“O sistema ganhou de mim”. É assim que começa o texto postado em uma rede social. A mensagem, que soa mais como um desabafo, foi feita pelo universitário Daniel Pessoa, de 25 anos, que tem transtorno bipolar e síndrome do pânico diagnosticadas há cinco anos. Na publicação, ele conta sua saga em buscar ajuda na rede pública de saúde, principalmente as dificuldades em conseguir tratamento psicológico e remédios para controlar as crises que costuma ter.
Daniel afirma que foi diagnosticado quando tinha 18 anos, mas, desde criança, apresentava um comportamento diferenciado, que, segundo ele, nunca foi levado a sério pelos familiares. “Eles achavam coisa de crianças, até que um dia eu tentei suicídio e nós procuramos um psicólogo”, lembra o jovem. E começa assim a jornada do estudante em busca de auxílio e tratamento para as doenças. Ele lembra que chegou a fazer um plano de saúde, mas só conseguiu manter por poucos meses devido ao alto valor das mensalidades, lhe deixando apenas uma única alternativa: recorrer à rede pública.
“Minha mãe não conseguiu pagar o plano por muito tempo, então procuramos o Hospital do Matadouro, na zona Norte de Teresina, onde tinha uma psiquiatra que era a única que atendia pelo município todos os dias. Ela atendia em média 30 pessoas por dia, então, não era muito tempo para cada paciente. Fui diagnosticado com depressão e síndrome do pânico, fiz o tratamento por dois anos com ela e parei porque comecei a me sentir melhor”, comenta. Pouco depois, o jovem mudou-se para o Pará, onde lá foi diagnosticado com transtorno bipolar.
Daniel culpa o descaso com a saúde pública e mental aos altos índices de suicídio em Teresina (Foto: O Dia)
Ao retornar para Teresina, Daniel fala que buscou novamente o serviço, procurando ajuda em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial). Lá passou por um processo de triagem e preencheu um formulário. “Mas lá é para quem tem problemas psicológicos mais graves, como a bipolaridade e esquizofrenia. Eu só fiquei por uma semana, porque lá não havia uma divisão da gravidade dos casos e toda a terapia era em grupo. Para mim, isso não tinha serventia e eu me sentia pior, então voltei para a psiquiatra do Hospital do Matadouro”, explica.
Sem acompanhamento de um profissional e pouca medicação para administrar nos horários corretos, o estudante recorreu novamente à rede privada, vez que não podia ficar sem auxílio médico por já ter tido ideação suicida. Mas isso não durou muito devido às condições financeiras da família e, em janeiro, precisou cancelar o serviço novamente. Há sete meses sem plano de saúde, Daniel desabafa sobre sua condição psicológica atual e pede um olhar mais atento da cidade para com sua população.
“Estava tendo muita crise de pânico e não conseguia sair de casa, ouvia vozes e tinha alucinação e foi aí que pensei ‘Eu preciso procurar ajuda’”, pontua. Na publicação que fez nas redes sociais, o estudante lamenta o descaso relacionado à saúde mental em Teresina.
“A minha única vontade foi de chorar, nunca me senti tão humilhado em buscar uma ajuda para suportar minhas dores e não conseguir. Quando se perguntam como essa cidade e esse Estado tem o maior índice de suicídio no Brasil, está aí [a resposta], é o descaso com a saúde pública e mental. Uma cidade que lhe oferta nenhum lazer e muito menos um lugar para tratamento das doenças que ela lhe faz ter. O sistema me venceu”, desabafa.
“A minha única vontade foi de chorar, nunca me senti tão humilhado em buscar uma ajuda para suportar minhas dores e não conseguir".
Provida
Com um ano sem acompanhamento médico e tendo constantes crises de bipolaridade, Daniel Pessoa recorreu ao Provida - ambulatório especializado no tratamento de pessoas com ideação suicida que funciona no Centro Integrado Lineu Araújo e disponibiliza psicólogos e psiquiatra para atendimento de pessoas com sofrimento psíquico.
“O Provida foi único lugar que consegui atendimento da última vez e é relativamente bom. Como é um local de prevenção ao suicídio, era para as pessoas irem para lá e terem o apoio de um psicólogo e psiquiatra, só que o sistema foi modificado, agora tem que fazer uma triagem mesmo já tendo cadastro para depois falar com o psicólogo e com o psiquiatra. Para uma pessoa que já tentou suicídio, se tiver que passar por todo esse processo, ela desiste”, comenta o estudante Daniel Pessoa, acrescentando que já tentou atendimento no Hospital Areolino de Abreu, mas não foi bem atendido.
Pacientes se deparam com burocracia e atrasos
O universitário Germanno Marques também buscou ajuda da rede pública para atendimento psicológico. Em 2016, ele foi diagnosticado com distimia, um tipo crônico de depressão no qual a pessoa fica triste regularmente. É um quadro que pode ser controlado, mas persiste se o tratamento for suspenso. O jovem conta que apresentava um quadro depressivo desde a infância, porém, a procura por ajuda só veio quando ele ingressou na universidade.
“Quando a coisa começou a apertar, ou eu buscava ajuda ou a coisa ia ficar feia. Desde então, eu comecei o tratamento, mas parei diversas vezes, porque eu me trato pelo SUS e é tudo muito burocrático, seja para marcar uma consulta, pegar um encaminhamento, agendar o retorno. Então, quando a situação está apertando, eu procuro ajuda, me trato por um tempo e depois paro, porque é muito desgaste buscar ajuda e não conseguir, você sai mais cansado do que quando começou. A gente que precisa acordar bem cedo para marcar uma consulta e eles ficam te jogando de um lado para o outro”, comenta.
Germanno destaca que já foi ao Hospital Universitário da Ufpi, Hospital Getúlio Vargas (HGV) e no Provida, local onde fez a maior parte do tratamento, e explica que lá é menos burocrático, vez que os retornos podem ser agendados no próprio Centro Integrado Lineu Araújo.
Foto: Shutterstock (Imagem ilustrativa)
O estudante cita ainda que, no HGV, os psiquiatras que atendiam costumavam chegar atrasados, o que causava desgaste e estresse nos pacientes, por isso, a necessidade de ofertar mais pontos de atendimentos psicológico em outros locais de Teresina.
“Eu não acho que a quantidade para se tratar atende à demanda da cidade, nem de lugares nem de profissionais e nem o modo como é feito. É um processo muito difícil você admitir que tem um transtorno, precisa de ajuda e levar em frente esse tratamento. O que a gente puder receber de estímulo e incentivo seria muito bom, mas isso não acontece. No Provida, é o local que melhor atende, apesar de atender uma demanda específica, mas os métodos como eles tratam os pacientes, como eles facilitam as coisas, se em outros lugares seguissem o mesmo esquema, seria mais fácil das pessoas buscarem ajuda e concluírem o tratamento”, comenta.
Por: Isabela Lopes - Jornal O Dia