Há nove anos, o motorista por aplicativo Marcos Vinícius descobriu, em um exame de colonoscopia, que portava a doença de Crohn, uma condição inflamatória crônica que afeta o sistema digestivo com o surgimento de fístulas ou ferimentos. No Brasil, a cada 100 mil habitantes, 34 possuem alguma doença inflamatória. Entre 2012 e 2020, o número de pessoas com esse tipo de enfermidade cresceu 12% no Brasil.
No início da enfermidade, sofreu com fadiga e diarreias com sangue e chegou a perder 15 kg. Em meio a oito cirurgias e inúmeras consultas com nutricionistas, gastroenterologistas, fisioterapeutas e psicólogos, Marcos conheceu a Associação de Portadores da Doença de Crohn (Acronn-PI), na qual ocupa atualmente o cargo de primeiro-secretário.
“A Acronn foi um divisor de águas em minha vida. Aprendi a lidar melhor com a doença por meio das trocas de experiências diárias. Os membros da associação partilham informações e doam medicamentos”, relata ao O DIA.
Outro portador de Crohn é o jornalista Evaristo Costa, diagnosticado em 2017 e recentemente internado, após ser surpreendido por uma sepse urinária, em um hospital público de Cambridge, no Reino Unido. Na unidade, recebe medicação intravenosa e espera a remissão da enfermidade.
“Quero que saibam que agora estou bem. Sem dores, medicado e assistido 24 horas. Vê-se que ainda não aprendi como conviver e controlar [a doença]. Mas chego lá! Sigo com minha resistência imunológica na ‘sola do pé’”, escreveu em uma rede social.
Nomeada pelo médico que a estudou pela primeira vez, o norte-americano Burrill Crohn, a condição pode atingir da boca até o ânus dos pacientes e causa fístulas de difícil cicatrização – caso não haja um tratamento adequado, elas jamais irão cicatrizar.
Sem cura, a doença apresenta sintomas que variam desde a localização até a extensão dos ferimentos. Como explica a médica gastroenterologista Joceli Oliveira, o ponto mais frequente é a porção final do intestino delgado, conhecida como "ilha terminal".
A especialista ressalta que as pessoas com Crohn devem aderir ao tratamento, feito com um médico de confiança que as acompanharão pelo resto de suas vidas. Os medicamentos receitados são imunobiológicos e representaram uma revolução no combate à condição.
“Antigamente, elas recebiam remédios chamados de mesalazina, ou então corticoides, e conviviam com crises cada vez mais graves até a primeira cirurgia, na qual eram perfuradas por 20, 30 centímetros até o intestino. Hoje, os imunobiológicos trazem poucos efeitos colaterais e alguns estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS)”, enfatiza.
Os remédios anti-inflamatórios ofertados pelo SUS incluem sulfassalazina, azatioprina, metotrexate, adalimumabe e certolizumabe. Joceli lembra que há outros que não fazem parte do estoque da rede pública; para isso, a Comissão de Incorporação de Tecnologias (Conitec) do Ministério da Saúde precisa articular-se a fim de colocá-los à disposição da população.
Na Farmácia do Povo, gerida pelo governo do Piauí, diversas medicações para o tratamento da doença podem ser adquiridos pelos piauienses, como ciclosporina e infliximabe; no entanto, atrasos no abastecimento são frequentes, denunciam pacientes.
“Quando se atrasa uma medicação vem uma cadeia de problemas: ansiedade, preocupação, fortes crises de dores abdominais e anemia severa”, elenca o primeiro-secretário da Acronn-PI, Marcos Vinícius.
Segundo a Farmácia do Povo, as medicações azatioprina e mesalazina estão em processo de aquisição com previsão de reabastecimento para a segunda quinzena de janeiro.A entidade informou ainda que a mesalazina está disponível aos usuários. “A Sesapi está tomando as medidas necessárias para manter o estoque disponível”, esclareceu.
Falta de informação gera preconceito
Além das eventuais faltas de medicamentos, os portadores de Crohn ainda precisam lidar com o preconceito causado pelo conhecimento pouco difundido sobre a doença. Para a médica Joceli Oliveira, uma das formas de superá-lo é acolher essas pessoas e falar abertamente a respeito da enfermidade.
“Muitos têm vergonha de dizer que têm a condição, omitem para os parceiros e familiares, ou ao prestarem concurso público, por exemplo. Eu acho que as pessoas têm que vencer o preconceito da doença falando sobre a doença, pois a maioria desconhece esse problema. Pessoas que enfrentam essa doença muitas vezes têm que ausentar-se do trabalho e ficar em casa, então é muito importante que a família também participe ativamente do tratamento”, reforça a médica.
Outra medida importante é que os pacientes diagnosticados busquem assistência psicológica, uma vez que muitos se veem abalados psicologicamente devido aos desafios enfrentados.
Para Marcos Vinícius, a falta de conhecimento das pessoas, muitas vezes, gera preconceito. “Somos taxados de preguiçosos, sendo que muitas vezes não temos forças para levantar e fazemos nossas atividades na garra, força e superação. É possível viver bem através de alimentação saudável, cuidado com a mente e uso correto das medicações, no tempo correto”, acrescentou.
Maio Roxo: mês de conscientização
Para falar sobre o tema, todos os anos é realizada a campanha 'Maio Roxo', considerado o mês de conscientização das doenças inflamatórias intestinais. Essa iniciativa visa sensibilizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado dessas condições.
Durante o 'Maio Roxo', atividades educativas, palestras e eventos são organizados para disseminar conhecimento sobre os sintomas, fatores de risco e abordagens terapêuticas para as doenças inflamatórias intestinais, com foco especial na doença de Crohn. O objetivo primordial é alertar a comunidade para a necessidade de um diagnóstico precoce, promovendo assim melhores perspectivas de tratamento e qualidade de vida para os afetados.