O artesanato é uma manifestação viva da cultura brasileira. Repleto de significado, ele carrega a essência de quem o faz. Por trás de cada peça feita à mão, encontramos histórias de vidas que foram transformadas pela arte de criar e pela habilidade de fazer da própria criação um negócio próspero. Com esforço e criatividade, artesãos tornam-se empreendedores e contribuem para o desenvolvimento econômico e social do país.
Hoje, o Brasil conta com 8,5 milhões de artesãos. Boa parte dessas pessoas são mulheres que garantem seu sustento por meio da produção artesanal. A atividade, que movimenta R$ 50 bilhões ao ano e representa cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), faz parte da Economia Criativa, uma indústria que engloba profissões baseadas no talento e intelecto.
No Piauí, o artesanato está espalhado pelos quatro cantos, ressaltando a nossa cultura popular e contemporânea. Atualmente, existem 848 empresas voltadas ao ramo artístico no Estado, conforme levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Seja por meio da pintura, da cerâmica, ou do crochê, empreendedoras do setor têm encontrado uma fonte de renda e também uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional.
A artesã Shenia Barbosa, de 27 anos, é um exemplo: o que começou como um hobby durante a pandemia da Covid-19, acabou sendo um catalisador de mudanças em sua vida. Comercializando ilustrações em cerâmica, a loja ‘Artes da Shen’ é hoje uma das referências no ramo artesanal em Teresina, capital do Piauí.
“Eu iniciei no mundo da jardinagem no período da pandemia. Depois, passei a vender plantinhas com minha sogra e a procura começou a crescer bastante, até que nós montamos uma pequena floricultura. Consequentemente, as clientes passaram a procurar por jarros para suas plantas. E foi assim que comecei a produzir jarros e pratos de cerâmica personalizados”, explica a artesã.
A artista consegue concretizar aquilo que almeja: transmitir afeto através da arte. Em um delicado processo de pintura, Shenia reproduz imagens e retratos, mostrando que o artesanato pode carregar significados mais pessoais do que imaginamos.
Com a sua arte, Shenia Barbosa chega a faturar R$ 15 mil por mês. A artesã atende exclusivamente por encomenda, e o valor de suas peças varia entre R$ 40 e R$ 300. “Tenho, em média, 50 clientes por mês. Consigo faturar bastante, especialmente em datas comemorativas, como Natal, Dia das Mães ou Dia dos Namorados. É claro que temos as despesas e custos com materiais, mas para mim é uma renda muito boa”, destaca.
O sucesso dos pequenos negócios é uma realidade em todo o Brasil. Hoje, eles correspondem a 99% das empresas brasileiras e representam 30% do PIB nacional, desempenhando um papel crucial na geração de empregos e no impulso da economia. De acordo com o Sebrae, em 2022, oito em cada dez empregos foram gerados por micro e pequenas empresas, evidenciando sua importância para a retomada econômica pós-pandemia.
Essa tendência de crescimento também se faz presente no Piauí. Com mais de 260 mil empresas ativas, o Estado tem acompanhado o panorama nacional de empreendedorismo. Nesse cenário, ressalta-se a atuação dos Microempreendedores Individuais (MEI), que têm ganhado cada vez mais espaço no mercado local e hoje correspondem a quase 50% dos pequenos negócios piauienses.
Atualmente, os mais 11 milhões de brasileiros registrados na categoria geram uma receita bruta de até R$ 81 mil por ano. Criado em 2008 pelo Governo Federal, o MEI proporciona um caminho simplificado para aqueles que desejam formalizar e expandir seus negócios, uma vez que oferece diversos benefícios como a legalização do negócio, acesso a direitos previdenciários e emissão de notas fiscais. A aquisição do registro pode ser feita online, o que garante maior praticidade ao empreendedor.
Para a artesã Shenia Barbosa, tornar-se uma microempreendedora no ramo do artesanato é sua maior conquista. Foi isso que a permitiu fazer da arte a sua fonte de renda. “O artesanato está presente na minha vida desde criança. Sempre gostei de pintar, desenhar e usar a criatividade e imaginação. A arte me permitiu ser microempreendedora, ter a minha própria renda, trabalhar no conforto da minha casa e isso teve um grande impacto na minha vida”.
Com a obtenção do MEI, novas oportunidades se abriram para a empreendedora. Além de conseguir descontos em lojas de materiais e participar de feiras e programas voltados aos pequenos negócios, Shenia tem levado seu artesanato para diversas partes do mundo, e por um preço muito mais acessível.
“Antes de me tornar uma pessoa jurídica era tudo mais complicado. Depois que eu me tornei MEI, fiz contrato com os Correios. Ao invés de ter que deixar a peça, eles vêm retirar o pedido na minha casa. Tenho desconto por ser MEI e esse é um benefício muito bom, pois agrega para mim e para o cliente. Por conta disso, já tive peças enviadas para o Canadá, Austrália e Inglaterra. Fez uma diferença muito grande na minha loja”, conta a artesã.
Sobrevivência de um negócio está ligada à capacitação, diz gestor estratégico do Sebrae
A trajetória de sucesso de Shenia Barbosa é um exemplo concreto de como o MEI pode impulsionar o crescimento e a expansão de pequenos negócios. No entanto, para garantir a sustentabilidade de uma empreitada, é essencial compreender e dominar uma série de aspectos que permeiam o universo do empreendedorismo.
Sobre o assunto, o gerente da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae no Piauí, Carlos Jorge, ressalta a importância de se destacar no mercado para alcançar a durabilidade e o sucesso do empreendimento. Segundo ele, "não basta apenas ter habilidades na produção de um produto ou serviço. É fundamental possuir conhecimentos sólidos em gestão, planejamento e vendas". Nesse contexto, a educação desempenha um papel crucial.
O Sebrae, como agente de fomento ao empreendedorismo, busca estimular os potenciais empreendedores por meio da capacitação. A organização oferece programas de capacitação e treinamentos voltados para gestão de negócios, finanças, marketing e outros aspectos essenciais para o sucesso empresarial.
Também são disponibilizados cursos específicos voltados para os artesãos. Com a orientação, os artistas têm a oportunidade de aprimorar suas habilidades artísticas e comercializar seus produtos de forma mais eficiente.
Além disso, o Sebrae promove feiras, exposições, eventos e premiações voltados para o artesanato, proporcionando aos empreendedores a oportunidade de expor e vender seus produtos. “Esses espaços são importantes para divulgar os produtos locais. Levar os pequenos empreendedores a participarem desses eventos é algo estimulante, pois gera um movimento que agrega para a economia local. As feiras são enriquecedoras porque trazem diversos tipos de trocas e aprendizagem”, reforça Carlos Jorge.
Mãe e filha criam crocheteira e levam tradição familiar para o digital
O crochê é uma arte milenar que tem resistido ao tempo, sendo transmitida de geração em geração. E foi justamente por meio dessa tradição familiar que a piauiense Fran Siqueira, de 58 anos, e sua filha Luna Siqueira, de 38 anos, encontraram a inspiração para criar a Criativa Crocheteria, uma loja virtual que tem como especialidade os amigurumis - técnica artesanal japonesa que consiste na criação de personagens.
Luna conta que sua mãe faz crochê desde que se entende por gente, mas que a ideia de criar uma loja no Instagram para expor e vender os produtos surgiu há apenas três anos. “Venho de uma família de crocheteiras e cresci vendo a minha mãe fazer crochê. Por isso, sempre estive muito próxima do artesanato. Durante a pandemia, começamos a pensar na possibilidade de fazer uma renda extra e foi quando decidimos que o crochê se tornaria o nosso empreendimento”, afirma.
As peças são feitas pelas habilidosas mãos de Fran, que sempre teve um carinho pela prática do crochê. Já tudo aquilo que envolve o funcionamento da empresa, como atendimento, vendas, fotografia, marketing e entrega, é realizado por Luna, que tem formação em marketing digital e experiência com empreendimentos no ramo artesanal.
O legado de família ganhou mais cor e vida no mundo digital. Isso porque, a internet e, mais especificamente, o e-commerce, têm impulsionado a expansão do setor artesanal. A transformação digital que vivemos nos últimos anos permite que artesãos brasileiros alcancem um público maior. No Piauí, por exemplo, o e-commerce vendeu mais de R$ 1,42 bilhão entre 2016 e 2022, conforme pesquisa do Observatório do Comércio Eletrônico Nacional.
Já em nível nacional, as vendas online faturaram mais de R$ 169 bilhões em 2022, um crescimento de 12,44% se comparado ao ano de 2021. E a tendência é que esse número continue crescendo. Segundo análise realizada pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), a expectativa é que, em 2027, o e-commerce fature mais de R$ 270 bilhões.
“O crescimento do e-commerce pode ser observado principalmente durante e depois da pandemia. Inicialmente, as pessoas migraram para o online por necessidade. Mas, depois, optaram por permanecer no mundo digital tendo em vista a redução de custos e o maior alcance que as plataformas oferecem”, aponta Lívia Melo, analista do Sebrae/PI.
Em meio ao empreendedorismo digital, Fran e Luna fazem do crochê um projeto de amor e de vida. Com afeto de sensibilidade, o pequeno negócio da família se tornou não só um aporte financeiro, como também um alicerce entre mãe e filha.
“Nossa loja reflete a nossa essência e nossa relação familiar. Produzimos peças com valores afetivos e fazemos parte de histórias. Saber que nosso trabalho emociona as pessoas é maravilhoso. Nosso slogan é crochê que te abraça, pois essa é nossa ideia. Que nosso produto seja como um abraço e que vá todo nosso sentimento”, finaliza Luna Siqueira.
Linhas de crédito apoiam cultura como motor de desenvolvimento no Nordeste
Acreditando que a cultura é uma das maiores riquezas de um país, instituições financeiras já oferecem diversas linhas de crédito que promovem o fortalecimento e a expansão de iniciativas culturais. O Banco do Nordeste, por exemplo, faz questão de apoiar financeiramente o setor cultural nordestino.
As possibilidades de financiamento oferecidas pelo banco são amplas e atendem a todos os portes de clientes, desde artistas e produtores culturais até empresários do setor. Esses recursos podem ser utilizados para produção, circulação, divulgação e comercialização de produtos e serviços culturais.
As principais linhas de crédito para a cultura disponibilizadas pelo Banco do Nordeste são:
- Crediamigo: Voltado para trabalhadores informais urbanos que realizam atividades culturais.
- Agroamigo: Destinado ao trabalhador informal rural que produz artesanato e outros produtos culturais.
- Linhas do Pronaf: Para agricultores familiares que produzem artesanato e produtos culturais.
- FNE MPE: Para empreendedores individuais, micro e pequenas empresas do setor cultural.
- FNE Comércio e Serviços: Voltado para pequenas, médias e grandes empresas com atividades ligadas à cultura.
- FNE Industrial: Para pequenas, médias e grandes empresas com produção vinculada à cultura.
Além disso, em 2023, o Ministério da Cultura e o Banco do Nordeste anunciaram um investimento de R$ 10 milhões para patrocínio de projetos culturais. Este suporte financeiro é um importante impulso para o empreendedorismo artesanal e cultural no Piauí, uma vez que proporciona aos empreendedores as ferramentas necessárias para transformar suas habilidades em negócios sustentáveis e de sucesso.