Piauí tem origem tupi-guarani e vem de "piau-i". Traduzido, o nome significa "rio dos piaus": "piau" quer dizer peixes pintados e "i", água. O topônimo foi dado pelos habitantes originários, os indígenas, que viveram no território piauiense na época pré-colonial, antes de serem expulsos ou mortos pelos brancos colonizadores. Os nomes indígenas fazem parte do nosso dia a dia e nomeiam os rios, como o Poti e o Parnaíba, e cidades, como Gilbués, Aroazes, Pajeú, Piripiri, Jaicós, entre outras.
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Apesar de tantas referências indígenas, a presença desses povos em solo piauiense está cada vez mais escassa. Se antes da colonização europeia as terras piauienses eram habitadas por, pelo menos, 17 diferentes etnias indígenas, como os Acroás, Anapurus, Araiozes, Aranhis, Aruás, Cariris, Guanarés, Gueguês, Jaicozes, Pimenteiras, Potiguaras, Potís, Tabajaras, Tacarijus, Timbiras, Tremembés e Xerentes, hoje, são apenas sete.
Por muitos anos, no imaginário da população, instituiu-se que não havia indígenas no Piauí. Talvez pela pequena presença desses povos em terras piauienses. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Estado há apenas 7.202 indígenas em meio a uma população de 3,2 milhões de habitantes. Número até expressivo se comparado a 2010, quando foram registrados 2.944 indígenas residindo no Piauí.
O medo e o silenciamento foram os principais fatores para que os povos originários não tivessem a devida visibilidade. É o que explica o Cacique Henrique Manoel, liderança indígena da etnia Tabajara, diretor dos Povos Originários da Secretaria da Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos (Sasc) e um dos coordenadores da Articulação dos Povos e Organização Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme).
“Na mente das pessoas, no Piauí não tinha mais indígenas, mas tivemos 200 anos de silenciamento. O povo mais velho aconselhava que não devíamos dizer que éramos índios, pois poderíamos morrer, e isso causou um problema muito grande. Então, nosso povo ficava com medo de dizer para os filhos que era indígena, e aqueles que tinham coragem não levantavam a bandeira com medo. Porém, no território de Lagoa do São Francisco, as tribos ocupam o espaço há 230 anos", pontua o Cacique.
Povos indígenas estão presentes em 70% dos municípios piauienses
Dados oficiais apontam que o Piauí tem 7.202 indígenas em 114 municípios. Isso significa dizer que os povos originários estão presentes em quase 70% do território piauiense. Porém, a quantidade de pessoas e famílias acompanhadas pela associação é bem menor que as informações fornecidas pelo IBGE.
“O levantamento [da associação] aponta 1.398 famílias e aproximadamente 4.500 pessoas indígenas no Piauí, que são acompanhadas desde 2015. Quando o IBGE divulga 7.202, em 57 municípios, é para refletir, pois trabalhamos apenas com 11 municípios, então, ainda temos uma missão muito grande de descobrir onde estão esses povos indígenas e trazê-los para perto de nós, nos juntarmos e nos mobilizarmos pelos nossos direitos”, reforça o Cacique Henrique Manoel.
Segundo o diretor dos Povos Originários no Piauí, existem sete etnias indígenas localizadas em 11 municípios, que são: Tabajara, Tapuio-Itamaraty, Kariri, Gamela, Guajajara, Warao e Gueguê, localizados em Lagoa do São Francisco, Piripiri, Queimada Nova, Paulistana, Bom Jesus, Currais, Santa Filomena, Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí e Teresina.
A 208 km de Teresina fica a comunidade Nazaré, em Lagoa do São Francisco, região Norte do Piauí. Lá vive o povo de etnia Tabajara. Na localidade, dos 6.331 habitantes, 681 são indígenas, ou seja, 10,76% dos moradores. É lá também que foi construído o primeiro museu dedicado à cultura e ancestralidade dos povos indígenas: Museu Anízia Maria dos Povos Tabajara e Tapuio-Itamaraty, que leva o nome da avó do Cacique Henrique Manoel.
“São 7.202 indígenas reconhecidos pelo IBGE, mas lamentavelmente não sabemos onde esses povos estão. É preciso que eles se manifestem e solicitem nossa presença para poderem se organizar na comunidade e também na associação, pois não temos como ir de casa em casa procurando. Temos cerca de 4.500 indígenas mobilizados e organizados em oito associações de causas indígenas, sendo os órgãos de defesa do nosso povo”, explica o cacique.
Sávio Santos é mestrando em Antropologia na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Ele foi o primeiro indígena da Aldeia Oiticica - Povo Tabajara Alongá, no município de Piripiri, a ingressar no ensino Superior. O jovem pesquisador atua nas causas indígenas e fala da importância do aumento populacional dos povos originários no território piauiense.
“Estamos em um processo de emergência étnica, fazendo a retomada da ancestralidade e afirmando nossa identidade indígena por conta de todo o processo violento que os diversos povos do Piauí passaram ao longo de todo esse tempo. Essa quantidade pode parecer pequena, mas estamos distribuídos em torno de 70% dos municípios piauienses, o que evidencia a presença indígena na maioria do Estado”, acrescenta Sávio Santos.
Segundo dados do IBGE, o Piauí registrou um crescimento de 144% da população indígena, saltando de 2.944 pessoas (2010) para 7.202 (2022). Porém, apesar do crescimento populacional, o Piauí ocupa a 5ª posição com o menor percentual de indígenas do país, apenas 0,22%, ficando atrás do Rio Grande do Norte; Bahia, Ceará, Amazonas e Goiás. Dos municípios piauienses, a cidade de Piripiri se destaca com o maior número absoluto de indígenas, com 1.370 pessoas.
Cultura e tradição se mantém viva
Os povos originários contribuíram significativamente para a sociedade piauiense. A língua indígena, conhecida como o “Piauiês”, é, na verdade, a língua indígena “aportuguesada”. Além disso, a cultura dos povos originários também se faz presente por meio da culinária, costumes, danças e outras manifestações.
“[Estamos presentes] na própria língua, como o nome das cidades, na medicina tradicional do povo piauiense, na culinária, nos costumes e nas danças, que sofreram influências da cultura indígena, apropriadas por povos não indígenas. A meu ver, a contribuição indígena deve ser observada desse ponto de vista, dessa contribuição que demos. O próprio nome do nosso Estado é indígena, assim como o de muitas de nossas cidades”, acrescenta Sávio Santos.
Apesar desses hábitos terem sofrido influências de outras culturas, os povos indígenas ainda conseguem manter alguns costumes, sobretudo os que envolvem aspectos espirituais e de conexão com a natureza. “Por isso, essa necessidade de termos nosso território, que tradicionalmente já era ocupado por nós, para podermos vivenciar a nossa espiritualidade, que ainda é muito presente em nosso povo”, enfatiza o pesquisador.
Para o Cacique Henrique Manoel, diretor dos Povos Originários no Piauí, ensinar às novas gerações as tradições e costumes é uma maneira de mostrar que os povos indígenas existem e continuam lutando para manter viva sua história. “Não podemos deixar morrer nossa história e nossa cultura. Fomos obrigados a viver da forma do branco, com suas culturas, mas sempre continuamos com nossas rezas, culturas e rituais, trazendo nossos ancestrais. Não foi fácil. O preconceito e a discriminação foram muito grandes, mas estamos avançando. Quanto mais dermos visibilidade aos povos indígenas, mais as pessoas vão entender que nunca deixamos de existir”, complementa.
Monumento denuncia massacre de indígenas
Os indígenas foram silenciados por mais de dois séculos, mas o sofrimento desse povo iniciou bem antes, ainda no processo de colonização do Piauí, em meados de 1670, quando os indígenas foram perseguidos, massacrados e quase exterminados por bandeirantes que desbravaram o solo piauiense. Na história, destacam os nomes de Domingos Jorge Velho, considerado um dos maiores genocidas das populações originárias do Piauí, responsável por destruir vários aldeamentos e liderar as tropas que destruíram o Quilombo dos Palmares, e do tenente João do Rego Castello Branco, que liderou incursões para matança ou captura de indígenas de etnias acroás, timbiras e gueguês.
O monumento “El Matador”, do escultor Carlos Martins, o Carlão, instalado no balão que liga as avenidas Raul Lopes e Universitária, zona Leste de Teresina, retrata uma cena do período sangrento que foi a colonização no Piauí. A obra é baseada no poema do poeta piauiense H. Dobal e denuncia o extermínio indígena pelos brancos colonizadores. A escultura costuma ser associada aos dois líderes da Coroa que buscavam o extermínio dos povos originários, entretanto, ela representa a denúncia de um passado colonial devastador.
Apesar de ser um protesto ao massacre, o monumento não é bem aceito pelos indígenas. O mestrando em Antropologia, Sávio Santos, explica que a escultura acaba por enaltecer a violência contra os povos originários, como se os colonizadores fossem os verdadeiros heróis. “Essa estátua de um homem matando indígena com um cavalo, pisando em nosso povo. Isso é algo que dói muito em nós, ver nosso povo sendo representado dessa forma em espaços públicos, como se esse extermínio fosse algo vitorioso”, pontua.
Piauí precisa avançar em políticas públicas para os povos indígenas
A maior necessidade dos povos indígenas, atualmente, diz respeito à delimitação de terras. No Piauí, ainda não há nenhum território demarcado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), porém, há cerca de oito áreas, que se adequam ao tipo de território que o povo indígena deseja, aguardando por qualificação. Segundo Sávio Santos, mestrando em Antropologia, o Piauí e o Rio Grande do Norte são os únicos estados da federação que não têm território indígena delimitado. Isso faz com que terras indígenas sejam invadidas, ocupadas e devastadas.
O pesquisador ainda faz uma crítica aos grandes investimentos, como o agronegócio, a mineração e parques de energia solar e eólica. “Esses grandes empreendimentos são os principais problemas, porque nosso território, que já foi invadido há muito tempo e que ainda conseguimos estar dentro deles, agora está sendo invadido e sem nenhum processo de consulta prévia, livre e esclarecida, como preconiza a Convenção nº. 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é um tratado internacional do qual o Brasil é signatário”, pontua.
Com relação à demarcação do território, o Cacique Henrique Manoel pontua que o Piauí possui apenas três áreas doadas pelo Estado, em nome das associações. Entretanto, essas terras não são, de fato, definidas como indígenas. “A nossa esperança é de que consigamos ter mais títulos de terras em nossas comunidades indígenas. Uma das nossas lutas é o território, além da educação. Estamos iniciando a implantação da educação escolar indígena no Estado e a saúde indígena diferenciada”, cita.
O antropólogo destaca a falta de acesso dos indígenas a esses dois direitos. Conforme Sávio Santos, o Piauí é o único estado da federação a não ter educação escolar indígena e um sistema de saúde indígena. “Ainda precisamos avançar. Pouco foi implementado no que diz respeito à geração de renda, na formação do nosso povo e no acesso à universidade. No Piauí, ainda não tem vestibular indígena e as ações afirmativas ainda são poucas e nos colocam com outras identidades, não reservando vagas específicas para indígenas, o que acaba limitando o nosso acesso”, complementa o pesquisador.
Além disso, os indígenas também se deparam com a omissão dos poderes, como do Executivo e do Judiciário, que não criam e executam políticas públicas. “O próprio governo invade território indígena, abre estrada, devasta as matas e as fontes de água sem consultar as comunidades. Enfrentamos o racismo institucional que existe por parte dos governantes e dos servidores, que querem a todo custo que mostremos provas de que somos indígenas, como se as outras etnias e raças precisassem fazer isso. Esse capital tem avançado pelo território indígena e nós não temos defesa. Temos um judiciário e um Ministério Público moroso e omissivo diante dos povos indígenas, que não pressiona e não faz valer a Constituição", acrescenta Sávio Santos.
Com relação à saúde, equipes da Sesapi, Sasc e da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) estão firmando termo de parceria entre Municípios, Estado e Governo Federal para avançar nas políticas da saúde indígena que estão sendo implantadas no Piauí. Por não ter um Distrito Sanitário Indígena (DSEI), as ações desenvolvidas no Estado serão administradas pela DSEI do Ceará.
“Estamos na fase de mobilização. Tivemos as primeiras visitas nas comunidades e nos municípios, e agora vamos começar o mapeamento e cadastro das famílias. Para isso, foram contratadas equipes que serão organizadas por regiões. É preciso ter postos de atendimento e também atender nas casas. Precisamos muito do apoio dos estados e municípios, como um posto de saúde que possa ser doado para a saúde indígena, o Estado contribuir com medicamentos e uma associação que possa doar uma casa para termos um espaço de atendimento até que seja construído o DSEI no Piauí”, concluiu o cacique Henrique Manoel.
Governo do Piauí reitera compromisso com povos indígenas
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde do Piauí (Sesapi) reiterou seu compromisso inabalável com a saúde e o bem-estar de todos os cidadãos piauienses. Em relação às comunidades tradicionais de povos indígenas do estado, são desenvolvidas uma série de ações para assegurar uma assistência integral e igualitária.
Exemplo disso foi a instalação, em parceria com a Prefeitura de Piripiri, de um consultório exclusivo para o atendimento da população indígena naquela cidade. O serviço faz parte do programa Piauí Saúde Digital, que disponibiliza atendimento em várias especialidades por meio da telemedicina.
Por meio da Coordenação de Promoção da Equidade em Saúde, a Sesapi também desenvolve outras iniciativas específicas, voltadas para as comunidades indígenas no estado. Esse trabalho busca reconhecer as particularidades culturais e as necessidades de saúde dessa população.
Uma dessas atividades é a qualificação dos profissionais da atenção básica dos municípios para o atendimento e acolhimento adequado e com Equidade à população indígena. Exemplo disso é o diagnóstico e monitoramento da saúde dos povos indígenas Warao, refugiados na cidade de Teresina.
Em conjunto com a Secretaria Estadual da Assistência Social (Sasc-PI), a Sesapi está articulando uma parceria com o Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, e Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), do Ceará, para implantação de núcleos de equipes multiprofissionais no estado.
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