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NOTA TÉCNICA 06 DO CI-TJPI

Grave atentado ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e o problema da exclusão da apreciação do poder judiciário de lesões e ameaças a direitos cujas reparações sejam postuladas em massa.

27/03/2024 às 17h35

27/03/2024 às 17h35

Gostaria de me dirigir aos advogados, juízes e a todos os interessados no acesso e na efetividade da justiça, frisando, inicialmente que este artigo se faz por impulso, indignação e responsabilidade: Impulso de defender a advocacia e a Constituição Federal, como membro de uma Ordem, frente a qualquer ataque e sob quaisquer circunstâncias; indignação por ver algo que se agiganta contra as prerrogativas da advocacia e os princípios basilares do direito, que ora se apresenta como se fosse norma; responsabilidade de agir enquanto é tempo. 

Trata-se do quanto estabelecido na Nota Técnica n. 6, do CENTRO DE INTELIGÊNCIA da Justiça Estadual do Piauí, tratando de suposto poder de agir do juiz, com adoção de diligências cautelares diante de indícios de “demanda predatória”. Eis um dos mais graves problemas da advocacia de todos os tempos: o tratamento das chamadas ações de massa como se fossem todas elas “predatórias”, seguido da criação de verdadeiras leis processuais pelo judiciário, ao total arrepio dia lei, do Código de Processo Civil e da Constituição Federal de 1988.

Contra a advocacia, porque, com base na Nota Técnica, há juízes controlando, ignorando ou até mesmo criminalizando a advocacia; contra o Código de Processo Civil, pois há juízes utilizando-a para criar novas regras processais; e contra a Constituição Federal, por haver juízes negando aos cidadãos cujos direitos foram lesados, a apreciação do poder judiciário, apenas porque há muitos casos idênticos de pessoas igualmente lesadas ajuizando ações no mesmo sentido.

De fato, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, XXXV, prescreve que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O Código de Processo Civil, art. 3°, determina igualmente que “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. E, para assegurar que o cidadão lesado tenha acesso à justiça, a lei determina que toda ação deve ser acolhida quando atender a condições básicas ao seu exercício, não podendo jamais ser excluída sem julgamento do seu mérito - e as condições da ação são determinadas pelo Código de Processo Civil, devendo seguir-se de julgamento pautado na Constituição Federal, nos exatos termos do art. 1°, do CPC de 2015.

Pois bem, depois de mais de uma década vivendo fora do Brasil e ainda em atuação em várias jurisdições no cenário internacional, devo referir que diversos países têm problemas com o crescente número de demandas, a exigir do judiciário ações concretas para manter a efetividade da prestação jurisdicional. Da discussão sobre o tema, deveras, tem-se concluído invariavelmente tratar-se de questão complexa, interdisciplinar e que demanda a participação de toda a sociedade na identificação da origem do problema e criação de modelos de como lidar com as suas fontes, sem, porém, jamais poder se afastar das normas legais e constitucionais relativas.

No Brasil não foi diferente, no que tange às decisões e ações emanadas do CNJ, que, por meio da Resolução Nº 325 de 29/06/2020, definiu os Macro desafios ao Poder Judiciário para o ciclo 2021-2026, conforme os resultados da consulta pública dirigida aos cidadãos, magistrados, servidores, advogados e demais membros da sociedade, ocorrido em Maceió-AL, em novembro de 2019; dentre os DESAFIOS, contra “gestão de demandas repetitivas e grandes litigantes” tratada no seu item 4. Para orientar o judiciário sobre este tema, o CNJ expediu a RESOLUÇÃO 349/2020 - com o objetivo de identificar e propor tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetitivas e de massa no poder judiciário brasileiro. Portanto, a referida resolução 349 do CNJ seria a base para a atuação dos CI’s. 

No entanto, da leitura da referida resolução, depreende-se que o CNJ andou bem, não tendo autorizado a prática de qualquer ato ou criação de qualquer norma interna nos tribunais por fora das regras da processualística pátria. Tal normativa do CNJ, deveras, nem de longe poderia ser tida como fundamento à referida nota técnica, pois o que esta fez foi criar um verdadeiro “código processual estadual”, determinando diligências e fundamentando decisões judiciais totalmente desconforme às normas do Código de Processo Civil e criminalizando atos de advogados em absoluta desconformidade com o Estatuto da OAB e com as leis civis e penais. Como advogado militante em áreas diversas das aqui tratadas, expresso minha solidariedade aos colegas atingidos por tais normativas, pois as prerrogativas deles são as minhas prerrogativas, e sinto-me à vontade para expor a minha total indignação.

Ora, é sabido que existe o problema e que devemos buscar soluções para o mesmo. Porém, tais soluções devem se dar dentro das regras processuais votadas pelo legislativo federal - e não escolhidas pelos juízes. De qualquer forma, podemos concluir que uma Nota Técnica de tal natureza se encontra em total desconformidade com as resoluções do CNJ, com a CF/88 e com o CPC.

Por óbvio que deve haver discussões entre todos os agentes sociais envolvidos, sobretudo a OAB, os Tribunais e o CNJ, para identificar as formas legais de lidar com os problemas postos. O que não podemos aceitar é juízes decidindo quais regras processuais advogados devem seguir (isto decido o legislativo - onde os advogados têm voz e vez), tampouco extinguindo ações como forma de impor as suas conclusões de que haveria ilegalidades. Se houver ilegalidade de algum advogado, tal fato deve ser averiguado, pontual e concretamente julgado em procedimento apartado, sem prejuízo do direito de ação de seus clientes, provando-se as acusações mediante garantia do devido processo legal e, em caso de condenação, imputando ao infrator a punição prevista legalmente. Não podemos, outrossim, aceitar punições como forma de imposição de comportamentos processuais escolhido por juízes, tampouco que ações sejam extintas sem análise do mérito como punição por supostas irregularidade dos causídicos - a ação é direito do autor!

Noutra monta, se alguns Juízes estiverem usando as notas técnicas, não apenas para garantir aos jurisdicionados o devido processo legal, mas a fins outros, por exemplos, apenas para impor a diminuição dos números de ações em suas comarcas e atingir suas metas, que o admitam, fundamentando suas decisões, pois, se decidem com interesses outros, que não aqueles alegados na própria decisão, ai já o caldo fica mais grosso, pois passa a ser crime de abuso de autoridade e/ou improbidade administrativa.

Como diria Piero Calamandrei, “Os juízes são como os que pertencem a uma ordem religiosa. Cada um deles tem que ser um exemplo de virtude, se não quer que os crentes percam a fé”.

AC. Fiuza - Advogado (Antonio Cesar S. L. Fiuza) OAB-SP 227.972