Chuvas mais intensas ou falta de chuvas. Períodos mais secos e quentes e queda da umidade do ar a níveis críticos. Enchentes e inundações. Estas são algumas das consequências do aquecimento global e do desmatamento e refletem o que os especialistas chamam de desequilíbrio térmico do planeta. É que estes eventos climáticos estão diretamente ligados a outro fenômeno: o aquecimento dos oceanos.
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) divulgou recentemente um relatório em que traz um panorama da atual situação dos oceanos em seus aspectos químicos, físicos, ecológicos e socioeconômicos. O documento aponta, dentre outras questões, o avanço no processo de aquecimento das águas. Esse aumento da temperatura dos oceanos leva a outro evento climático preocupante: a alteração na dinâmica das chuvas.
Os dados da pesquisa indicam que 2023 foi o ano mais quente já registrado para as temperaturas oceânicas. Esse aumento da temperatura dos oceanos está na casa dos 1,4°C, acima inclusive dos níveos pré-industriais. Essa mudança na dinâmica climática já pode ser sentida na realidade local. Um estudo do Instituto de Ciências do Mar, da Universidade Federal do Ceará (UFC) aponta que, nos últimos meses, as águas do litoral do Ceará e de outro Estados do Nordeste subiu.
De acordo com Marcelo Soares, professor do Instituto, a temperatura do oceano no Ceará costuma ficar entre 26°C e 29°C. No entanto, desde janeiro deste ano, ela está chegando perto dos 30°C. Esse 1°C a mais faz diferença. Isso porque a temperatura do oceano impacta diretamente na quantidade de chuva que as cidades recebem. É isso o que explica Sarah Cardoso, climatologista da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.
“A temperatura do oceano impacta na quantidade de umidade na toposfera. Em conjunto com os sistemas dinâmicos atmosféricos, isso vai interferir positivamente ou não na quantidade de precipitação. Faz-se necessário considerar, por exemplo, os outros sistemas atuantes tanto nos oceanos, quanto nos continentes. Além disso, precisa-se considerar o gradiente de pressão que condiciona o movimento da maioria das massas de ar”, explica Sarah Cardoso.
O volume de chuva, segundo a climatologista, pode aumentar em razão do aumento da temperatura dos oceanos. É que com esse fenômeno, aumenta a quantidade de água na atmosfera e, com isso, as tempestades são “alimentadas”, o que pode resultar em chuvas extremas que podem ocorrer em pouco tempo, ativando, inclusive, pontos de alagamento, inundações e enchentes.
O Brasil tem assistido diariamente a um exemplo disso com a tragédia no Rio Grande do Sul, onde centenas de famílias e milhares de pessoas foram atingidas pela cheia dos rios que cortam o Estado. Já são 475 municípios afetados, 37.154 pessoas em abrigos, 579.457 desalojados, 806 feridos, 42 pessoas desaparecidas e 172 mortes confirmadas.
Vale lembrar que o Rio Grande do Sul faz parte do grupo de Estados brasileiros que possuem um plano de atuação em caso de eventos climáticos extremos. O Piauí, por exemplo, ainda não possui uma estratégia neste sentido, mas os órgãos de Defesa Civil, bem como a Semarh, informaram que monitoram constantemente a situação hidrometeorológica no Estado para evitar quaisquer danos às populações das comunidades que vivem próximas de reservatórios e rios.
De acordo com Sarah Cardoso, foram feitos alguns levantamentos de previsão de anomalia que mostraram que as águas do Atlântico Tropical estavam aquecidas há alguns meses. Nas reuniões das quais a Semarh participa mensalmente junto com outras instituições de meteorologia nacionais, esta foi uma das questões discutidas. A de que o oceano tenha fica com temperatura média de 29°C.
“Isso explica inclusive os erros nas previsões com relação ao El Niño que foram amplamente divulgadas em 2023 e que diziam que ele iria impactar nas chuvas. Ao chegarmos em 2024, observamos, por exemplo, que as chuvas de março ficaram inclusive acima da média climatológica”, discorre Sarah.
Além deste monitoramento, a representante da Semarh explicou que vem investindo em alguns programas que amenizam os impactos das mudanças climáticas como o Proverde, que trabalha diretamente com a distribuição de mudas frutíferas e outras visando o reflorestamento. Além disso, a Secretaria disse que tem ampliado a rede de monitoramento hidrometeorológico, fiscalização florestal e o combate a incêndios florestais.
Aquecimento dos oceanos afeta também a vida marinha
As mudanças climáticas pelas quais o planeta vem passando ultimamente influenciam a vida marítima e não só ela: comunidades inteiras que dependem do mar para sobreviver, seja com a atividade pesqueira, seja com a atividade turística, podem, também, sofrer as consequências deste processo.
O professor da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) especialista em Recursos Pesqueiros e Agricultura, Cézar Fernandes, aponta que o aquecimento global altera a temperatura da superfície dos oceanos e provoca uma série de alterações como o branqueamento dos corais, perda de nutrientes, migrações das espécies peixes, desertificação, salinização e outros processos.
Diante deste cenário, a subsistências de comunidades pesqueiras e até mesmo a alimentação através dos pescados ficam prejudicadas. “Isso provoca uma série de circunstâncias negativas desde a redução dos estoques pesqueiros e da capacidade de pesca de alimento de comunidades pesqueiras, como a própria capacidade produtiva em termos de reprodução desses estoques pesqueiros em relação ao ambiente”, relata o professor Cézar Fernandes.
Soma-se a isso outro fator que o estudo da Unesco menciona: a acidificação dos mares, que aumentou 30% desde os tempos pré-industriais e pode atingir até 170% em 2100.
Meteorologista da Semarh, Sarah Cardoso explica que este fenômeno leva à migração de espécies de animais em busca de locais com as características semelhantes às que eles viviam antes. O problema é que esta migração altera a cadeia alimentar daquele ecossistema, o que pode levar à morte ou até mesmo ao desaparecimento de espécies.
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