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Imigrantes venezuelanos buscam um novo recomeço em Teresina

Sem moradia e emprego, tentando superar as barreiras impostas pela língua e pelos costumes, famílias de imigrantes da Venezuela chegaram a Teresina em busca de oportunidade, mas aqui encontraram o desalento.

07/12/2019 08:17

A história do Brasil confunde-se com a história da imigração no país ou vice-versa. Ainda em 1530, aqui estão os portugueses envolvidos com o plantio da cana-de-açúcar. Durante o Brasil-Colônia e ao longo do período monárquico, a imigração portuguesa se impõe como a mais expressiva. Mais adiante, início do século XIX, a imensidão do território nacional é vista, na Europa e na Ásia, como uma vastidão de oportunidades.

Diante de dificuldades econômicas em suas terras natais, suíços, italianos, alemães, espanhóis e japoneses vislumbram a chance única de prosperar por estas bandas, estabelecendo-se, sobretudo, nas regiões Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) e Sul (Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Depois, chegam outros imigrantes de diferentes procedências, como sírio-libaneses e armênios, chineses e coreanos.

Afinal, com o fim da escravidão no país, ano 1888, muitos latifundiários preferem contratar como mão de obra imigrantes europeus em vez de ex-escravos, mediante estímulo do próprio governo, que incentiva campanhas para trazê-los. Há, também, os que vêm para cá, fugindo das duas grandes guerras mundiais que atingem, com crueldade, o continente europeu. Por tudo isso, não é à toa que, na recém-lançada autobiografia de Fernanda Montenegro, “Prólogo, ato, epílogo: memórias”, ao relembrar a saga de seus antepassados: lavradores portugueses, do lado paterno; pastores sardos, do lado materno, ela diz que os avós maternos chegam no mesmo navio, ano 1897, como integrantes de uma caravana de 800 italianos destinados a trabalhar nos cafezais de Minas Gerais.

Os portugueses da família paterna, por sua vez, não vieram em levas de imigrantes, mas, sim, para se unirem aos parentes já instalados no Rio de Janeiro. “A grande dama da dramaturgia brasileira” reforça os males que acompanham a imigração desde então, com um desabafo genuíno: “não se é imigrante impunemente.”

Teresina dos venezuelanos

Na realidade, não é fácil. Daí, a dificuldade de discutir a imigração. Nossa Teresina é, agora, também, a Teresina dos venezuelanos. As diferenças vão além das vestimentas. 

Estão nos hábitos mais simplórios. Agravam o problema de moradia de nossos sem-teto. Ampliam as margens do desemprego. De uma forma incipiente ou subjacente, podem incrementar a delinquência. Inquietam a população.

Não importam os esforços do Poder Público local. Há, ainda, muito a ser feito. Por exemplo, desde que os refugiados começaram a chegar à capital do Estado, as autoridades buscam reduzir a mendicância e, sobretudo, impedir que os adultos utilizem suas crianças para isso, em grave delito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mesmo assim, vez por outra, crianças e anciãos são vistos nos semáforos a solicitarem ajuda.Uma moeda que seja! 

Foto: Assis Fernandes.

Este é o retrato em preto e branco dos últimos seis meses em que os venezuelanos habitam Teresina, por onde já passaram cerca de 220 cidadãos. Atualmente, apenas 140 continuam na cidade. Muitos foram buscar abrigo em outros estados, alegando que o auxílio oferecido pelos governantes não supre suas demandas básicas.

Na cidade, eles estão abrigados em dois locais. No bairro Poti Velho, estão 55 pessoas sob a coordenação da instituição filantrópica Cáritas Diocesana de Teresina. No bairro Buenos Aires, são 85 imigrantes, sob o apoio da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi).

Foto: Assis Fernandes.

Visita a um dos dois albergues – o do Poti Velho – na antiga Associação dos Pescadores, nos dá ideia de como estão sobrevivendo. A imagem dos venezuelanos largados num local onde o calor parece sufocar, a sujeira sobra e a desesperança marca presença, é aflitiva. 

Há indivíduos de todas as idades. Há velhos, adultos, jovens e muitas crianças. As palavras parecem e são, de fato, inócuas e inúteis para descrever os corpos esquálidos e a tristeza estampada no olhar. São silenciosos. Além da barreira da língua – a maioria não fala sequer o espanhol, mas, sim, a língua nativa de suas tribos, a exemplo da tribo Warao – e há o temor estampado no rosto frente ao futuro e aos estranhos que chegam por lá.

Ao entrar no abrigo, o primeiro olhar dá conta de um grande pátio, com uma mesa ao centro, geladeira, fogão e tanque de lava roupa deteriorados, por onde correm em círculo crianças de todo tamanho, aparentemente imunes à dor do abandono. Nas salas transformadas em “casas” para as muitas famílias, o mau cheiro toma de conta. É possível ver roupas jogadas no chão, restos de comida, colchões rasgados, meias, sapatos velhos, chinelos rotos, panelas sem tampa ou artisticamente amassadas, etc. etc. O ventilador de teto que não mais funciona serve de lar para as aranhas que parecem disputar espaço. O banheiro é outro lugar desumano: canos quebrados, chuveiro inexistente, bacia com água, porta sem fechadura que não fecha, varais improvisados, onde peças íntimas morrem de pudor. Uma situação que representa a tristeza de viver longe do habitat natural. Em meio a esse cenário, o ócio consome o lugar, não há o que fazer,não há para onde ir.

Em seu país de origem, os venezuelanos caçavam e plantavam para comer e sobreviver. Mas em meio à selva de pedra, esse trabalho não é possível. O alimento vem através da Semcaspi. A cada semana, seus representantes levam alimentação, com o cuidado extremo de respeitar os hábitos alimentares dos imigrantes. Mesmo assim, a comida que recebem dos governantes parece insuficiente. As queixas são muitas. Além de manterem uma dieta diferente, comem muito.

As conquistas dos venezuelanos que estão abrigados em Teresina

Dentre todos os desafios, alguns direitos já foram conquistados junto aos órgãos públicos, como emissão da carteira de identidade, carteira de trabalho e CPF. Outra novidade muito boa, sobre a qual o Cacique Abel Rattia conta com muita alegria é que há cerca de 15 dias, as crianças do abrigo do Poti Velho começaram a estudar com voluntários do Movimento pela Paz na Periferia ou MP3.

“Vamos ficar aqui e as crianças estão indo à escola. Estou acompanhando as crianças, terça e quinta. Por aqui ninguém aprende nada. Todos os dias, a criança fica sem fazer nada e aqui não vai aprender português. Lá, elas brincam, comem e voltam para cá.”

O Coordenador do MP3, Francisco Chagas do Nascimento Júnior, ou, simplesmente, Júnior MP3, conta que a iniciativa de alfabetizar cerca de 60 crianças e adolescentes surgiu ao perceberem a ociosidade vivenciada por esses meninos e essas meninas no lugar de acolhimento.

“Eles são crianças em idade escolar. Estavam sem fazer nada há mais de seis meses nos abrigos. Então pegamos uma liderança indígena que trabalhava na tribo como professor. Ele está ajudando a ministrar as aulas junto com os voluntários do MP3. Auxiliam com atividades esportivas; na alimentação; na recepção e na limpeza. Porém, falta combustível e mais alimentação. Precisamos resolver para o ano de 2020. Precisamos de frango, arroz, macarrão, batata e macaxeira para atendê-los de forma integral de segunda a sexta-feira,” reitera Júnior MP3.

Além disso, o MP3 pede para a sociedade civil doar, sempre que possível, materiais de limpeza e de higiene, material escolar e esportivo, colchonete e frutas. O Cacique Abel Rattia vai além e pede roupas, fraldas, remédios, alimentação e produto de limpeza, pois segundo ele, o que vem da prefeitura não é suficiente. Tudo em torno do objetivo maior de assegurar dignidade e oportunidades para as crianças indígenas e sua gente. Afinal, sempre é tempo de rever o fato de que, como diz Fernanda Montenegro, “não se é imigrante impunemente.” Há permanente aflição em busca de sobrevivência!



Por: Sandy Swamy e Maria das Graças Targino
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