Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

"Com oportunidades, detentos sairão do sistema prisional melhores”, diz supervisor do CNJ

Em entrevista exclusiva a O Dia, o desembargador José Edvaldo Rontondano fala sobre o processo de ressocialização e projetos socioeducativas da Justiça;

19/08/2024 às 10h17

O desembargador José Edvaldo Rontondano, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem se mostrado como um dos grandes entusiastas da ressocialização da população privada de liberdade. O baiano, natural da cidade de Santa Inês, ao ingressar no cargo de promotor do Ministério Público passou a se envolver com movimentos de pessoas em situação de vulnerabilidade.

No entanto, foi em sua carreira no Tribunal de Justiça que desenvolveu atividades envolvendo projetos socioeducativos, dentre eles estão: Projeto Pai Presente; Projeto Virando a Página e o Projeto Amor Fonte Transformadora de Destino. Teve como principal estratégia para elaboração desses projetos a imersão nos 27 presídios da Bahia, onde participou da rotina e conheceu de perto as realidades deste público.

São experiências como estas que o levou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a convite do Supremo Tribunal Federal (STF), e foi durante entrevista com o Jornal O Dia, que o supervisor do CNJ ressaltou que o Poder Judiciário está mais moderno e que os juízes devem estar fora dos seus gabinetes, buscando empreender ações e projetos que possam melhorar a vida das pessoas que estão reclusas no sistema penitenciário brasileiro e nas comunidades.

José Edvaldo Rontondano, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ - (Ascom TJPI) Ascom TJPI
José Edvaldo Rontondano, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ

Qual a importância da ressocialização de detentos para a sociedade brasileira?

Um cidadão quando está privado de sua liberdade, ele já tem sua vida, quase que na totalidade, repreendida naquele momento. Eu vejo a ressocialização como um caminho para que ele seja reintegrado à sociedade. Não é só colocar a sentença que nós, juízes, proferimos. Eu acho que quando você coloca um indivíduo no sistema prisional, temos que observar o futuro desta pessoa, que gostaria que ela saísse de uma forma melhor. Mas as pessoas veem um ex-detento como uma pessoa afastada da sociedade. O que nós pensamos é que essa pessoa tem que ser reintegrada, mas para isso ela tem que ser ressocializada.

De que forma deve acontecer essa ressocialização?

Dentro do sistema prisional, a escola é necessária e o trabalho é imprescindível para a ressocialização. A ajuda da Defensoria Pública, do Ministério Público e, sobretudo, do poder executivo é de suma importância para isso. Eu acho que nós temos que estar abraçados com essas pessoas, para tentar melhorar ou minorar o sofrimento delas, quando saírem do sistema. Porque uma vez egresso, essa pessoa vai ser olhada de um modo diferenciado. Ela precisa voltar ao convívio social, mas a sociedade, às vezes, alija essa pessoa. Ela se equivocou, errou, mas já cumpriu a sua pena, sua sentença e o castigo, então, não vai ser a sociedade que vai recastigá-la.

"A escola é necessária e o trabalho é imprescindível para a ressocialização", diz Rontondano - (Ascom TJPI) Ascom TJPI
"A escola é necessária e o trabalho é imprescindível para a ressocialização", diz Rontondano

O nosso sistema carcerário é superlotado e, muitas vezes, não oferece dignidade aos presos, por que é importante mudar essa realidade?

A superlotação é uma realidade! É uma situação deprimente! Nós precisamos empreender esforços, digo todos nós, a sociedade, Poder Judiciário, poder executivo, legislativo, Ministério Público, comunidade como um todo. Nós do CNJ traçamos um plano que vai ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Esse plano dá embasamento e é uma visão que nós temos para um futuro melhor para essas pessoas. Enquanto isso, temos medidas cautelares vigiadas, o monitoramento eletrônico e diversos outros meios que fazem com que a situação diminua.

Muitos setores da sociedade olham para as medidas de ressocialização como uma política desnecessária. Como dialogar com esses setores sobre a necessidade dessas medidas?

É uma visão equivocada! Esse indivíduo passou por um tempo encarcerado. Ele não teve, talvez, oportunidade de demonstrar o seu potencial. O que a gente tem que fazer é buscar meios que deem oportunidades de trabalho e de demonstrar que ele é um cidadão com direitos e garantias, que devem ser respeitadas como a Constituição manda. Então, eu acho que quanto mais projetos se criar, mais a sociedade vai ver a necessidade destas pessoas estarem interligadas e conectadas com o mundo lá fora. A penitenciária de Itabuna, na Bahia, é referência para mim. Temos cerca de 800 detentos, sendo que 600 estão na escola. Inclusive, tem reeducandos que passaram no curso de Medicina, Enfermagem, Bioquímica e Direito. Então, se tiverem essas oportunidades, essas pessoas sairão do sistema prisional melhores.

"Se tiverem essas oportunidades, essas pessoas sairão do sistema prisional melhores", diz o desembargador - (Ascom TJPI) Ascom TJPI
"Se tiverem essas oportunidades, essas pessoas sairão do sistema prisional melhores", diz o desembargador

Como você avalia os resultados das audiências de custódia implantadas em todo o país?

Na minha visão, inclusive, é um filtro para que não haja superlotação no Sistema Prisional Brasileiro, às vezes, o indivíduo cometeu uma pequena infração e se não fosse a audiência de custódia, ele seria mais um dentro do sistema. A superlotação, eu diria, que é um povoamento desnecessário e a audiência de custódia é extremamente positiva. O Tribunal de São Paulo foi inovador nisso e que hoje é uma realidade. Nós, juízes, disciplinamos a audiência de custódia de uma forma bem mais eficaz. É neste momento que o juiz vai sentir a necessidade de o indivíduo ir ou não para o sistema prisional. A grande maioria das vezes não há necessidade disso.

O monitoramento eletrônico por meio de tornozeleira tem demonstrado como uma alternativa positiva às penas?

Tem sim! O monitoramento eletrônico é importante porque não vai se povoar o xadrez e a penitenciária com mais uma pessoa, desnecessariamente, custodiada, então é positivo e hoje, são mecanismos oferecidos. É a evolução do processo penal brasileiro e tem permitido aos juízes verem isso.

A criação de projetos que atendam a necessidade desta população é importante, quais formas você encontrou de compreender essas demandas?

O juiz de execução penal deve estar dentro do Sistema Prisional Brasileiro. Eu como corregedor, tive a oportunidade de visitar todos os 27 estabelecimentos prisionais do estado da Bahia. Neles eu almocei, jantei, eu tive audiência com reeducandos e diretores. A partir daí, a gente começa a ver as necessidades. Para implantar projetos, é preciso que nós sintamos como essas pessoas vão receber eles. Eu acho que aqueles que mais vingam são os que não são obrigados. A gente não pode obrigar o indivíduo que já se encontra preso a aderir aos projetos. Você faculta e diz que o projeto está à disposição dele. É você conversar, incutir na mente daquela pessoa que aquilo é importante para ela. Temos relatos de pessoas formadas, que dizem que a oportunidade que tiveram na penitenciária, talvez, não tivessem lá fora.


Você quer estar por dentro de todas as novidades do Piauí, do Brasil e do mundo? Siga o Instagram do Sistema O Dia e entre no nosso canal do WhatsApp se mantenha atualizado com as últimas notícias. Siga, curta e acompanhe o líder de credibilidade também na internet.