foto: Jailson Soares/O Dia
Boa alimentação e rede de afeto são chaves para uma vida longa
Vindo da cidade de Jaicós, região do Sul Piauí, para Teresina, ainda no ano de 1969, Raimundo Mendes de Carvalho, hoje com 103 anos, trabalhou em diversas atividades para o próprio sustento, da esposa e de seus 18 filhos. O centenário já foi mestre de obras, zelador e comerciante, sempre atuando no mercado informal. Trabalhos que exigiam muito esforço físico, mas que, dentro de suas convicções, “nunca foi problema”.
Hoje, Raimundo mora com um dos filhos, mas recebe diariamente a visita dos outros, inclusive ligações dos que moram em outros estados. Ele é o centro das atenções da família, que faz de tudo para acompanhar o bem-estar do anfitrião. Nas reuniões familiares, é fácil somar mais de 80 pessoas, afinal, além dos filhos entram na conta os 45 netos, 27 bisnetos e três tataranetos da linhagem Mendes de Carvalho.
Rita de Cassia de Carvalho, uma das filhas do idoso, conta que o motivo da longevidade do pai é a alimentação controlada e equilibrada que ele sempre teve ao longo da vida, sem produtos industrializados e “tudo direto da feira”.
“Meu pai não come alimentos industrializados, como embutidos, e isso sempre refletiu nos filhos, porque nós também não consumimos. Ele sempre comeu coisas saudáveis. No café da manhã, por exemplo, é uma fatia de mamão, depois uma caneca com caldo de carne, um copo com leite e três biscoitos. Esse caldo é feito pelo genro dele, que todos os dias nos manda. É o mais famoso na cidade, conhecido como um dos melhores de Teresina, justamente por não ter tanta gordura”, comenta.
Raimundo Mendes de Carvalho, de 103 anos, não come alimentos industrializados e nem muito gordurosos - Foto: Elias Fontinele/O Dia
O almoço da família também não foge à regra. A refeição leva o gosto da comida caseira, com a presença constante de arroz, feijão, abóbora, maxixe, quiabo, ovos e carne branca. Nada de lasanhas, comidas gordurosas ou carne vermelha. Mas como bom nordestino, depois da refeição, não pode faltar a tradicional rapadura. As frutas também estão presentes ao longo do dia. Toda a dieta do idoso é feita por uma nutricionista e os filhos seguem à risca as orientações.
Por muitos anos, era o senhor Raimundo o responsável por ir à feira todos os dias comprar os alimentos que seriam consumidos no almoço. A família mora há mais de 50 anos próxima ao Mercado do Mafuá, um dos mais tradicionais da Capital, onde funciona uma feira onde praticamente todos os produtos vendidos vêm de hortas comunitárias e orgânicas.
A ida ao mercado também servia como caminhada, mas, após um acidente, as saídas se tornaram raras. Hoje, os alongamentos são feitos em casa mesmo. “Hoje eu faço pouca caminhada, só dentro de casa, mas eu gosto muito”, conta.
Há um mês, o idoso sofreu um derrame ocular e perdeu alguns movimentos e a visão ficou comprometida, além de algumas alterações nas taxas e mudanças de comportamento. “Meu pai não tomava nenhum medicamento, então, para a idade dele, a quantidade de medicamentos é até pouca, mas acho que tudo isso é graças ao cuidado que temos com ele, a preocupação e amor que desprendemos todos os dias”, conclui Rita de Cássia.
Por: Isabela Lopes e Glenda Uchôa - Jornal O Dia