João Victor Leal, de 18 anos, está há 5 meses trabalhando como entregador por aplicativo. Em um dia, ele recebe em média R$ 70. Mas mesmo com o pouco tempo de atuação no ramo, ele já sente as sequelas do trabalho. “Sinto muita dor na coluna”, diz João Victor.
Além do desconforto nas costas, o jovem teme pela sua segurança. “Essa foi uma forma de ganhar dinheiro, para não ficar parado. Eu coloco a bag apoiada no banco, nunca sofri acidente, mas tenho medo, porque o aplicativo não dá segurança”, conta.
Foto: Assis Soares.
Já Samuel Nascimento trabalha, há 4 meses, como entregador de comida, utilizando sua bicicleta. Para o jovem, seu maior medo é o trânsito, pois em muitas avenidas não têm ciclovias.
“Por enquanto, está compensando trabalhar assim, mas de bicicleta é perigoso, por causa dos acidentes, os motoristas não respeitam. E a bag pesa quando coloco os pedidos de comida, mas aguento, nada que não dê para suportar”, fala Samuel.
No Brasil, até novembro de 2019, eram mais de 11,9 milhões de pessoas procurando emprego, de acordo com os dados da PNAD Contínua; e este é um dos motivos que está levando os jovens a optarem pelo trabalho por aplicativo.
Para sair desta estatística do desemprego, Valqueres Alves, de 39 anos, resolveu deixar a profissão de mototaxista e, há 3 meses, trabalha com delivery. Mas para conseguir ter uma renda melhor no final do mês, ele tem que trabalhar de domingo a domingo.
“Eu era mototáxi, mas como as corridas caíram por causa dos aplicativos, eu entrei nos aplicativos. Eu ficava muito parado quando era mototáxi, já no delivery, antes de finalizar uma entrega, já tem outra. Por dia, tiro R$ 80, mas tenho que ficar até 18h, eu não passo mais tempo por que tenho medo, muitos já foram assaltados”, afirma Valqueres.
“A justificativa das empresas é que não existe esse vínculo empregatício”, diz motorista de aplicativo
Há oito meses, Franklin Wernz decidiu se tornar motorista por aplicativo. Há quase dois anos desempregado, optou por trabalhar desta maneira como forma de se manter enquanto não consegue um emprego de carteira assinada. Apesar de exercer a atividade diariamente, ele não vê o trabalho como um emprego e sabe que a categoria não tem direitos garantidos pela legislação.
“Não digo que ser motorista de aplicativo seja o ‘emprego ideal’, pois estamos diariamente correndo riscos na rua. Os gastos são exorbitantes com combustível, manutenção. Passamos por diversas situações, mas é a forma que hoje muitas pessoas encontram para sustentar suas famílias. É uma luta diária que temos que enfrentar, mas que tirou muitas pessoas da estatística do desemprego”, comenta.
Franklin Wernz explica ainda que a profissão de motorista de aplicativo é uma atividade caracterizada como informal/autônomo e, devido a isso, ele não contribui para o INSS. O jovem destaca também que a categoria se encaixa como microempreendedor individual (MEI), mas por não ser obrigatório o cadastro no MEI, isso faz com que muitos motoristas não tenham alguns direitos contemplados, o que pode ser prejudicial a longo prazo.
Ainda com relação aos direitos que a categoria deveria ter, o motorista pontua que muitas empresas alegam não ter vínculo empregatício, por isso não podem arcar com esses custos trabalhistas.
“A justificativa das empresas é que não existe esse vínculo empregatício, pois ela apenas serve como mediação entre o passageiro e motorista, e o motorista aceita a corrida se quiser. Porém, isso tem inconsistência, pois trabalhamos com taxas mínimas de aceitação e cancelamento, ou seja, temos de certa forma compromisso e obrigação de aceitar as corridas, pois estamos sujeitos a ‘punições’, como, por exemplo, ficar bloqueado por alguns minutos, caso você recuse cinco corridas seguidas e se essas taxas mínimas não forem atingidas, reduz a quantidade de corridas enviadas para aquele motorista, afetando, assim, diretamente seu ganho”, confessa.
Contudo, Franklin Wernz admite que, se os motoristas tivessem vínculo direto através da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), faria com que eles perdessem autonomia, vez que teriam que cumprir algumas exigências, como carga horária mínima, atingir metas, entre outras. “Mas vejo que seria importante esse vínculo, pois teríamos mais direitos, como salário, férias, folga remunerada, plano de saúde, 13° salário, o que melhoraria e muito na qualidade de vida e dignidade do motorista”, conclui Franklin Wernz.
Entregadores podem ter desgaste na coluna, alerta fisioterapeuta
A bolsa térmica ou bag utilizada pelos entregadores de comida pesa, em média, 16 quilos. E carregar esse peso pode trazer prejuízos à coluna. É o que alerta o fisioterapeuta Alexandre Mota. O especialista, inclusive, destaca que o recomendado seria que bag fosse acoplada a moto ou à bicicleta. Mas, como esta não é a realidade da maioria dos trabalhadores, ele dá algumas dicas para aliviar dores e problemas futuros.
Alexandre Mota orienta como aliviar dores. Foto: Assis Fernandes.
“Primeiro a bag tem que ficar bem adaptada ao corpo para não ficar com uma folga, entre as alças e as costas, pois fica puxando os ombros pra trás, e ainda faz com que o motoqueiro jogue a cabeça pra frente. Já a altura da mochila, o ideal é que fique no nível da cintura; passou da cintura, já está deslocando o centro de grávida e já vai estar sobrecarregando a coluna”, orienta Alexandre Mota.
A postura ao sentar na moto ou bike, também é determinante. Ao sentar de forma errada, o profissional pode adquirir problemas de coluna, desgaste, hérnia de disco, bico de papagaio, problema na pélvis, quadril, ombro e na coluna cervical.
“Normalmente, os motoqueiros sentam com o bumbum pra dentro, fazendo um “C” com a coluna. Mas o ideal é que você sente bem apoiado no bumbum, sobre a pelve, porque já dá pra manter a coluna numa posição melhor”, indica Alexandre Mota.
Já para os motoristas que passam o dia sentados, sem movimentar as pernas ou curvando a coluna quando está cansado, o fisioterapeuta tem recomendações específicas, pois a altura do banco, posição dos braços e joelhos prejudicam a postura correta.
“Com relação ao ajuste do carro têm muitas regras. Primeiro a distância do banco tem que ser de uma forma que a pessoas consiga pisar na embreagem, por exemplo, sem esticar completamente a perna. “A altura do banco, não pode ser muito alta para não pressionar a parte de trás do joelho, tem que ficar 2 dedos de distância”, diz Alexandre Mota.
Sobre a inclinação do banco, o profissional ressalta que o motorista tem que conseguir encostar o punho no volante e não tensionar os ombros para dirigir. Para a cabeça, não é indicada que fique encostada no apoio, porque pode dar sono e, na hora de um impacto, joga a cabeça para frente. A dica para a coluna é que não sente em cima do sacro, o recomendado é empinar um pouco o bumbum, para manter correta a coluna.
Motoristas devem se organizar para buscar direitos, orienta advogado
O advogado especialista em Direito Processual do Trabalho, Frank Aguiar Rodrigues, destaca que não há nenhuma legislação trabalhista que ampare e venha a proteger os trabalhadores de aplicativos que atuam no Brasil.
“O que nós temos é o Artigo 3º, da CLT, que apresenta cinco requisitos, que no caso concreto deve-se avaliar se um trabalhador é empregado. No caso dos aplicativos, se faz necessário analisar esses cinco requisitos. No Brasil, deve-se materializar a relação de emprego para depois discutir os direitos”, comenta.
Foto: Jailson Soares.
O advogado destaca quais são esses cinco pontos: pessoa física, pessoalidade, subordinação: o trabalhador deve obedecer às ordens do padrão, “o que é fácil comprovar para quem trabalha como motorista por aplicativo”. Onerosidade: “que é receber pagamento, algo também fácil de comprovar”. Além disso, há a habitualidade: “precisa ser verificado caso a caso se o entregador trabalha mais de dois dias na semana. Se isso for comprovado, terá uma possível caracterização de relação de emprego e de todos os direitos, inclusive o previdenciário de desconto no INSS”, explica Frank Aguiar Rodrigues.
Por isso, o advogado recomenda que os motoristas de aplicativo se organizem em entidades, de forma a ter um respaldo jurídico para que seus direitos sejam garantidos. “Eles devem tentar criar entidades representativas, uma associação, que é muito simples, e começar a buscar o jurídico para demandar ações que defendam a categoria, até para despersonalizar a figura do empregado, pois este pode ser demitido caso bata de frente com a empresa”, ressalta.
O especialista comenta também que os motoristas que trabalham por aplicativos não estão protegidos pelo Direito do Trabalho atual, por isso precisam criar metodologia para se representarem.
“Eles devem procurar líderes de poderes, legisladores a nível municipal, estadual e federal, que é o que tem competência para modificar as normas trabalhistas, de acordo com a Constituição Federal, artigo 22”, cita.
Muitos desses trabalhadores estão exposto a sol e chuva, correndo risco de vida, tanto pelas intempéries da natureza como risco de acidentes. Por isso, deveriam receber adicionais de insalubridade e de periculosidade, mas, por não terem a profissão regulamentada, esse direito não é garantido.
“Esses trabalhadores não têm uma legislação que os beneficiem diretamente. O direito do trabalho não evoluiu. Apesar das reformas para alcançar, essas figuras ainda passam por análise caso a caso. Esses trabalhadores que estão expostos a sol e chuva, considerados elementos de insalubridade, também estão expostos à periculosidade, pois andam de moto. Na CLT diz que os condutores de motocicleta terão direito a um adicional de 30% de periculosidade, que seria até melhor que a insalubridade, mas o direito do trabalho passa pelo reconhecimento do vínculo antes do direito”, comenta.
Por: Isabela Lopes, Sandy Swamy e Virgiane Passos