Um estado rico em tradição e em sabores. Essa é uma das formas mais acertadas de descrever o estado de Minas Gerais. Durante cinco dias, a equipe do O Dia foi convidada para conhecer os modos de fazer o queijo minas artesanal (QMA), e pôde compreender de perto essa tradição secular que se tornou Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco neste mês de dezembro. O que não imaginávamos era que mergulharíamos imensamente na cultura de Minas e conheceríamos um pedaço do Brasil tão parecido com o Nordeste, mas, ao mesmo tempo, tão diferente. Uma cultura rica, uma culinária primorosa e um povo extremamente acolhedor.
Quem tem a oportunidade de visitar o estado de Minas Gerais certamente poderá vivenciar a mineiridade, um conjunto de características culturais, comportamentais e sociais que definem o povo de mineiro. E é impossível saborear o QMA e não sentir, a cada pedaço, todos esses traços que definem a história, a cultura e as tradições desse estado.
Produzido há mais de três séculos, o queijo minas artesanal é fortemente ligado à história das famílias mineiras, especialmente no interior do estado. Em Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Ibitipoca, Serra do Salitre, Serro e Triângulo, tradicionais regiões produtoras de QMA, o queijo é produzido manualmente, utilizando técnicas tradicionais que sobreviveram ao tempo e são repassadas de pai para filho. Atualmente, o estado possui mais de 3 mil produtores que decidiram fazer dessa cultura um meio de sustento para si e suas famílias.
Em Uberlândia, principal cidade da região conhecida como Triângulo Mineiro, o modo de fazer o QMA também está presente nessas memórias afetivas familiares. É o que lembra a médica veterinária e proprietária da Fazenda Terra Aprazível, Walkiria Naves.
“Eu sempre fui filha de produtor rural, meus pais tinham uma propriedade média, e lá eu lembro muito bem, quando eu era pequena, que minha mãe fazia queijos. Ela tinha uma casinha onde ela fazia os queijos e tinha um quartinho nessa casinha que era onde guardava os queijos para maturar. A gente sempre viu aquele modo de fazer e acompanhava aquele processo”, lembra Walkiria.
A Fazenda Terra Aprazível fica localizada a cerca de 35 km de Uberlândia. O caminho até lá é feito por rodovias e, ao redor, é possível ver as paisagens típicas do Triângulo Mineiro, com extensos pastos verdes e plantações com árvores esparsas. A região é conhecida pela sua forte tradição agropecuária e pela produção de leite e derivados. É nesse cenário que, desde 2018, Walkiria, o marido Gilmar e os filhos Thiago e Matheus, tocam a fazenda da família e são responsáveis pela produção de um dos quatro queijos minas artesanais produzidos na região de Uberlândia: o Ouro das Gerais.
Servidora pública, Walkiria resgatou as suas memórias de infância enquanto trabalhava fazendo uma pesquisa sobre queijo minas artesanal para o Serviço de Inspeção Municipal e, desde então, retomou os passos dos pais e carrega o legado do queijo da família.
“Hoje, a gente está trabalhando sempre buscando a sustentabilidade e mantendo esse resgate da cultura do queijo minas artesanal, e eu acho que a gente vai ter que trabalhar ainda mais nesse sentido, depois desse título, para que as pessoas possam realmente conhecer e reconhecer a importância desse produto para Minas Gerais e para o Brasil como um todo”, destaca a produtora.
Modos de fazer o queijo minas artesanal
Por ser um processo artesanal, a produção do queijo minas pode variar de acordo com a região e a tradição de cada família, mas que se assemelham na medida em que buscam trazer o sabor único e inconfundível do QMA. Por isso, não é possível dizer que há apenas um modo de fazer o queijo minas, na verdade, a receita, apesar de ser singular, traz muito da pluralidade que é a cultura e a culinária mineira.
Na Queijaria Ouro das Gerais, por exemplo, o produto segue uma receita específica, que é uma característica da família Borges Naves. Lá, o queijo minas artesanal é produzido com as próprias mãos de Gilmar e Thiago, pai e filho, que também são produtores e afinadores de queijo.
O leite cru, sem pasteurização, é colocado em um grande recipiente metálico logo após a ordenha, ao qual são adicionados o coalho e o pingo (um soro residual extraído da produção de queijos anteriores). Após coalhar, o leite é cortado para liberar o soro. Em seguida, a coalhada é colocada em moldes de plástico para a modelagem. Manualmente, o afinador pressiona o queijo para retirada do soro e, em seguida, o produto é colocado em uma bancada para terminar a prensagem. Após esse processo, é adicionado sal diretamente sobre o queijo, que, ao final de todo o processo, vai para prateleiras de madeira para maturar por, no mínimo, 22 dias.
“Para a maturação, a gente precisa ter 80% da umidade relativa do ar, para que o queijo tenha essas características: a casca amarelada, firme, consistente, e a cor que é só do queijo minas artesanal”, explica Thiago Borges.
Na Queijaria Oliveira, localizada na cidade de Araguari, o processo é similar. A dona Sandra Lúcia Oliveira decidiu levar adiante a tradição da sua família e o amor pelo queijo. Através de uma pequena queijaria no terreno da família, Sandra Lúcia conseguiu, sozinha, conquistar o selo de ouro na ExpoQueijo, um concurso internacional, dentre quase 900 competidores. O selo foi um justo reconhecimento pelo trabalho primoroso da produtora, cujo queijo é conhecido na região como “perfeitinho”.
“A chegada do selo de ouro foi emocionante. Isso só abriu as portas para gente, apareceram clientes para conhecer a queijaria, muita gente que nem conhecia aqui. Isso valorizou muito meu queijo e fez muito bem para mim, me deu mais segurança em trabalhar, me deu orgulho. Hoje, meu queijo é considerado o mais bonito do Triângulo Mineiro”, afirma.
Assim como Walkiria, desde criança, Sandra Lúcia acompanhava sua mãe no preparo do queijo minas artesanal, observando atentamente o processo, desde a ordenha até o momento em que as peças eram cuidadosamente guardadas para maturar. Hoje, Sandra Lúcia é a única responsável pela produção na fazenda, pois os filhos decidiram seguir caminhos diferentes. Apesar disso, ela tem orgulho de ver os filhos trilhando seus próprios sonhos enquanto ela carrega a missão de continuar o legado da família.
Ainda assim, Sandra Lúcia não está sozinha na missão de preservar o queijo minas artesanal. Na mesma região, Inêz Gomes é uma referência. Dona de uma das fazendas mais conhecidas de Uberlândia, ela transformou sua paixão pela produção de queijos em um negócio de grande alcance. Com cerca de 14 mil peças produzidas anualmente, Inêz trabalha com vacas holandesas, conhecidas pela alta qualidade do leite.
“A gente produz queijo há 12 anos. Viemos de uma família tradicional de queijo, minha avó foi produtora de queijos por muitos anos, até ficar velhinha, minha mamãe fez queijo por alguns anos. Em 2012, a gente pegou essa responsabilidade e começou com o queijo frescal e, em 2017, com o queijo minas artesanal. Hoje, a gente está trabalhando com os dois queijos. A produção é toda minha, sou eu que faço uma média de 50 a 80 queijos por dia”, explica Inêz, mostrando orgulhosa as peças produzidas na sua fazenda.
O queijo minas artesanal não é apenas um alimento; é um símbolo cultural e um patrimônio afetivo dos mineiros. Cada peça carrega a história de quem a produziu. São centenas de pessoas como Walkiria, Sandra e Inêz, que através da tradição familiar, levam o nome da região para além das fronteiras do estado. Mais do que sustento, o queijo une gerações e mantém vivas as raízes de um povo que transforma simplicidade em arte.
Confira a íntegra da reportagem na edição deste sábado (21) do Jornal O Dia no link: https://odia.presslab.com.br/
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