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"A instituição do juiz de garantias é natural dos países democráticos"

Em entrevista exclusiva ao O DIA, desembargador Sebastião Ribeiro Martins avaliou a implementação do juiz de garantias e comentou a legislação sobre abuso de autoridade.

13/01/2020 07:43

O DIA conversou com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sebastião Ribeiro Martins. Na ocasião, ele conversou sobre as prioridades de sua gestão para este ano, avaliou a implementação do juiz de garantias e comentou a legislação sobre abuso de autoridade. Ribeiro Martins também avaliou sobre a estrutura de tecnologia do Judiciário piauiense e comentou e defendeu a necessidade de ampliar a bandeira da conciliação como forma de diminuir as demandas para o Judiciário. 

Desembargador, como o senhor avalia a legislação do pacote anticrime, aprovada pelo Congresso nacional e sancionada pelo presidente Bolsonaro? 

O pacote anticrime trouxe duas grandes modificações, uma na legislação penal e outra processual penal. Primeiro a figura do juiz de garantias, que já existe em Portugal, Espanha e aqui já foi discutido a implementação do juiz de garantias. Mas na época a grande dificuldade era que o Brasil de tamanho continental e assim se tornava difícil instituir, porque durante o inquérito policial o Brasil não tinha condições de ter tantos juízes para acompanhar os processos judicias. Mas hoje, com a modernidade, a tecnologia, então não é obrigado a ter um juiz em cada cidadezinha para acompanhar o processo judicial, porque através do processo eletrônico o delegado pode requerer ao juiz uma medida cautelar, que são a prisão preventiva, a prisão cautelar, a busca e apreensão, a quebra do sigilo fiscal e telefônico. Hoje é possível, diante da tecnologia, esta instituição do juiz de garantias. 


Foto: Assis Fernandes

É evidente que vamos ter dificuldade. Aqui no Piauí mais de 70% das comarcas só tem um juiz, e o substituto desse juiz é o magistrado da cidade vizinha. Por exemplo, quando estes dois juízes estiverem de férias quem vai substituir? Isso com certeza requer o pagamento de diárias para que o juiz se desloque para essas cidades.  A grande novidade é cada processo penal terá a presença de dois juízes, o de garantias que vai acompanhar o inquérito e o que vai julgar o processo, vai instruir e fazer a sentença final.  Obviamente isso vai requerer um gasto e nosso orçamento é reduzido. 

O juiz de garantias, aparentemente, é a maior alteração aprovada na lei. O senhor concorda com a instituição do juiz de garantias e como o Tribunal de Justiça vai atuar para implementá-lo? 

O juiz de garantias é o melhor instituto democrático que visa assegurar um principio constitucional. Todo cidadão tem direito a ampla defesa e ao contraditório e o juiz de garantias vem na pratica consolidar esses principio constitucional. As pessoas criticavam o fato de que aquele juiz que decretava a prisão preventiva, a quebra do sigilo telefônico, ele já tinha certa tendência a condenar o acusado. Agora é totalmente desvinculado. O juiz que vai julgar não vai nem examinar a parte processual. Ele vai ouvir as testemunhas e fazer todo o processo para dar a sentença final. É uma garantia dos países democráticos.

Desembargador, a lei do abuso de autoridade começou a valer na última semana. Como o senhor analisa ela? Ela pode prejudicar a atuação da Justiça e do Ministério público? Quais os avanços e riscos dela? 

O abuso de autoridade sempre deve ser combatido. Toda autoridade deve exercer seu poder nos limites da lei, ele não pode abusar da sua autoridade. Pode ser um juiz, promotor, delegado, auditor fiscal, enfim, qualquer autoridade. O que foi bastante criticado é que na lei pode ter algum dispositivo que vai intimidar a atuação destes profissionais. Alguns dispositivos tendem a criminalizar certos atos de autoridades. Por exemplo, se o promotor pedir a prisão preventiva de alguém, e o juiz decretar e for considerado que essa prisão  era indevida, eles poderão responder por abuso de autoridade. É claro que todo crime, para ser crime, tem que ter o dolo, o juiz ou qualquer autoridade só pode ser punida se tiver o dolo, o que é o dolo, é a vontade  livre e consciente de praticas um delito. Então se o juiz decreta a prisão e o Tribunal revoga, então ali não houve abuso de autoridade. Até porque ali ele tinha a convicção de que a prisão era necessária. Agora se o juiz pede desnecessariamente a prisão, cometendo um abuso, ele pode responder por isso. 

Quais as prioridades para este ano no Tribunal de Justiça? Tanto em relação a parte de infraestrutura quanto a parte administrativa?

 Nossa primeira preocupação sempre será aumentar a produtividade. Essa é a nossa meta número 1 junto ao Conselho Nacional de Justiça. Mas também temos uma meta com a Corregedoria Geral de Justiça que é a digitalização de todos os processos. Até maio vamos digitalizar os processos cíveis, vamos inaugurar ainda neste semestre, talvez em março, uma secretaria única. Será um projeto piloto de pegar 5 secretarias e juntar só em uma para economizar custo e pessoal. Mas os processos criminais ainda não estão digitalizados. A nossa meta é até dezembro estar com eles também digitalizados. Até porque para podermos implantar na prática o juiz de garantias.

E em relação a investimentos em tecnologia, serão feitos algum neste ano? 

Sim. Sempre estamos renovando o parque tecnológico, com computadores apropriados para o processo eletrônico. Tínhamos alguns notebooks que os juízes não conseguiam acompanhar o avanço tecnológico. E além disso estamos ampliando  a capacidade da nossa secretaria de tecnologia da informação para podermos implantar o projeto  2.1 do PJE nos processos criminais. 

Desembargador, por fim, quais suas considerações finais. O que o senhor ainda gostaria de acrescentar? 

É importante melhorar a estrutura física dos tribunais, ampliar o parque tecnológico, aumentar nossa produtividade, mas eu preciso dizer sempre: do Poder Judiciário a demanda sempre é crescente, temos que trabalhar e ampliar a cultura da paz, da conciliação, ao invés da cultura do litigio. Somente através da conciliação e da mediação o Poder Judiciário vai cumprir seu principal papel. O papel do Poder Judiciário é pacificação social. Pelo método tradicional de julgamento de processo é impossível. A Justiça é morosa e não vai dar conta das demandas cada vez mais crescentes. Temos que incentivar a cultura da paz, da conciliação e da fraternidade. E pra isso na pratica, já temos 19 centros de conciliação, 10 na capital e 9 no interior. Eles foram criados por determinação do CNJ e está presente no Código de Processo Civil que visa incentivar a conciliação e mediação. 

Por: João Magalhães e Nathalia Amaral
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